Literatura Escritores pernambucanos seduzem o mercado com livros eróticos Entre os autores contemporâneos, Mila Wander, que lança O safado do 105 em junho

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 31/05/2015 11:00 Atualizado em: 01/06/2015 09:57

Tudo o que ficava guardado entre quatro paredes está ali, das primeiras carícias ao êxtase, descrito em detalhes. As cenas eróticas - algumas mais explícitas, outras mais discretas - ganham ritmo no mercado literário. Fenômenos como Cinquenta tons de cinza, da britânica E. L. James - cuja trilogia já vendeu 5,5 milhões de exemplares, segundo dados da Intrínseca, editora da obra - ajudam a conduzir o gênero ao clímax. Em Pernambuco, autores como Julianna Costa, Rafaella Vieira e Mila Wander ganham popularidade à medida em que desnudam os textos de qualquer pudor. Mila, celebridade na plataforma online Wattpad, lança no dia 13 de junho o primeiro livro erótico impresso, O Safado do 105, no Recife. No enredo, mais sexo e menos romance: a receita para seduzir o leitor.

Cena do filme Cinquenta tons de cinza, adaptado do livro homônimo. Foto: Divulgação
Cena do filme Cinquenta tons de cinza, adaptado do livro homônimo. Foto: Divulgação


Entre os lençóis antes de dormir, no transporte coletivo a caminho do trabalho, na beira da piscina numa manhã ensolarada, todos os cenários são convidativos para quem acompanha - e devora - as novidades desse segmento. A pernambucana Camila Lucena (24) e a paranaense Rosemeire Molan (38) colecionam títulos eróticos desde o primeiro contato com Cinquenata tons, em 2011. Participam de grupos de leitura erótica virtuais - onde encontram sugestões para a próxima aquisição - e leem, todos os dias, algumas páginas picantes. Mila Wander e Julianna Costa estão entre as autoras preferidas da dupla. E os motivos do fascínio pelo gênero são muitos. “O erotismo rompe preconceitos. Me sinto uma mulher livre ao consumir essas obras, especialmente se as heroínas são ativas e bem resolvidas na cama”, diz Camila. E Rosemeire vai além: “Os livros nos dão ideias, abrem nossa mente. Meu marido não lê, mas gosta que eu leia. É um estímulo.”

Esse empoderamento da figura feminina, que realiza seus desejos sexuais, é uma das tendências do mercado editorial. “Apesar do sucesso de algumas mocinhas submissas na literatura, essa construção está ultrapassada. Preferimos heroínas aguerridas, espontâneas”, fala Márcia Pereira, editora de ficção da Planeta, selo de O Safado do 105, com outros títulos eróticos em fase de produção. Enquanto isso, na Editora Intrínseca (Cinquenta tons), não há previsão de outro lançamento do gênero.

“As tendências refletem demandas da sociedade. Há, ainda, outras apostas, como a literatura homoerótica e a de conteúdo infanto-juvenil”, explica o professor e pesquisador do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Títulos como Dois garotos se beijando (Galera Record, R$ 29) e a série Garota <3 Garoto (Editora Seguinte) são exemplos do segmento. “No Brasil, o erotismo vem sendo escrito desde os relatos de Pero Vaz de Caminha sobre as mulheres indígenas. As possibilidades temáticas são inúmeras. Os paradigmas a quebrar, também.”

Mila Wander lança em junho O Safado do 105. Foto: Guilherme Veríssimo/Divulgação
Mila Wander lança em junho O Safado do 105. Foto: Guilherme Veríssimo/Divulgação


Ele cita poemas do século 17, escritos por Gregório de Matos, como exemplo de materiais que ainda enfrentam resistência no ambiente acadêmico, por serem, muitas vezes, considerados pornografia. “A ideia de que o erótico é sublime e o pornográfico, grotesco, reflete mais dos nossos preconceitos do que da técnica literária. Erótico e pornográfico, na verdade, se cruzam na literatura. Não há por que definir limites.” Assim como a legião crescente de leitores do estilo, Hermano acredita que as obras desmistifiquem a sexualidade humana, e que este seja, provavelmente, o grande legado do gênero.

