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Crise? Pela primeira vez em 16 anos, ABL decide não premiar nenhum livro de poesia Entrega dos prêmios será nesta quinta-feira, no Rio de Janeiro. Principal vencedor foi o escritor mineiro Rubem Fonseca.

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 16/07/2015 08:00 Atualizado em: 15/07/2015 18:30

Crédito: Montagem sobre foto de João Gomes/divulgação
Crédito: Montagem sobre foto de João Gomes/divulgação

Há pelo menos dois séculos a poesia se tornou um gênero de resistência. Com a ascensão da burguesia, expoentes como o francês Charles Baudelaire (1821-1867) e o norte-americano Walt Whitman (1819-1892) passaram a lidar com a necessidade de praticar uma literatura rentável e agradar às demandas do mercado editorial. Falar em “crise”, portanto, é se referir a uma característica intrínseca do fazer poético, embora muitos escritores, editores e pesquisadores desgostem do termo. Isso não significa a morte da poesia, mas a falta de prestígio dos textos em verso é amplamente reconhecida. Nesta quinta-feira, pela primeira vez desde a criação do prêmio ABL de Poesia, há 16 anos, a Academia Brasileira de Letras vai dispensar a entrega da honraria.

Segundo especulações de bastidores, nenhum livro inscrito na categoria agradou à comissão julgadora, formada pelos acadêmicos Alberto da Costa e Silva, Cleonice Bernadinalli e Ferreira Gullar. Em cerimônia na sede da instituição, no Rio de Janeiro, às 17h, serão entregues sete prêmios, sendo o mais importante deles o de conjunto da obra, ao autor mineiro Rubem Fonseca. A decisão da ABL de deixar a poesia de fora causou indignação em uns e foi minimizada por outros. A despeito de o corte estar mais relacionado à qualidade e menos ao consumo das obras, é possível fazer um paralelo com a queda contínua na venda de livros do gênero. De 2007 a 2011, o universo de leitores de poesia caiu de 29,1 milhões para 19,8 milhões, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro.

Para a coordenadora editorial da Confraria do Vento, cujo catálogo possui vários poetas pernambucanos, Karla Melo, a não premiação teve uma justificativa imoral. “Tenho recebido originais de todo o país e sei quanta coisa extraordinária tem sido escrita. Acredito que não haja interesse. Fiquei com vergonha alheia. Faltou senso crítico para uma justificativa menos ridícula”, disse, ao se referir à informação publicada pelo jornal O Globo, de que nenhum livro publicado em 2014 agradou aos jurados. Oficialmente, a ABL decidiu não se pronunciar sobre o assunto.

Poeta e um dos organizadores do Prêmio Pernambuco de Literatura, Wellington de Melo defende a necessidade de respeitar a decisão tomada pela instituição. “Ela tem todo o direito de julgar que não existe um livro apto, como inclusive já aconteceu com o Prêmio Pernambuco. Não há motivo para haver uma grande repercussão disso. A Academia pode fazer o que quiser com o resto do dinheiro, inclusive continuar tomando chá”, ironiza o escritor, em menção ao R$ 50 mil poupados pela ABL.

Wellington de Melo. Crédito: Acervo Pessoal
Wellington de Melo. Crédito: Acervo Pessoal


>>>>> DEPOIMENTOS
“Temos muitos bons poetas. A poesia está em uma de suas melhores fases, especialmente em Pernambuco. Pode ter tido uma coincidência de escritores que não se inscreveram na premiação. Eu participo de comissões julgadoras e às vezes me surpreendo com o que é enviado, pois não reflete a qualidade do que vem sendo produzido. No caso da ABL, os acadêmicos que julgaram são pessoas de primeira grandeza, que entendem da matéria, então devem ter motivos”. (Anco Márcio, professor de literatura da UFPE)

 “A ABL não tem a menor ideia da produção poética que se tem hoje no Brasil. A maior parte da poesia é publicada por pequenas editoras (que muitas vezes sequer se inscrevem nos prêmios). Achar que a qualidade da poesia brasileira é medida por três ‘ilustres’ da Academia é reduzir o discurso. Eles têm suas preferências poéticas. Não meço a qualidade da poesia contemporânea por isso”. (Wellington de Melo, poeta e editor)

 “É uma coisa absurdamente arbitrária. O fato de um ou outro julgador pensar que não há livro a ser premiado é absurdo. Existe uma produção grande e boa no país. Não existe crise na poesia. O problema é que os acadêmicos se encastelam, enquanto o mercado é elitista, fragmentado. A maioria dos escritores publica poesia em edição do autor, como acontecia há 80 anos, como fazia Drummond, João Cabral. Fico revoltada, porque a poesia sempre foi marginal. Esses acadêmicos precisam sair do castelo!” (Cida Pedrosa, poeta)

“Fala-se que poesia não vende, mas os livros dos poetas Samarone Lima e Renata Pimentel estão com edições esgotadas e a caminho de segunda edição? Fala-se que estamos em um país que ninguém lê, então o que falta é um trabalho para que essas coisas aconteçam”. (Karla Melo, editora)


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