Entrevista José Eduardo Agualusa vem ao Recife e fala sobre romance que tem Pernambuco como cenário Escritor Angolano participa da Fenelivro nesta segunda-feira e explica como foi escrever sobre a figura de uma outra época do Brasil

Por: Vanessa Aquino - Correio Braziliense

Publicado em: 31/08/2015 08:00 Atualizado em: 28/08/2015 23:17

Agualusa divide mesa sobre língua portuguesa com Everardo Norões e Luiza Cláudio Arraes. Foto: Jorge Simão/divulgação
Agualusa divide mesa sobre língua portuguesa com Everardo Norões e Luiza Cláudio Arraes. Foto: Jorge Simão/divulgação


O escritor angolano José Eduardo Agualusa mergulhou no tempo. Decantou a linguagem e as histórias que unem Angola e Brasil e escreveu A Rainha Ginga, romance mais recente que narra a trajetória de Ana de Sousa, figura tão incrível que beira o mito. No livro, o autor, minucioso investigador da língua portuguesa, escreve em português africanizado, tal qual cronistas luso-angolanos do século 17 faziam.

Agualusa conta que a experiência de depurar a escrita o ajudou a compor a história, cujo narrador é uma ponte entre uma cultura rural africana e uma outra urbana com traços europeus. Pernambuco é cenário do romance, cuja história corre paralela à história de Angola. “Não haveria Pernambuco, e Brasil, sem Angola, e não haveria Angola sem o Brasil. São países que se geraram um ao outro”, conclui o autor.

Nesta segunda-feira, ele integra a programação da Fenelivro, no Centro de Convenções, em mesa com Everardo Norões e  Luiz Cláudio Arraes. O encontro será às 20h, no Teatro Beberibe. Confira a programação completa no diariode.pe/b8ma.


ENTREVISTA// José Eduardo Agualusa

Rainha Ginga é o livro da sua vida? Foi para ele que você se preparou com tudo o que escreveu até agora?

Este foi sem dúvida um dos livros que mais prazer me deu a escrever. Primeiro por ser um grande desafio. Não é fácil escrever sobre uma realidade tão distante no tempo, e tão distante também de um ponto de vista cultural. Depois por me permitir mergulhar num mundo tão incrivelmente interessante. O Brasil e Angola estão a nascer naquele momento histórico, Portugal está a renascer. É a época dos piratas e da inquisição. Finalmente, eu trazia este livro dentro de mim desde que me conheço. Acho que comecei a escrever para um dia poder contar esta história na perspectiva que me interessava, a perspectiva africana.

O que esse livro, particularmente, exigiu de você?
Exigiu um mergulho nesse tempo. A leitura de documentos da época. Tentei também usar literariamente o português da época, inclusive um português africanizado, algo que alguns cronistas luso-angolanos, como o Antônio de Oliveira Cadornega, autor da famosa História geral das guerras angolanas, já faziam. Isso foi muito interessante.

Por que falar da Rainha Ginga te mobilizou tanto?
Porque é uma personagem extraordinária, ao mesmo tempo arcaica e espantosamente moderna. No plano sexual, por exemplo, o comportamento dela levanta questões que são mais atuais do que nunca e que têm que ver com a diluição das fronteiras de gênero.

Por sua experiência de depurar a escrita até chegar ao Rainha Ginga, onde usa um narrador do século 17, como foi transpor a linguagem para o presente? Pode-se dizer que o narrador é um tradutor, um mediador de dois períodos?
Sim, eu precisava de um narrador que fizesse a ponte entre uma cultura rural africana e uma cultura urbana europeizada. O meu narrador é um padre pernambucano, mestiço, que vai para África e acaba trabalhando para a Rainha Ginga como secretário e língua (tradutor).

O escritor africano é hoje um tradutor da cultura e história dos países africanos para o mundo?
Sim, de certa forma fazemos algo semelhante ao meu personagem, tentamos mostrar a um público exterior como é a realidade africana nos nossos dias. Mas essa realidade, sobretudo em Angola, já é largamente urbana e globalizada.

Qual o desafio do escritor africano, especificamente, do angolano?
Alcançar leitores não apenas fora do país, mas sobretudo dentro.

A sua técnica de narrar história sem ser didático é uma característica difícil de não notar. Como explicar sem ser ser didático?
O escritor deve estar apaixonado pelo tema e pelas personagens que cria. É uma questão de paixão. Um escritor apaixonado deve conseguir contar a sua história pelo lado das pessoas, pelo lado humano, de forma a que os seus leitores se identifiquem com os personagens.

Por que Pernambuco surge como cenário?
Porque tinha mesmo de ser assim. A história de Pernambuco, e da ocupação holandesa, corre paralela à história de Angola. Não haveria Pernambuco, e Brasil, sem Angola, e não haveria Angola sem o Brasil. São países que se geraram um ao outro.

O que se lembra da primeira vez que esteve em Olinda?
Já foi há muito tempo. lembro-me do assombro e do encantamento por encontrar uma cidade tão semelhante a outras da minha infância em Angola, como Benguela. O mesmo clima, os mesmos cheiros, as mesmas pessoas.

Como, na sua opinião, pode-se explicar a ligação mais intensa de Angola com o Brasil do que com Portugal?
Através da presença africana, claro. Ainda hoje pelo menos metade dos brasileiros são de ascendência africana. Até aos finais do século 19 a larga maioria dos brasileiros tinha raízes diretas em África. Culturalmente o Brasil continua a ser um país africano, na sua culinária, na sua religiosidade, na sua música, nos seus folguedos populares.

Para você, como uma nação se mostra além das fronteiras?
Acho que um país se deve afirmar através da sua cultura, e é o que o Brasil tem feito. Os brasileiros são amados e respeitados no mundo inteiro, ao contrário dos norte-americanos, dos franceses, dos portugueses, doa alemães, etc., porque o Brasil se expandiu sempre através da cultura e do desporto – não através da força.

Há excesso de nacionalismo em Angola? Como vê isso?
Todo nacionalismo é excesso. Uma coisa é você amar o seu país; outra é achar-se superior aos outros povos. Um ser humano deve ser antes de mais um ser humano, cidadão do planeta Terra, e deve ter o direito a não respeitar fronteira alguma.

Qual a função da língua portuguesa na Angola que vemos hoje?
A língua portuguesa é em Angola, como no Brasil, uma língua que ultrapassa as fronteiras étnicas, é uma língua transnacional. O ideal seria que o português fosse uma língua de construção de afetos e não um idioma de esmagamento cultural.

Faz sentido, hoje, promover as línguas nacionais para afirmar a identidade do povo angolano?
Claro. Isso faz sentido em Angola e faz sentido no Brasil. O Brasil e Angola e todos os países do mundo plurilingues, e acho que são todos mesmo, deveriam promover as suas línguas étnicas.

Sua literatura é uma ponte entre Angola e o mundo?
Creio que toda a obra literária é uma ponte entre várias culturas.

SERVIÇO
Rainha Ginga
De José Eduardo Agualusa
Editora Foz
240 páginas
R$ 36,90

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