Música erudita Atração deste domingo do Virtuosi Brasil, Cristian Budu critica as regras das salas de concerto Expoente do piano mundial, paulista de 27 anos criou uma rede social para promover apresentações nas casas das pessoas

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 10/05/2015 09:00 Atualizado em: 08/05/2015 20:26

Budu fará concerto gratuito no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu. Fotos: Virtuosi/Divulgação
Budu fará concerto gratuito no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu. Fotos: Virtuosi/Divulgação

Desde que conquistou um dos mais importantes concursos de música instrumental do mundo, o suíço Clara Haskil, em 2013 (assista ao vídeo da final abaixo), não faltam convites para Cristian Budu. Expoente da nova geração de instrumentistas, o paulista de 27 anos atualmente mora em Boston, onde faz um curso na New England Conservatory, mesma escola em que estudou mestrado.

Atração deste domingo no encerramento do Virtuosi Brasil, de graça, às 19h, no Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu), ele é uma espécie de militante da popularização da música erudita. “O problema não é relacionar com elite, mas com qualquer outra coisa que não seja musical, é quando as pessoas vão pelo que está em volta, pela aparência, não pelo conteúdo e mensagem”, crava. 

As plateias do pianista desfrutam de diálogos sobre as peças e gozam do raro privilégio de poder interagir com o instrumentista. “Qualquer reação natural com relação direta ao som que está acontecendo não tem problema”, garante. E lembra que o compositor romântico Mozart escreveu que gostava das manifestações do público. Na intenção de estreitar a relação com os ouvintes, ele criou a reden socialgroupmusic.com, para promover apresentações em casa. O sistema delivery vai estrear em São Paulo ainda neste semestre.

Ex-aluno de Antônio Nóbrega, no Instituto Brincante, onde estudou dança e percussão, ele é só elogios ao pernambucano. “É um dos artistas que mais me inspirou na vida. Não toca música erudita, mas na verdade que ele traz e o estilo nas criações e recriações. Foi um dos que mais me fez perceber a importância que o artista tem quando sobe ao palco. Uma das coisas mais mágicas na minha vida foi conhece-lo”, diz. Nóbrega já tocou e dançou em um recital de Budu.

ENTREVISTA // CRISTIAN BUDU

É possível viver de música no Brasil?
Eu me sinto numa posição privilegiada. Sei que vem depois dos concursos, principalmente o Clara Haskil. Tenho oportunidade de fazer concertos dos quais fico muito honrado, viajar pelo Brasil. Antes, não era assim. Vejo muito amigos que passam por dificuldades para encontrar espaço. Ainda existe um sistema que não contempla todos. Se você é um pianista, um músico clássico, não é fácil. Eu me sinto com muita sorte.

O que é o projeto de música em casa que você criou?
Ele visa trazer novos espaços, para que a comunidade conheça jovens músicos. É o primeiro passo para novos espaços. O Group Music surgiu em Boston. Quem criou foi Sam Botkin, que não é músico, mas grande amante de música clássica. Ele vinha muito para festas em minha casa, que tinha música clássica. Era um sistema mais intimista, e que aproximava. O impressionante era ver os jovens curtirem a música. Claro que era festa, então eles iam pelo social, mas também pelo musical. Muitos acabaram em salas de concerto depois disso. Ele criou o site e até veio para cá para criar. A gente viu que aqui é diferente, até para abrir as casas. A segurança é a principal barreira.

E como será o projeto aqui no Brasil?
Vai ter a mesma ideia, mas não vai ser tão aberto. O nome será Pianolatria, uma brincadeira com o termo fundado por Mário de Andrade. Ele dizia que todo mundo só gostava de música para piano solo. Todo mundo tinha piano em casa e ele fazia uma crítica a isso. Esses pianos ficaram abandonados e muita gente tem piano que viraram móveis. A ideia é fazer esses encontros festivos, promovendo música, música de câmara com piano. O piano preenche muito bem, tem muitas possibilidades. Esses eventos vão começar como eventos privados. Vai começar em São Paulo e a ideia é espalhar pelo Brasil aos poucos. A ideia para quem peça o evento pelo site é que chamem convidados, e os músicos também chamam algumas pessoas. Qualquer um pode pedir. A ideia é conectar as pessoas. O primeiro evento tem que ser privado. A pessoa diz qual a capacidade, se tem piano ou não, quantas pessoas o músico pode levar.

