É preciso persistir. Escrever a primeira versão de uma história até o fim. Depois, deixá-la descansar durante semanas, sem revisões (“como uma massa de pão entre uma sova e outra”), para, somente então, corrigir o texto original. É a receita do escritor norte-americano Stephen King - autor de clássicos do horror fantástico, como Carrie, a estranha (1974) e O Iluminado (1977) - para quem deseja se tornar escritor. Em Sobre a escrita, lançado neste ano no Brasil (15 anos após a publicação do original On writing, nos Estados Unidos), King recomenda pelo menos seis horas diárias de leitura e escrita metódicas. E reforça o que escritores locais, como Raimundo Carrero, Marcelino Freire e o cearense Sidney Rocha pregam em oficinas de escrita: não é possível se tornar bom escritor sem, antes, ser um leitor voraz.

Carrero mantém oficinas desde o fim da década de 1980. Foto: Sergio Figueiredo/Divulgacao

A leitura “compulsiva”, porém, deve ser filtrada. “Primeiro, os autores clássicos, como o francês Gustave Flaubert e os brasileiros Machado de Assis e Graciliano Ramos”, recomenda o pernambucano Raimundo Carrero, que ministra oficinas desde o fim da década de 1980. Explorar e discutir as técnicas aplicadas em títulos de referência, como Madame Bovary, de Flaubert, serve como manual básico para os alunos, que exercitam a análise crítica do texto. Ex-aluna, Débora Ferraz - premiada na categoria Romance do Prêmio Sesc de Literatura, em 2014 - considera a técnica fundamental. “É um diálogo muito bom para quem, como eu, não tinha com quem falar de literatura ou que apontasse coisas como ritmo e força no meu texto”, explica a pernambucana, já com contrato assinado para o próximo romance.

A maioria dos alunos permanece cerca de dois anos no curso, mas alguns chegam a passar até seis anos frequentando os encontros semanais, já que as oficinas não têm conclusão pré-determinada. “Os futuros escritores são liberados individualmente, conforme o ritmo e o amadurecimento de cada um”, explica Carrero. “Os bons leitores precisam de menos tempo para amadurecer.”

Marcelino Freire, nascido no Sertão de Pernambuco e radicado em São Paulo há mais de 20 anos, concorda. Foi um dos primeiros escritores formados por Carrero, ainda na turma pioneira de 1988, e seguiu o caminho do mestre: comanda oficinas de escrita criativa na capital paulista desde 2006, além de circuitos do gênero pelo país. Ele incentiva a leitura como principal ferramenta para a boa escrita - “o outro ingrediente é a paixão.” E o cearense radicado em Pernambuco Sidney Rocha - que oferece a primeira oficina de escrita no Recife neste mês - concorda: “Nunca foi tão fácil ser escritor. Conheci alguns que se vangloriavam de lançar as próprias obras sem jamais terem lido um livro de poemas sequer. Esquecem que a leitura é fundamental”.

Sidney Rocha estreia oficina de escrita no fim deste mês. Foto: Augusto Pessoa/Divulgacao

>> COMO FUNCIONAM
As oficinas de escrita criativa oferecem aos futuros escritores uma lista de livros clássicos, cuja leitura ajuda a compreender as técnicas literárias. Gustave Flaubert, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Machado de Assis são os mais comuns. Os títulos são lidos em casa e relidos em grupo, durante os encontros. Os alunos escrevem e apresentam ensaios, contos, poemas e capítulos de romances, cujo resultado é avaliado nas oficinas. Os encontros ocorrem, no mínimo, uma vez por semana. Enquanto Raimundo Carrero e Marcelino Freire formam os escritores individualmente, Sidney Rocha pretende formar uma turma completa em conjunto, no fim deste ano.

>> INGREDIENTES
As dicas dos escritores para quem quer escrever

Passo 1
Ler é fundamental. Horas diárias devem ser reservadas à leitura de títulos clássicos, seguidos de obras mais atuais. Nomes como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Gustave Flaubert, James Joyce, Fiódor Dostoiévski, Leon Tolstoi e Franz Kafka devem ser estudados.

Passo 2
Observar o mundo ao redor. Estar atento às pessoas e situações que cercam o futuro escritor ajuda a criar personagens e desenvolver enredos.

Passo 3
Exercitar a escrita ajuda a aprimorá-la. Todo escritor deve praticar a produção textual diariamente.

Passo 4
Compartilhar o texto com pessoas de confiança. As impressões e críticas ajudam a balizar o resultado final dos textos. Os rascunhos podem ser compartilhados com os próprios colegas de oficina.

Passo 5
Aprimorar o texto final, seguindo conselhos dos leitores e possíveis editores, para, somente então, buscar meios de publicá-lo.

>> Três perguntas para Sidney Rocha

Quem procura as oficinas?
O método não é para escritores profissionais. Claro, eles podem até participar, mas dou sempre preferência a quem está começando, quem está mais afim de aprender do que transformar as aulas em pole dance ou laboratório pessoal.

Como saem da experiência?
Saem, pelo menos, melhores leitores do que entraram. Desenvolvem discernimento crítico e isso pode ajudá-las tanto na leitura de um texto como na forma como se relacionam com as pessoas. Elas tendem a melhorar a concentração, desenvolvem a autocrítica e entendem melhor as emoções. E isso não é pouco.

Como se define escrita criativa?
Escrita criativa é um modelo singularíssimo de conviver com certo monstro particular da verdadeira literatura que mora em você e sair vivo todos os dias dessa experiência.


>> PARA LER
Sobre a escrita, de Stephen King
256 páginas
R$ 39,90

Os segredos da ficção - um guia da arte de escrever, de Raimundo Carrero
332 páginas
R$ 48,90

SERVIÇO
Oficina de escrita criativa com Raimundo Carrero
Encontros às quartas e quintas na União Brasileira dos Escritores - UBE (Rua de Santana, 202 - Casa Forte) ou na Livraria Cultura Nordestina (Rua Sérgio Magalhães, 54 - Graças)
Informações: 3441-7488
Informações: raimundocarrero@gmail.com

Oficina de escrita criativa com Sidney Rocha
Encontros às terças e quintas, das 17h às 19h e das 19h às 21h, na Escolinha de Arte do Recife (Rua do Cupim, n. 124 - Graças), a partir do dia 26 de maio
Informações: escritacriativasidneyrocha@gmail.com