Acervo da APL guarda cerca de 1,5 mil exemplares raros. Foto: Raphaela Nicácio/Divulgação

“À força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivo”, escreveu Miguel de Cervantes, dramaturgo castelhano. A força à qual se refere (o hábito da leitura) propagou a obra prima, Dom Quixote (1605), mundo afora, tornando-a referência na história da literatura ocidental - alguns críticos a consideram o primeiro romance da era moderna. E rendeu ao dia 23 de abril, data de sepultamento do autor, o título de Dia Internacional do Livro.

A veia artística de Cervantes e a própria importância dos livros recobram vida, nesta quinta-feira (23), com palestra do escritor Raimundo Carrero na Academia Pernambucana de Letras e a disponibilização inédita ao público de um acervo de coleções especiais da instituição - exemplares historicamente valiosos como os acessíveis em outras casas de leitura da cidade (veja guia abaixo).

“É a primeira vez que damos ao público acesso às obras raras do nosso acervo”, explica Fátima Quintas, presidente da APL. São cerca de 1,5 mil volumes considerados preciosos, entre manuscritos e livros originais de séculos passados. “A coleção foi construída a partir das bibliotecas pessoais dos acadêmicos, que, ao falecer, deixaram centenas de livros à instituição”, explica Fátima. Segundo ela, o acervo ainda não havia sido exposto por falta de verba disponível à contratação de bibliotecários que o catalogassem. Entre as raridades estão Divina Comédia, escrita por Dante Alighieri no século 14, e o clássico da medicina Morão, Rosa e Pimenta, com os primeiros estudos epidemiológicos registrados no Brasil.

Tornar público o acesso a aos títulos objetiva enriquecer a bagagem dos leitores com obras históricas e elucidar acontecimentos marcantes da sociedade moderna. “Revisitar obras raras prova o quanto o livro está ligado ao âmago das civilizações. Não existiria a cultura mulçumana sem o Alcorão, assim como o pensamento ocidental não seria o mesmo sem clássicos como Ilíada e Odisséia”, diz o pesquisador e professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Lourival Holanda. Ele resume: “Na pedra, papiro, papel ou pen drive, o livro continua sendo configuração e materialização do pensamento de uma época.”

>> ROTEIRO DE PRECIOSIDADES
O Viver preparou um roteiro de paradas obrigatórias para conhecer obras com folhas já amareladas que guardam histórias valiosas da nossa cultura:

Academia Pernambucana de Letras
Avenida Rui Barbosa, 1596 - Graças
 3268-2211
Abre pela primeira vez ao público, nesta quinta-feira, o acervo de obras raras. Guarda exemplares da primeira edição de títulos do pernambucano Carneiro Vilela, como Era maldita, As tragédias do Recife e A emparedada da Rua Nova. O histórico da luta anti-tuberculosa em Pernambuco, escrito por Octavio de Freitas, também está no catálogo da APL, assim como a Biografia de alguns poetas e homens ilustres da província de Pernambuco, de Antônio Joaquim de Melo. O público terá acesso irrestrito à biblioteca a partir de novembro, mediante agendamento.

Biblioteca Central da UFPE
Av. Professor Morais Rego, 1235 - Cidade Universitária
2126-8088
Possui setor dedicado aos livros raros, o Memorial Dênis Bernardes, com livros e documentos históricos - a maioria não catalogada, segundo os bibliotecários. Entre as preciosidades, coletânea de manuscritos do Conselheiro João Alfredo, a serviço da família imperial. Para ter acesso ao acervo é necessário cadastrar-se na biblioteca. Os volumes não são emprestados e não podem ser fotocopiados por xerox, apenas fotografados sem uso de flash.

Gabinete Português de Leitura
Rua Imperador Pedro Segundo, 290 - Santo Antônio
3224-2002
De eclesiástica potestade ab augustin de ancona, escrito em 1479, guardado no gabinete, é um dos três únicos exemplares disponíveis no mundo - os outros estão na Alemanha e na Itália. Um manuscrito orginal de Eça de Queiroz para A cidade e as serras também faz parte do acervo. As visitas à biblioteca devem ser agendadas e os títulos são consultados sob supervisão dos bibliotecários.

Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco
Rua João Lira - Santo Amaro
3181-2642
O departamento de obras raras possui obras consideradas valiosas por critérios de raridade - relevância histórica, primeira edição ou com dedicatórias de personalidades ilustres. Dante Alighieri, Luiz de Camões e Victor Hugo estão entre os autores estrangeiros mais procurados. Isidoro Martins, Padre Antônio Vieira e Frei Caneca entram na lista de nacionais. As visitas são agendadas mediante cadastro e as obras podem somente ser fotografadas, com uso de luvas e máscaras.

Arquivo Público de Pernambuco
Rua Imperador Pedro Segundo, 371 - Santo Antônio
3224-0620
Guarda 445 obras raras dos séculos 16 a 21, com exemplares raros da bibliografia de Gilberto Freyre e Luiz de Camões. Razão do estado do Brasil, de Diogo de Campos Moreno, escrito no século 17, é um dos mais antigos. Todos os títulos em condição de uso são disponibilizados ao público, sem necessidade de agendamento, mas não devem ser copiados ou retirados. São permitidas somente fotografias sem flash.