Adeus Morre Almir da Paixão, cabeleireiro, maquiador e hors concours dos bailes de carnaval

Publicado em: 25/07/2015 10:59 Atualizado em: 25/07/2015 21:32

Corpo do carnavalesco foi cremado na tarde deste sábado (25) no cemitério Memorial Guararapes, em Prazeres. Foto: Bernardo Dantas/DP/D.A Press
Corpo do carnavalesco foi cremado na tarde deste sábado (25) no cemitério Memorial Guararapes, em Prazeres. Foto: Bernardo Dantas/DP/D.A Press

O corpo do carnavalesco Almir José da Paixão, 62 anos, foi cremado na tarde deste sábado (25) no cemitério Memorial Guararapes, em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes. Ele morreu na sexta-feira em consequência de problemas cardíacos. Almir estava internado no Hospital Português para colocar um marca-passo, mas não resistiu. Ícone das passarelas por mais de 30 anos, ele estava afastado dos desfiles carnavalescos. Há pouco mais de três anos amputou a perna esquerda por conta de uma diabetes, mas não perdeu o bom humor, segundo relato de amigos.

Almir da Paixão começou a desfilar aos 14 anos. Iniciou a carreira na segunda edição do Baile Municipal em 1962. “Morte e Vida de um Caramujo” foi sua primeira fantasia de um currículo de prêmios na categoria originalidade. Um trabalho que, 30 anos depois, lhe rendeu o título de hors-concours. Para confeccionar as peças, usava palha, estopa, agave e garfos de madeira.

A vida pública dele, no entanto, foi além das passarelas dos bailes de carnaval. Almir também trabalhou como cabeleireiro e maquiador. Atendia as figuras mais elegantes da sociedade pernambucana. Em 2009, em entrevista ao Diario, ele destacou que passava o ano “respirando carnaval”, quando foi questionado se a festa ainda era coisa mais importante da sua vida.

Na oportunidade, ressaltou que chegava a fazer até 15 apresentações pelo país a fora. Também lembrou da surra que levou do pai quando a família soube da participação dele em um desfile de carnaval. “O fato era tão vergonhoso que a família não queria que eu usasse o sobrenome. Mas não passei fome nem nada. Aos 15 anos fui trabalhar em salão de beleza”, contou o carnavalesco na entrevista ao repórter Phelipe Rodrigues.

De acordo com um amigo, o jornalista Fernando Machado, Almir da Paixão era a grande vedete dos bailes Municipal e do Balmasqué, no Recife. “A última vez que estivemos juntos foi para ver o documentário dos 50 anos do Baile Municipal, no Museu da Cidade do Recife”, destacou. Um dos últimos passeios do artista, contou o jornalista em seu blog, foi domingo passado quando Almir pediu a uma amiga para levá-lo no Alto da Sé, em Olinda. Almir da Paixão deixa uma filha, Karla, e netos.

Memória

Em 2009, o Diario de Pernambuco publicou uma matéria especial com o artista, assinada pelo jornalista Phelipe Rodrigues em que Almir fala sobre sua vida. Confira o texto na íntegra:

 

A história a seguir é comum. A mesma de outros garotos afeminados que decidem assumir, cedo, seu destino sexual. O pai, furioso e indignado, tenta consertar o menino com uma surra. Afoito, o moço em questão não só sobreviveu às pancadas como criou uma marca fantasia: Almir da Paixão. Hors concours dos bailes de carnaval, maquiador de tradicionais peruas, borboleta social e, sobretudo, filho de Maria Dolores da Paixão. Em casa, a mãe agia como agente duplo, permitindo que Almirzinho, às escondidas, cortasse o cabelo dos vizinhos e brincasse de costureiro.

Dolores também era sua grande musa. Responsável por apresentar ao filho o high society pernambucano que freqüentava a casa, na Torre, em buscas das criações dela, que fazia alta-costura. Rendas de bruxelas e Lucien Lelong foram verbetes do rebuscado dicionário dos dois. A moda fazia parte do imaginário de Almir quando ele seguiu a vida que mais adorava. Ser estrela. Mais brilhante que as do cinema, mais ruidosa que as rock stars. Uma estrela do carnaval. Aos14 anos estreou nos desfiles do Bal Masqué, seminu. Nada parecia mais delicioso que transgredir. Mas para chamar a atenção é preciso pagar um preço. Uma taxa que Almir da Paixão adora desembolsar. Até hoje.

Você é filho de uma família tradiconal. Deve ter sido complicado quando descobriram que você desfilou num baile de carnaval.
Tinha 14 anos e levei um surra tão violenta que passei uns dias sem conseguir me mover direito. Meu pai anunciou que eu não fazia mais parte daquela família. O fato era tão vergonhoso que a família não queria que eu usasse o sobrenome. Mas não passei fome nem nada. Aos 15 anos fui trabalhar em salão de beleza.

Nessa idade, você já tinha feito curso de cabeleireiro e maquiador?
Não. Era algo intuitivo. Cortava o cabelo das crianças que moravam perto. Depois, fiz muitos cursos. Mas acha brega demais colocar diploma na parede. Como fazem alguns cabeleireiros.

Você é sempre muito divertido. Faz parecer que todo esse processo complicado, da família e do trabalho, foi bem fácil.
Tenho tendência para a felicidade. Mas tive medo de depender da minha família de novo. Cursei administração de empresas. Morei em Paris por dois anos, desenvolvendo minha técnicas em salões da França. E tenho uma filha que está com 30 anos e virou minha grande alegria.

Poderia explicar melhor a história da paternidade. Afinal, há 30 anos um homossexual assumido criar um filho não era comum.
A gravidez aconteceu por acaso. A mãe dela me conheceu numa festa. Fiquei bêbado e transamos. Assumi a criança, que sempre morou comigo. Hoje, está casada e já me deu netos. Moro com ela, seu marido e as crianças.

Eles não pegam muito no teu pé? Não querem controlar a tua vida?

São sempre carinhosos. Quando digo que vou voltar para meu apartamento, o protesto é geral. Mas não gostam, Karla (a filha) e o marido, quando decido usar roupas mais extravagantes. Meu genro brinca, dizendo que já passei da idade de fazer essas coisas.

E o carnaval, ainda é o parte mais importante da tua vida?
Passo o ano respirando carnaval. Sou campeão em originalidade.E já ganhei muito dinheiro com bailes no Brasil. Chegava a fazer até 15 apresentações. Mas o caos aéreo no país inviabilizou a vida dos desfilantes. Tenho ódio dos atrasos em aeroportos. Acho que é a única coisa que odeio.





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