>> AUTORES
"O prazer é todo deles"

Quem são os expoentes da literatura erótica com DNA pernambucano da atualidade

MILA WANDER
Camila Vila Nova Wanderley, professora recifense do Ensino Fundamental, popularizou-se como escritora na plataforma de leitura online Wattpad, onde ultrapassa os 4 milhões de views. No dia 13 de junho, lança no Recife O Safado do 105, pela Editora Planeta, romance erótico que nasceu no mundo virtual. Aos 26 anos, tem outro título encomendado: Diário de uma cúmplice, também erótico, previsto para o fim deste ano. “Sexo sempre gera curiosidade, o que atrai os leitores. No meu caso, acrescentei humor e criei o que chamo de comédia erótica”, explica Mila, que procura construir personagens comuns, sem estereotipos, nem carga excessiva de heroísmo. A página do livro no Facebook soma mais de 3.500 curtidas.

FLÁVIA GOMES
Poetisa, Flávia Gomes assina contos eróticos sob o pseudônimo de Norett Lutein, uma chef de cozinha inventada por ela. A estreia na literatura erótica ocorreu em 2013, com Doce de banana, publicado pela Livrinho de Papel Finíssimo. São 12 contos que narram memórias sexuais de Norett, todas fictícias. “Esse livro nasceu de uma catarse. Acompanhei o lançamento de Baba de moço, também de origem pernambucana, e me inspirei. Escrevi tudo de um dia para o outro”, conta. Agora, Flávia - ou melhor, Norett - trabalha numa fotonovela que deve ser lançada no ano que vem, com título provisório Nhac. A autora também participou da publicação Recife e outras partes baixas do corpo, lançado este ano no Recife, com contos e ilustrações eróticas de colaboradores locais.

Flávia Gomes, Raimundo de Moraes, Faraella Vieira e Julianna Costa estão entre os destaques do estado. Fotos: Arquivo pessoal/Reprodução
Flávia Gomes, Raimundo de Moraes, Faraella Vieira e Julianna Costa estão entre os destaques do estado. Fotos: Arquivo pessoal/Reprodução


RAFAELLA VIEIRA
Além de ghost writer, Rafaella Vieira assina, desde 2007, títulos eróticos no segmento de literatura juvenil. Descreve cenas picantes entre jovens, em obras como Depois daquele beijo, o primeiro a ser publicado, Sete minutos no paraíso e Época de morangos, lançado no ano passado. “Muitos chamam meu livro de Cinquenta tons de cinza para adolescentes, o que me deixa orgulhosa, já que foi uma publicação popular”, diz Rafaella, que acumula outros livros concluídos e ainda não publicados, todos do mesmo gênero. “É um nicho polêmico, mas eu sentia que a literatura juvenil precisava de um algo a mais, então acrescentei essa pimenta”, define. Para adequar os textos ao mercado editorial, tenta driblar a censura de alguns trechos e evitar cortes na versão original.

RAIMUNDO DE MORAES
Para dar vazão a poemas eróticos autorais, o contista e cronista Raimundo de Moraes criou Aymmar Rodriguéz, um personagem que assinava poemas mais “ousados” na década de 1980 - alguns publicados na íntegra, outros parcialmente censurados. Em 2010, passou a publicar livros, estreando com Baba de moço, editado pela Livrinho de Papel Finíssimo. Segundo ele, “Aymmar não tem freio. Fala sobre problemas sociais, como consumismo, pedofilia e fanatismo religioso. O erotismo aparece principalmente em passagens de conteúdo homoafetivo.” Raimundo encarna Aymmar em recitais e eventos literários e, no ano passado, lançou Pornópolis, uma reunião de contos eróticos situados no Recife. “A função da literatura erótica não se restringe à excitação do leitor. Mas é um convite à transgressão, que nos faz refletir.”

JULIANNA COSTA
Formada em Direito, Julianna Costa reservou um ano sabático após a faculdade para se dedicar à literatura. Neste período, escreveu Agnus dei, livro de fantasia urbana (personagens míticos em cenários contemporâneos), publicado em 2012. Três anos mais tarde, a recifense passa temporada em Brasília e acumula dois títulos eróticos de sucesso no currículo: 23 Noites de prazer e 4 Semanas de prazer, ambos publicados pela Universo dos Livros. Este último teve a primeira tiragem esgotada no dia do lançamento, na Bienal de São Paulo de 2014. “Nos enredos, reforço o empoderamento feminino. Sentia falta disso como leitora do gênero. Geralmente, o prazer da mulher está atrelado ao do parceiro. Não na minha obra”, conta.

