Cinema
Lírio Ferreira desabafa: "Sangue azul foi o filme com mais apelo comercial que eu já fiz e o que deu menos público"
Em entrevista cedida ao Viver, cineasta pernambucano comenta o mau desempenho de bilheteria de seu longa-metragem mais recente. Nesta semana, o diretor é homenageado com uma retrospectiva no Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo
Por: Júlio Cavani - Diario de Pernambuco
Publicado em: 29/07/2015 20:30 Atualizado em: 29/07/2015 13:58
Lírio em uma sessão lotada de Sangue Azul no Cinema São Luiz. Foto: Victor Jucá/ Festival Janela/ Divulgação |
Com uma trajetória de sucesso e sessões lotadas nos festivais de Berlim, Rio e Paulínia, entre outros, Sangue azul tinha chances de alcançar uma boa bilheteria. A estreia no circuito de cinemas, entretanto, frustrou essa expectativa. O filme passou menos de um mês em cartaz (só uma semana em algumas capitais) e atraiu apenas 10 mil espectadores. Críticas positivas demonstravam que o conteúdo não era o problema. O famoso ator global Daniel de Oliveira participou do elenco como protagonista e todas as filmagens foram feitas em Fernando de Noronha, mas nada disso parece ter sido suficiente para atrair plateias mais numerosas.
Homenageado pelo 10º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, que começa nesta quarta, o cineasta Lírio Ferreira, diretor de Sangue azul, confessa que o reduzido público do filme o levou a repensar a situação atual do mercado cinematográfico brasileiro. Em entrevista cedida ao Viver, ele fez desabafos sobre a desigualdade existente entre o sistemas de produção e de exibição no Brasil.
Nos próximos dias, o Fest Latino SP regatará os filmes que tornaram Lírio um dos principais cineastas do Brasil, a começar pelo revolucionário Baile perfumado (dirigido junto com Paulo Caldas). Além de projetar longas como Árido movie, Cartola e O homem que engarrafava nuvens, a retrospectiva revelará os curtas do início da carreira do diretor, como O crime da imagem e That's a lero-lero.
Leia trechos do depoimento cedido por Lírio Ferreira para o Viver:
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"Será que vale a pena passar em tantos festivais?"
"Existe uma quantidade muito grande de festivais no Brasil hoje. É legal criar uma política cinematográfica que passe por todos os estados, mas será que, antes de um filme estrear comercialmente, vale a pena passar em tantos festivais? O Sangue azul ganhou e foi superpremiado no Festival do Rio, participou do Festival de Paulínia, abriu a mostra Panorama do Festival de Berlim, que era nossa maior meta internacional, tem ido para vários festivais, teve uma média positiva nas críticas publicadas no Brasil. Eu tive um feedback, um boca-a-boca muito legal. Tudo o que poderia ter sido construído deu certo, mas e aí?"
"O Sangue azul foi o filme com mais apelo comercial que eu já fiz e foi o que deu menos público"
"Quando a gente planejou a data de lançamento do Sangue azul, parecia ser uma data interessante no primeiro semestre, antes da férias, numa época de poucos festivais fortes, aparentemente um espaço muito interessante. Quando chegou na véspera de lançar, percebemos que uma semana depois tinha o festival Varilux de Cinema Francês, que entraria em várias salas onde o filme estaria. Aí perdeu fôlego logo na segunda semana. Existia também vários filmes brasileiros na mesma época e na mesma situação, como Permanência, de Leonardo Lacca, Romance policial, de Jorge Durán, e Quase samba, de Ricardo Targino, que tentavam ocupar esse vácuo mínimo permitido pelo cinema americano. Isso cria uma anomalia entre a produção e a exibição. Os filmes são arremessados e o mercado os descorteja. Alguns sequer são lançados. O Sangue azul foi o filme com mais apelo comercial que eu já fiz e foi o que deu menos público, com 10 mil espectadores. No Recife, o filme conseguiu entrar no Cinemark, no Shopping Recife e no Moviemax Rosa e Silva, mas eu precisei telefonar pessoalmente para garantir que ele continuasse pelo menos com uma sessão por dia e não saísse de cartaz rápido demais."
"Será que o mercado virou uma coisa medíocre e sectária?"
"Querendo ou não, estamos em um momento difícil em relação à exbição. A cadeia de produção correu muito mais rápido do que a cadeia de exibição. Apesar de o número de cinemas estar em crescimento no Brasil, esse crescimento não está acompanhando o ritmo de produção dos filmes brasileiros. É tolice achar que essa quantidade de salas que está abrindo vai se abrir para esse tipo de cinema. Um terço das salas chega a ser ocupada por um filme só. Será que o mercado virou uma coisa medíocre e sectária, que só assimila determinados filmes? Eu acredito que o público também tem a sua parcela de culpa nesse processo. Se não for feita uma coisa via congresso, uma lei federal, outros tipos de acordos não vão resolver. A Ancine tentou um acordo esse ano e os exibidores entraram na justiça para derrubar."
"A gente não tem nenhum sucesso comercial retumbante do cinema pernambucano"
"Existe uma lei estadual, uma conquista dos cineastas, conversada e aprovada, que garante uma verba todos os anos, que está abrangendo todas as áreas do audiovisual, como TV, cineclubes, festivais e produção de filmes. Os filmes estão sendo feitos e estão mexendo com a economia do estado. Quando acabam de ser feitos, os filmes viajam nacional e internacionalmente muito bem. São lançados, recebem críticas interessantes e conquistam um boca-a-boca interessante do público. Só que a gente não tem nenhum sucesso comercial retumbante do cinema pernambucano, embora tenhamos um grande potencial para isso. O que temos são sucessos relativos. O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, foi superbem com 100 mil espectadores, mas pela repercussão, pela mídia que alcançou, pela carreira que teve, por ser um filme sensacional, deveria ter alcançado muito mais. Foi o filme brasileiro do ano, o filme mais badalado do ano, por seus méritos. Era pra ter feito muito mais. O filme mais badalado do ano da Argentina foi Relatos selvagens, que teve 3,5 milhões só na Argentina. Minha preocupação com o cinema pernambucano é esse funil final."
"O número de salas aumentou e os novos filmes pernambucanos têm um potencial cada vez maior, mas a média de público foi lá pra baixo."
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Daniel de Oliveira em cena de Sangue Azul. Foto: Imovision/ Divulgação |
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