Diario de Pernambuco
Busca

Arte salva-vidas

Guia de sobrevivência: 10 lições da literatura e do cinema para resistir a um naufrágio

Relatos de acidentes marítimos inspiram livros, filmes e ajudam a contar a história da relação do homem com a natureza e os mecanismos inventados para enfrentar situações-limite

Publicado em: 26/07/2015 13:38 | Atualizado em: 26/07/2015 14:35

Arte: Jarbas/DP

O maior sufoco da vida do olindense Jorge de Albuquerque Coelho (1539-1596), filho do primeiro donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira (1485-1554), ocorreu há quatro séculos e meio, em 1565, quanto tinha 26 anos de idade. Após deixar o litoral brasileiro à bordo da nau Santo Antônio, ele e toda a tripulação foram atacados por piratas franceses. Para piorar, ventos fortes castigaram a embarcação e a deixaram “qual um pedaço de pau velho”, como narrou o companheiro de viagem Bento Teixeira Pinto, em Proposopopeia (1601). Depois de 22 dias à deriva, por milagre, o terceiro donatário de Pernambuco chegou a salvo em Portugal, junto a outros 30 sobreviventes. Durante todo o período de incertezas, ele repetia aos companheiros de jornada: “Confiemos na misericórdia daquele Senhor cuja bondade é infinita, que se compadecerá de nós e nos livrará deste trabalho. Nunca ninguém pediu misericórdia com pureza de coração que lhe fosse negada.” 

Bem, não se pode afirmar se houve ou não intervenção divina no caso do pernambucano. Mas somente rezar não livrou incontáveis vítimas dos mais de 100 mil casos de desastres marítimos catalogados pela Northern Maritime Research, ocorridos nos últimos 400 anos (só na costa de Pernambuco, há registro de pelo menos 108 embarcações naufragadas, diz o Sistema de Informações de Naufrágios). Infortúnios noticiados pelos jornais ou lembrados pelos livros de história, como o de Jorge de Albuquerque Coelho, somam-se aos de personagens ficcionais como Robinson Crusoé, Rose e Jack Dawson, casal protagonista de Titanic. Reais ou imaginários, os casos alimentam o fascínio do público por situações-limite e, de quebra, pulverizam lições valiosas sobre como se comportar durante tragédias marítimas. Porque a fé pode ter livrado o herdeiro de Duarte Coelho de um desfecho fatal, mas, para nós, pobres mortais, nunca é bom depender de milagres para sobreviver.

Conheça a força da natureza

Em 2012, o jornalista João Lara Mesquita subestimou o poder da natureza durante viagem à Antártida. Logo enfrentou dois grandes problemas. A embarcação começou a dar problemas justamente quando um raro fenômeno climático (jato frio inercial) se instalava na região. Ventos fortes e frio intenso levaram ao naufrágio do barco, encalhado nas geleiras. Do lado de fora, a sensação térmica chegava a 40 graus Celsius negativos. Depois de alguns dias presa no gelo, a tripulação foi resgatada, conforme ele conta no livro A saga do mar sem fim (Escrituras, R$ 31). Nove meses depois, o grupo retornou até o local para retirar do fundo do mar o barco, àquela altura esmagado por placas de gelo.

Salve-se quem puder

Sabe a história do “mulheres e crianças primeiro”? Pode esquecê-la, ao menos de acordo com uma pesquisa feita por economistas da Uppsala University. Depois de analisar 18 naufrágios famosos ocorridos entre 1852 e 2011, os estudiosos concluíram que 17,8% das mulheres e 34,5% dos homens sobreviveram. Na ficção, é claro, o cavalheirismo resiste até o fim. Na versão mais famosa de Titanic (1997), dirigida por James Cameron e estrelada por Leonardo Di Caprio e Kate Winslet, a ala masculina dá preferência às damas e crianças. Em determinado momento, alguns homens são ameaçados de morte ao tentar ocupar cedo demais os lugares nos botes. 

A hora do jejum voluntário 

Pode parecer cruel, mas a ciência ensina que, ao se encontrar em situação de náufrago em alto-mar, não é recomendável comer ou beber nas primeiras 24 horas. Isso porque o organismo não estará acostumado ao ambiente. Quando a pessoa se sentir enjoada e vomitar, ficará desidratada. Depois desse período, caso não haja mantimentos resgatados da embarcação, não será fácil conseguir água e alimentos. Como explica o pesquisador Alain Bombard no livro Náufrago voluntário - Estratégias de sobrevivência (Civilização, edição esgotada), a água do mar é imprópria para o consumo, pois causa inúmeros problemas no organismo até levar à morte (beber urina também não é boa ideia). Uma opção é espremer líquido dos peixes, que tem baixa concentração de sal. Em caso de escorbuto (carência de vitamina C), a cura pode vir por meio da ingestão de plâncton.

Converse, cante, relaxe

Manter a calma e não entrar em pânico é um dos maiores desafios para quem está à deriva. Se você estiver com mais alguém, procure se distrair, criando jogos de palavras ou conversando. No conto O naufrágio de Golden Mary (FTD, R$ 37,70), escrito por Charles Dickens, um grupo de 45 pessoas sobrevive à tragédia. Eles afugentam o medo, a dor e a fome cantando canções e relembrando velhas histórias. No filme Náufrago (2000), dirigido por Robert Zemeckis e estrelado por Tom Hanks, boa parte dos diálogos travados durante o isolamento do protagonista na ilha é entre o funcionário da Fedex e uma bola de vôlei, apelidada de Wilson (por causa da marca do artigo esportivo).