E qual o custo? Há cachê?
A gente sugere que cada um leve uma coisa. O único custo é que a gente deixa um chapéu, para que cada um contribua, uma coisa informal, entre R$ 20 e R$ 50. A ideia é incentivar os músicos e valorizar o trabalho deles. 
Os músicos aqui no Brasil são menos valorizados que nos Estados Unidos e Europa?
É uma questão de mercado.  A música clássica aqui não é tão grande. No mercado da empresa de discos, está caindo. Os públicos de casa de concerto estão acabando. Nossa ideia é fazer crescer o público. Quando as pessoas se interessam, acabam indo para salas de concertos. Esses saraus já existiam antes das salas de concertos.

Você critica as regras das salas de concerto. Quais mais te incomodam?
Existem regras, mas também as não ditas. Por exemplo, não aplaudir quando acaba um movimento. Há dois séculos, quando as pessoas tinham fome de música, elas estavam tão absortas na música, que, quando ele improvisava, as pessoas reagiam naturalmente, aplaudiam ou demonstravam admiração. Isso não incomodava. Mozart até escreveu que gostava. Hoje, você não pode aplaudir entre os movimentos. As pessoas se sentem em ambiente em que sentem que não podem fazer mil coisas e se sentem desconectadas. Muita gente vai não pela música.

Então, no seu concerto, as pessoas podem aplaudir?
Qualquer reação natural com relação direta com o som que está acontecendo não em problema. Eu me sinto muito à vontade em conversar sobre a peça. Se tem a ver com a música, eu não tenho problema nenhum com isso. Eu acho que não me desconcentro. Claro que, se for fúnebre e as pessoas começarem a rir ou bater palmas, será estranho. Mas se as pessoas perceberem alguma passagem diferente com relação à partitura, não em problema. O que está faltando é essa ligação mais orgânica. 

E qual sua visão com relação ao improviso, as inovações?
Claro que o músico tem que ter um preparo muito sério para saber como ler uma partitura. É como quando a gente pega um livro, tem que ter um conhecimento daquela obra. Não é fazer qualquer coisa com a partitura, mas saber olhar a partitura com visões diferentes. Muito músico clássico vê a música como algum estático. É como ler um livro sobre uma árvore e, quando se fala de árvore, ter que ser aquela mesma imagem. Claro que o texto tem que ser respeitado, mas você tem que saber trabalhar. Debussy, Ravel Rachmaninoff, esses grandes faziam isso.

Os instrumentistas se preocupam mais em reproduzir do que criar?
A preocupação é muito grande ainda. Claro que o músico quer fazer com perfeição. Mas ele tem que entender que uma performance tem que conseguir tocar o público. Beethoven dizia que uma performance com erros, mas que passa ideias, é expressiva, não tem problema. Mas uma que não tem erro mas não é expressiva é incabível.

Qual o problema de se relacionar a música clássica à elite?
No fundo, não é  relacionar com elite, mas com qualquer outra coisa que não seja musical. Tanto faz a classe. A arte foi composta, aliás, principalmente por pessoas que não eram da aristocracia, mas ficou essa imagem. As pessoas acabam relacionando com uma coisa elitista e querem transformar em exclusivo. Mas é nisso que existe a pobreza, quando você se relaciona com a imagem, e não com o conteúdo. O pote de ouro é o conteúdo. O que vem em volta da música clássica é o elitismo, o chavão, o preconceito.

Como surgiu seu interesse pela música clássica?
Meus pais tocavam música em casa, inclusive música de câmara. Meu pai tirava de ouvido algumas obras de Bach. Comecei a tocar piano com 4, 5 anos. Fiz alguns concursos quando era pequeno e tive sorte de ganhar algumas vezes, mas não gostava do meio. Eu sentia um glamour que para mim não fazia sentido. Não porque eu queria escrachar. O conteúdo para mim é sagrado, mas não só da música clássica. Sempre me vi um pouco deslocado. O artista em geral sempre se desencaixa com relação ao sistema. Ele vê a ideia não como instituição, mas como expressão que ele quer desenvolver.

Você tem vontade de voltar para o Brasil?
Estou nessa instituição em Boston. Depois, pretendo ir para a Alemnha, meu agente é europeu e é mais por questão de concerto. É mais fácil de me locomover. E também pelas experiêcias. Gosto de muitos lugares na Europa, quero vivenciar os lugares onde muitas das músicas que toco nasceram, antes de voltar e me estabelecer no Brasil, mais para frente. Escolho lá por enquanto porque tenho muito a experienciar. Acho que é o momento de viajar.



Programa da apresentação no Virtuosi Brasil:

I
Heitor Villa-Lobos (1887-1959)
Impressões seresteiras
Festa no sertão

Claude Debussy (1862-1918)
Estampes

Alexander Scriabini (1871-1915)
4 estudos 

II
Frederic Chopin (1810-1849)
24 prelúdios, Op.28


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