Artes plásticas Recife tem mais artista plástico do que colecionador de arte, diz galerista Fernando Neves, da Arte Plural Galeria, comenta as peculiaridades de um setor frequentemente pouco compreendido

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 01/06/2015 07:00 Atualizado em: 29/05/2015 17:40

Galerista Fernando Neves. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A.Press
Galerista Fernando Neves. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A.Press

Contemplar uma bela pintura por apenas dez segundos é capaz de provocar sensação semelhante à de estar apaixonado. Isso porque, segundo pesquisa de especialistas em neuroestética da University College, em Londres, o ato de apreciar obras de arte aumenta o fluxo sanguíneo na zona cerebral conhecida como centro da recompensa e do prazer, o córtex medial orbitofrontal. Recentemente, essa relação foi explorada no mercado editorial pelo filósofo Alain de Botton, com o livro Arte como terapia, cuja proposta é buscar no universo artístico compensações para “fragilidades psicológicas”, além de guiar, incentivar e consolar o leitor (saiba mais aqui).

Na opinião do galerista Fernando Neves, da Arte Plural, embora o recifense dê muito valor aos artistas locais, a cidade tem número reduzido de verdadeiros amantes da arte. Otimista em relação ao crescimento do mercado em Pernambuco, ele acredita na formação de público como essencial para uma sociedade mais culta, crítica e exigente. Considerado pioneiro em conceder espaço nobre à fotografia enquanto expressão artística, Fernando conversou com a reportagem sobre as peculiaridades de um setor frequentemente pouco compreendido.

Como o mercado de artes em Pernambuco mudou ao longo dos últimos dez anos?
O Brasil passou por grandes transformações nessa última década, seja sob o aspecto social, econômico... Como em todas as outras áreas, a arte também foi "contaminada" pelas mudanças na economia e no país de forma geral. Artistas e público amadureceram junto com a democracia e a tecnologia, por exemplo, e isso tem ajudado a moldar o mercado que temos hoje.

Alguns galeristas consideram "limitado" o mercado de artes no Recife. O senhor concorda? Qual a perspectiva para um futuro próximo?
Costumo dizer que o Recife tem mais artistas que colecionadores de arte. Isso não é ruim. O recifense, o pernambucano, sempre adotou as artes como um dos seus melhores produtos, aquilo que lhe diferencia dos demais. Temos uma tradição de grandes artistas nas diversas áreas, não só nas artes plásticas. Nosso povo dá muito valor aos artistas da terra. O tamanho do mercado local tende a crescer na medida em que a economia do estado cresça e haja um melhor desenvolvimento, principalmente na educação. Serão os estudantes de hoje os compradores e colecionadores de amanhã. Por essa razão, buscamos a formação de público como uma das nossas principais ações. Penso que isso é de responsabilidade não só do estado, mas de toda a sociedade. Educar é o primeiro passo para uma sociedade mais culta, mais crítica e mais exigente, em todos os sentidos.

Obras de arte ainda são vistas como investimento financeiro? Quais as peculiaridades, riscos, e as precauções a serem tomadas?
Muitos usam desse expediente, principalmente em tempos de crise. Como a obra de arte tem vários fatores, inclusive subjetivos, que compõem o seu valor, não deixa de ser um investimento em potencial. E como qualquer investimento, pressupõe-se que pelo menos duas dessas três variáveis – liquidez, rentabilidade e risco – possam acontecer. Daí a importância de saber da arte, conhecer o artista, sua trajetória, de quem compra e para quem vende.

Galerista Fernando Neves. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A.Press
Galerista Fernando Neves. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A.Press
O senhor já afirmou, anteriormente, que "ao tratar da arte com relação de valor, ela passa a ser um objeto qualquer". Falar do preço de obras de arte é um tabu?

Vejo não como um tabu, mas com o devido cuidado. Quando se fala de preço de um produto, de imediato se avalia quanto foi o custo para produzi-lo e, portanto, se o valor de venda é justo. No caso da obra de arte, o custo de produção envolve fatores não mensuráveis. O artista tem a técnica apreendida, desenvolvida por ele com o tempo, criação e muito trabalho. Não só inspiração, como transpiração. São valores muito subjetivos.

O que o levou a migrar do setor de gestão para este mercado? Há semelhanças?
Mesmo atuando como economista durante 30 anos na iniciativa privada, sempre cultivei as artes como uma paixão. Quando senti a necessidade de mudar o ritmo de vida, inclusive por questões de saúde, apareceu a oportunidade de ter esse espaço. Abri o negócio apenas por prazer, mas com o tempo ele passou a demandar muita dedicação, planejamento, ações, além de uma equipe de profissionais preparados e motivados, tanto quanto em qualquer empresa. Claro que o prazer prepondera quando vejo “a criação” ocupando as paredes da galeria. Cada nova exposição é uma nova experiência, são novas emoções e, consequentemente, mais responsabilidade e trabalho.

O senhor é apontado como um dos primeiros a abrir espaço para a fotografia em galerias de arte. A aposta foi baseada em que?
Pessoalmente, nunca fiz distinção entre foto e arte. Isso não existe. O que prevalece é o espírito criativo e a técnica.

Hoje em dia, como é o "convívio" entre fotografia e demais expressões das artes plásticas? Qual a percepção do consumidor de arte em relação a esse produto?
No meio das artes, a fotografia está mais do que consolidada como expressão e produto. O mercado é uma realidade no exterior já há muito tempo. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, feiras e festivais solidificaram essa tendência. Por aqui temos um bom potencial de crescimento, já com uma resposta interessante. Quanto ao público, nos parece que os avanços da tecnologia na impressão digital, papéis de alta longevidade e qualidade museológica, tem ajudado a valorizar ainda mais a arte visual.

Fotografias como as de Gilvan Barreto ganham cada vez mais espaço entre artes visuais. Crédito: Gilvan Barreto/divulgação
Fotografias como as de Gilvan Barreto ganham cada vez mais espaço entre artes visuais. Crédito: Gilvan Barreto/divulgação


Considerando que fotografias são facilmente replicadas - diferente do que acontece com pinturas, por exemplo -, qual o impacto desse fator, do ponto de vista mercadológico, nessa expressão artística?
Hoje dispomos de mecanismos sofisticados e eficientes para impedir a reprodução das imagens. As novas tecnologias, incluindo controles através de papéis especiais, limitam a tiragem. Assim, trabalhamos sempre com séries de fotos numeradas e assinadas pelo autor, além de certificado da galeria. É uma prática que tem sido adotada com sucesso em todo o mundo para impedir a pirataria.

Quais são os grandes nomes entre os fotógrafos brasileiros dedicados à arte? E entre os pernambucanos?

No Brasil são muitos. Mas cito os seguintes: Miguel Rio Branco, Sebastião Salgado, Rosangela Rennó, Tiago Santana, Cristiano Mascaro, Pedro Martinelli, João Urban, Edu Simões, Eustáquio Neves, Claudia Andujar, Walter Firmo, Luiz Braga, Alexandre Sequeira, Mateus Sá, Evandro Teixeira. E há muitos outros. Entre os pernambucanos: Yeda Bezerra De Melo, Beto Figueirôa, Gilvan Barreto, Rodrigo Braga, Ricardo Labastier, Roberta Guimarães, Fred Jordão, Jonathas de Andrade, Claudia Jacobovitz, Ana Lira. Sem esquecer do querido Alexandre Severo, que, mesmo tão jovem, nos deixou uma obra belíssima.




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