Do calor ao frio, basta um instante

As variações de temperatura são um enorme problema para náufragos, tanto no enfrentamento do calor intenso quanto do frio. Hipotermia, insolação e queimaduras são recorrentes. No livro Invencível (Objetiva, R$ 49,90), adaptado para o cinema por Angelina Jolie em 2014, a escritora Laura Hillenbrand narra o suplício enfrentado por Louis “Louie” Zamperini, um militar da aeronáutica norte-americana. Após queda de avião, ele e dois colegas passaram sete semanas em alto-mar, à bordo de uma pequena balsa salva-vidas. Em um trecho, ela descreve a sensação que os homens tinham de estar pegando fogo. “O sol equatorial se derramava sobre eles, escaldando-lhes a pele. Os lábios superiores queimavam e rachavam, inflando tanto que obstruíam as narinas, enquanto os lábios inferiores caíam sobre os queixos. Seus corpos estavam cortados pelas feridas abertas que se formavam sob o assalto corrosivo do sol, do sal, do vento, e dos resíduos de combustível”.

Uísque, santo remédio

Escrito 14 anos antes de o Titanic afundar, o livro Futilidade ou o naufrágio de Titan (Vermelho Marinho, R$ 20), de 1898, escrito por Morgan Robertson, descreve um acidente muito semelhante ao do transatlântico tão conhecido. Após o navio afundar, o protagonista John Rowland, marinheiro e ex-tenente da Marinha Real, bebe uísque para se manter aquecido. Mais adiante, escala 30 metros de um iceberg e é atacado por um urso polar. Após a luta, a bebida alcóolica serve também para aplacar a dor causada pelos ferimentos. Apesar de ser lembrada sobretudo por ter antecipado a tragédia do Titanic, a obra de Morgan Robertson é, na verdade, uma forte crítica à sociedade da época, à supervalorização do dinheiro e da política.

Por que ter medo de tubarão?

Nos dez dias em que ficou à deriva em uma balsa, após naufrágio, em 1955, o colombiano Luís Alexandre Velasco encontrou forças onde não imaginava para enfrentar a natureza. Chegou a brigar com um tubarão por um pedaço de peixe, tentando puxar da boca do animal. O episódio foi descrito por Gabriel García Márquez em uma série de reportagens publicadas no jornal El Espectador, de Bogotá, e posteriormente transformadas no livro-reportagem Relato de um náufrago (Record, R$ 35). O trabalho jornalístico teve grande impacto porque desmentiu a versão oficial a respeito do naufrágio e desmascarou um esquema de corrupção do governo colombiano, àquela época sob ditadura militar.



Invente uma rotina, Wilson

Em 1981, o marinheiro e arquiteto naval norte-americano Steve Callahan iniciou uma travessia das Ilhas Canário até as Bahamas em um barco com pouco menos de 7 metros, construído por ele mesmo. Após um enorme buraco ter inutilizado a embarcação (supostamente causado por uma baleia), ele passou a flutuar em um bote salva-vidas. No livro À deriva: setenta e seis dias perdido no mar (Edições Marítimas, esgotado), o aventureiro conta o quanto foi importante se manter motivado para sobreviver. Para isso, Steve imaginava a voz de um “capitão” que o ordenava a pescar, cuidar do bote, proteger-se do Sol. Anos mais tarde, ele foi convidado pelo diretor Ang Lee para ser consultor no filme As aventuras de Pi (2012), adaptação do livro de Yann Martel, cujo enredo conta a história de um garoto sobrevivente de um naufrágio em um pequeno barco, ao lado de um tigre.

Aventure-se e conquiste territórios 

Ao pisar em terra firme não-habitada, é importante priorizar a busca por água, alimento, abrigo e fogo. Uma boa alternativa são os frutos de coqueiros. No livro Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe, o personagem-título é o único sobrevivente de naufrágio que o fez permanecer 27 anos em uma ilha deserta. Ao chegar ao local, o protagonista busca por mantimentos no navio naufragado, constrói duas casas de madeira e planta cereais a partir de grãos encontrados no navio. O clássico da literatura já ganhou mais de 20 adaptações para o cinema. Em 2009, o canal pago norte-americano NBC adaptou o enredo para a criação da série Crusoé, com 13 capítulos de 60 minutos cada.

Na hora do SOS, faça barulho  

Ao enxergar um navio ou avião, é importante chamar a atenção como puder. Sinalizadores de fumaça são ferramentas ideais, normalmente disponibilizadas em embarcações e aeronaves, para casos de emergência. Se não dispuser deles, as chamas de uma grande fogueira podem funcionar. No livro A lagoa azul (1908, Editora Arcádia, esgotado), de Henry de Vere Stacpoole - em 1980 adaptado para o cinema, na versão bastante reprisada pela Globo - os primos Richard e Emmeline sobrevivem a um naufrágio e crescem em meio à natureza selvagem. Quando finalmente um navio se aproxima do pedaço de terra onde vivem, Emmeline não acende a grande pilha de madeiras construída pela dupla, pois desejava ficar na ilha.
Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL