Pernambucano Beto França pinta inspirado em gordinhas e provoca padrões de beleza
Em "Cores curvas livres", que abre neste sábado, Beto França traz 35 aquarelas de mulheres curvilíneas
Publicado: 11/04/2015 às 10:01

O ilustrador e artista visual Beto França mostra mulheres mais curvilíneas em suas aquarelas. Crédito: Beto França/Reprodução()
Os padrões de beleza contemporâneos, atrelados especialmente a um corpo feminino magro, são exaustivamente vistos e compartilhados em um mundo que consome cada vez mais imagens. A arte, por outro lado, pode se tornar uma forma de refletir sobre a necessidade de se seguirem esses padrões, que podem se tornar opressivos para quem não se encaixa neles. A mostra Cores curvas livres, primeira individual do ilustrador e artista visual Beto França, traz esse tema à tona de forma mais leve, com 35 aquarelas que mostram corpos femininos de formas mais curvilíneas. A exposição abre às 19h de hoje, n’A Casa do Cachorro Preto, em Olinda.
De acordo com Beto, desenhar e pintar mulheres mais "reais" é um impulso que o segue desde a adolescência. "Sempre me interessei por retratar mulheres mais cheinhas. Virou uma marca. Minhas referências vêm muito da pintura e da fotografia de meados do século 20, dos anos 50 e 60". Para essa mostra, o artista também se inspirou na frase emblemática do escritor Eduardo Galeano, "o corpo é uma festa". Entre os trabalhos expostos, estão 25 aquarelas e dez esboços. Quase todas as obras são coloridas, restando apenas uma em preto e branco e outra em sépia. Parte das aquarelas faz parte da série Fofas, iniciada em 2010, e que também tem página no Facebook, intitulada Fofas Shop.
[SAIBAMAIS]
A mudança nos padrões de beleza ao longo dos séculos, dos lugares e o posicionamento dos artistas sobre o assunto também é objeto de reflexão de Renata Wilner, professora do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora do Instituto de Arte Contemporânea (IAC) da instituição. “Esses modelos de beleza são, hoje, muito determinados pela mídia. A arte, em certo sentido, era a mídia dessas épocas mais recuadas. Hoje, ela não tem mais o papel de impor padrões, mas de questioná-los”.
A representação do corpo remonta à mais alta antiguidade e os padrões estéticos aceitáveis podem ser radicalmente diferentes entre uma época e outra. “Na Grécia Antiga, os padrões de beleza estão ligados a um ideal de proporção. Quando se coloca muita ênfase nisso, se perde uma dimensão humana, algo que artistas como Rembrandt ou Velásquez resgataram em suas obras. Hoje, as discussões sobre a representação dos corpos passa pelas possibilidades de transformação deles e pelo reconhecimento dos direitos dos transgêneros”.
De acordo com Renata, além de as mulheres magras e brancas serem a imagem dominante e idealizada atualmente para o corpo feminino, a existência de padrões se reproduz na própria arte, com o protagonismo dos artistas europeus em detrimento, por exemplo, das artes africanas, da arte oriental e da arte indígena. “Estas são dinâmicas impostas pelos processos de colonização. No Brasil, por sua vez, o modernismo, no início do século 20, busca o que seria essencialmente nacional, mas, com isso, aparece uma certa coisificação do negro, com a exaltação da força física desse corpo e o estereótipo idealizado da mulata”.
SERVIÇO
Exposição Cores Curvas Livres, de Beto França
Abertura: Hoje, às 18h, com discotecagem dos DJs Xuana e Jucá
Onde: Casa do Cachorro Preto - Rua 13 de maio, 99, Carmo, Olinda
Visitação: Quinta a domingo, as 16h às 21h, até o dia 3 de maio
Informações: 3493-2443
SAIBA MAIS
Confira exemplos de obras de arte que retrataram corpos diferentes do atual padrão de beleza
VÊNUS DE WILLENDORF
Esta pequena estátua de 10 centímetros de altura e de aproximadamente 25 mil anos antes de Cristo foi encontrada em Willendorf, na Áustria. Esculpida em pedra calcária, é uma das primeiras representações do corpo feminino e tem a proporção do seu corpo concentrada no ventre, na vulva e nos seios, em uma referência à fertilidade. As formas avantajadas também sugerem uma ideia de segurança e bem-estar em uma civilização ainda no estágio da caça e da coleta, sujeita a condições difíceis de sobrevivência.
PIETER -PAUL RUBENS
Pintor do barroco holandês, viveu de 1577 a 1640 e fez vários quadros a partir de personagens com proporções mais avantajadas, a partir de um padrão de beleza mais corrente na época. A cor e a sensualidade são algumas das características de sua obra, fortemente influenciada pela sua passagem pela Itália, onde conheceu a obra de pintores renascentistas. Em sua trajetória, fez retratos e pinturas com motivos mitológicos e alegóricos. Um exemplo é a representação de Baco, deus do vinho.
FERNANDO BOTERO
O pintor e escultor colombiano, nascido em 1932, se notabilizou mundialmente por retratar figuras rotundas em suas obras e se tornou, por extensão, um símbolo da arte latino-americana. Um de seus trabalhos, Mulher a cavalo, está exposta nos jardins do Instituto Ricardo Brennand, na Várzea. Segundo Renata Wilner, o artista tem como foco fazer uma crítica da sociedade, mas não tem como intenção questionar o padrão atual de belezafocado na magreza. “A negação desse modelo, no caso dele, adquire um status de caricatura e acaba por reforçá-lo”.
LUCIAN FREUD
O artista, nascido em 1922 e morto em 2011, é uma das referências de Beto França para a sua exposição de aquarelas e traz, em seus quadros, uma representação da figura humana que traz uma expressão mais figurativa, embora passe longe da idealização vista em correntes artísticas anteriores. O neto de Sigmundo Freud costumava pintar preferencialmente parentes e amigos, trabalhando meses com um mesmo modelo, trazendo formas mais cruas em suas obras.