Os títulos eróticos mais conhecidos incluem expoentes pernambucanos. Fotos: Divulgação
Os títulos eróticos mais conhecidos incluem expoentes pernambucanos. Fotos: Divulgação


>> EDITORA
Literatara, assumidamente erótica

Aymmar Rodriguéz e Norett Lutein são as duas grandes apostas do selo Literatara, da editora pernambucana Livrinho de Papel Finíssimo. Responsável por lançar os títulos Baba de moço e Doce de banana, a coleção tem outras obras em processo de edição. “A princípio, a expressão ‘tara’ deveria se referir à literatura, mas acabou associada ao conteúdo erótico dos livros e achamos que essa temática fixa poderia aumentar a expectativa do público. Há um interesse evidente e cada vez maior por literatura erótica no mercado local”, diz Sabrina Carvalho, sócia-editora.

>> EROTISMO: PARA LER E VER
Criado no ano passado pelas amigas paulistanas Lívia Furtado e Isadora Sinay, o canal do Youtube publica vídeos semanais sobre leitura erótica. Resenhas se alternam com leitura de trechos das obras. Com mais de 16.800 visualizações, Isadora aponta o ambiente virtual como grande trunfo da empreitada. “Pessoalmente, as pessoas ainda resistem em ler e debater literatura erótica. Existem poucos clubes de leitura do gênero, o que nos incentivou a criar o espaço na internet”, conta. Os comentários da dupla sobre 50 Tons de cinza, de E. L. James, na ocasião de lançamento do filme homônimo, foram os mais repercutidos. “História do Olho (Georges Bataille) e A casa dos budas ditosos (João Ubaldo Ribeiro) também fizeram sucesso.” Segundo as organizadoras, estatísticas enviadas pelo Youtube indicam que o público é predominantemente formado por mulheres, entre 20 e 30 anos de idade.

O Clube do Livro Erótico faz sucesso no Youtube e debate obras icônicas. Foto: Arquivo pessoal/Reprodução
O Clube do Livro Erótico faz sucesso no Youtube e debate obras icônicas. Foto: Arquivo pessoal/Reprodução


>> LINHA DO TEMPO

Grécia - século 7 a.C ao século 3 a.C

Os primeiros registros de literatura erótica remetem à Antiguidade Clássica. A chamada priapéia grega (37 poemas dedicados ao deus Príapo, deus fálico) cultuam o órgão sexual masculino, no século 3 a.C. No século 4 a.C, Aristófanes escreve Lisístrata, sobre greve de sexo das mulheres. E no século 7 a.C, há a poesia de Safo de Lesbos, sobre amor entre mulheres, de onde deriva o termo “lésbica.”

Roma Antiga - entre os séculos 1 a.C e 1 d.C
Além de pergaminhos egípcios contemporâneos com conteúdo erótico, como os Papiros de Turim, publicados somente em 1973, a Roma Antiga guardou obras como A Arte de amar, do poeta romano Ovídio (sobre a arte da sedução) e Satyricon, de Petrônio (história de uma gigantesca orgia).

Oriente - século 1 ao século 4
O Kama Sutra, inicialmente publicado como guia para alcançar um estado transcendental, nasce no Oriente e é trazido à cultura ocidental como espécie de catálogo de posições sexuais. Nasceu entre os séculos 1 e 4, escrito pela nobreza da Índia, por Vatsyayana.

França Medieval - séculos 12 e 13
Na chamada Idade das Trevas, os poemas eróticos ganham força e denunciam a dimensão religiosa evidente naquela época, com sedução mais comedida, de forma velada. Os versos que originam as cantigas trovadorescas reforçam essa tendência. O Fabliaux, contos rimados recitados pelos menestréis em público, especialmente na França medieval, são referência.

Países ocidentais, Renascimento à modernidade
Com o fim da Idade Média, a produção literária libertina ganha espaço, através de nomes como Bocaccio, com O Decamerão. No século 17, surge a obra do Marquês de Sade, que originará, mais tarde, o termo “sadismo.” No século 19, é publicado Vênus das peles, de Leopold Sacher-Masocheio, em plena efervescência da psiquiatria em associação ao sexo.

>> ASSISTA
No vídeo abaixo, assista à leitura dramática de trechos do livro O Safado do 105, da pernambucana Mila Wander:





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