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Artes Plásticas Exposição fotográfica traduz questionamentos existenciais de Gilvan Barreto O ciclo da vida está tatuado na pele e nas obras expostas a partir de desta quinta-feira, em "Suturas", na galeria Amparo 60, no bairro de Boa Viagem

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 17/09/2015 14:27 Atualizado em: 17/09/2015 21:01

Crédito: Gilvan Barreto/divulgação
Crédito: Gilvan Barreto/divulgação

Crédito: Gilvan Barreto/divulgação
Crédito: Gilvan Barreto/divulgação
Gilvan Barreto morreu. No funeral, familiares e amigos prestaram homenagens com palavras e gestos simbólicos. Gilvan, é claro, estava lá. Ao ler o próprio nome escrito em letras douradas nas coroas de flores, refletia a respeito da finitude da vida. Tema universal por excelência, o ciclo cumprido pelos seres vivos tem raízes fincadas em seus pensamentos desde cedo, por influência de outras mentes e da própria passagem pela Terra. Na adolescência, por exemplo, foi importante ter ouvido com atenção a música Killing an arab, da banda The Cure, considerada uma ode à magnum opus do escritor franco-argelino Albert Camus, O estrangeiro. Uma coisa levou à outra, e a leitura do livro o marcou profundamente. Até hoje há cicatrizes e vestígios de tudo isso. Eles estão, inclusive, pendurados nas paredes da galeria Amparo 60, em Boa Viagem, onde as questões mais íntimas de Gilvan Barreto (homônimo do pai, falecido há cinco anos) se tornam universais por meio da exposição Suturas. Com 25 obras do fotógrafo pernambucano, a mostra é inaugurada nesta quinta-feira, às 19h, e fica em cartaz até 16 de outubro. 

Em uma das séries mais marcantes, O homem elegante, o episódio da morte do parente é recuperado no limiar entre a poesia e a dor, ao estilo do autor russo Vladimir Maiakóvski, com as “palavras que queimam”. Em papel vegetal, lê-se: “Por algumas horas da madrugada, estava sozinho num salão com o caixão do meu pai. AUSÊNCIA ao redor, um monte de [trecho recortado] com o [trecho recortado] escrito. Paletó [trecho recortado], gravata [trecho recortado]. Minha mãe foi quem escolheu. Se pudesse, ele escolheria esta mesma roupa. Também quero o mesmo traje. Ainda parecia muito [trecho recortado]. Os olhos azuis finalmente se fecharam”. As lacunas em branco no texto de foro íntimo, descobre-se depois, são “coroa de flores”, “meu nome”, “branco”, “azul”, “meu pai”. Retiradas do contexto, as palavras foram marcadas no corpo do artista com equipamento próprio para tatuagem, mas sem usar tinta. “O pigmento foi o meu sangue. Agora, ficaram só cicatrizes”, diz. Ainda frescas, sanguinolentas, as feridas foram clicadas para a exposição.

Assim como na trilogia de livros concluída este ano – Sobremarinhos (2015), O livro do sol (2013) e Moscouzinho (2012) – a exposição usa elementos diversos para refletir sobre a mortalidade, como chumbo, sol, mar, pele e sangue. São muitas fotocolagens e sobreposições, sempre sugestivas. Dentro dessa mesma linguagem, a exposição fotográfica conta, ainda, com uma intervenção mais radical – a escultura de um chumbo de pesca gigante de 12 quilos atravessa a parede da galeria e até causa algum estrago no reboco. Pelo bem da arte.

Crédito: Gilvan Barreto/divulgação
Crédito: Gilvan Barreto/divulgação
Entrevista >> Gilvan Barreto

A exposição é a culminância dos seus livros?
Sim, essas obras publicadas nos últimos três anos falam sobre esta mesma coisa que venho repetindo o tempo todo, o fim do ciclo da vida. É um recorte de todo esse trabalho, embora tenha algo de inédito. Ele orbita essas temáticas da dor, da perda, de restabelecer a ordem de alguma maneira, da culpa, algo muito repetido por Albert Camus, com quem dialogo muito. Também revisito os mesmo cenários dos três livros, o sol, o mar, as paisagens áridas, o concreto, a pedra.

A influência de Camus vai além da culpa?
Sim, foi um livro que li na adolescência e me marcou muito. Tem tudo a ver com o universo sobre o qual estou falando. Em O estrangeiro, por exemplo, o protagonista faz muita besteira e sempre coloca a culpa nas outras coisas. Em uma cena, ele está com uma arma em punho, o Sol reflete no metal do revólver e ele tem espécie de fotofobia. Dá seis tiros e mata alguém. Mais tarde, no tribunal, diz que a culpa foi do Sol. Na obra de Camus como um todo há muitas reflexões sobre mortalidade, ligação com o mar...

DEPOIMENTO, Eder Chiodetto, curador
"A fotografia contemporânea pede um aporte mais sensorial, reflete uma experiência, narra questões subjetivas que não são do campo do visível. Para isso, ela precisa ferir alguns códigos da fotografia clássica. Tenho acompanhado o lançamento dos livros de Gilvan Barreto, um artista incrível, capaz de transgredir códigos. Ele é centro irradiador da fotografia em Pernambuco, onde há muita gente fazendo bons trabalhos, mas que poderiam ousar mais. Gilvan estabelece diálogo para nos fazer entender a história dele, familiar, a perda do pai, a relação com a cidade, os laços afetivos. As obras levantam muito bem a questão filosófica e existencial do nosso destino. A tecnologia evoluiu tanto e nós continuamos sem saber para onde vamos. Gilvan Barreto contribui de maneira poética. Até porque, como não há resposta para questões metafísicas, a gente faz poesia."

Serviço

Exposição Suturas, de Gilvan Barreto
Quando: nesta quinta-feira, às 19h (abertura). Visitação a partir de sexta-feira, até 16 de outubro, de segunda a sexta-feira, das 9 às 13h e das 14h às 19h. Sábados das 10 às 14h.
Onde: Galeria Amparo 60 (Av. Domingos Ferreira, 92 A, Boa Viagem)
Quanto: Entrada gratuita
Informações: 3033-6060
 


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