Artes cênicas Cancelamento de espetáculo da Paixão de Cristo em Arcoverde causa polêmica A peça "Horizonte da Paixão", sobre os últimos momentos de Jesus Cristo, foi atacada por um padre local e teve apenas uma sessão; artistas locais reclamam de censura

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 06/04/2015 15:55 Atualizado em: 06/04/2015 16:09

 

O espetáculo "Horizontes da Paixão" acontecia há 15 anos e tinha quase 200 pessoas no elenco. Crédito: Tiago Henrique/Divulgação
O espetáculo "Horizontes da Paixão" acontecia há 15 anos e tinha quase 200 pessoas no elenco. Crédito: Tiago Henrique/Divulgação

A Semana Santa em Arcoverde, no Sertão do Estado, foi envolta em uma controvérsia que colocou em posições opostas a comunidade artística do município e parte dos católicos da cidade. O espetáculo Horizonte da Paixão, cujo tema era a Paixão de Cristo, foi cancelado após apenas um dia de apresentação, na última quinta-feira (2), e o estopim teria sido uma série de reclamações sobre o teor do espetáculo feitas pelo padre Adilson Simões, pároco da cidade, em uma emissora de rádio local. A montagem teria mais dois dias de apresentação, na sexta-feira santa (3) e no sábado de Aleluia (4 de abril), mas o Sesc, que financiava a produção, decidiu cancelar as outras duas sessões. A ação, por sua vez, motivou os artistas da cidade a se juntarem em um movimento para denunciar o que chamam de censura contra um espetáculo teatral.

As razões da revolta do padre estão relacionadas ao viés dado ao espetáculo, que tem uma adaptação da história da Paixão de Cristo que leva em consideração elementos mais contemporâneos. Jesus, por exemplo, vestia calça jeans e subia em uma mesa durante a cena da última ceia. O teor "feminista" e a suposta abordagem do tema aborto também foram motivo de polêmica. De acordo com Djaelton Quirino, que faz parte do grupo Teatro de Retalhos e interpretava o Jesus no espetáculo, integrantes do elenco estão sofrendo agressão verbal e ameaças de agressão física em Arcoverde por conta da confusão. O espetáculo - que não vai mais ser realizado, segundo o ator - acontecia há 15 anos e tinha quase 200 pessoas no elenco. "O padre Adilson Simões foi até uma rádio local, na sexta-feira pela manhã, e desaconselhou os fieis a assistirem a peça. Ele falou que o espetáculo era sacrílego e fazia apologia ao aborto, mas ele nem viu a montagem, confiou na opinião de terceiros. Nos já estávamos preparados para nos apresentar na sexta-feira quando soubemos do cancelamento do resto das apresentações pelo Sesc. O cancelamento foi feito de forma arbitária e não concordamos com os termos usados pelo padre".

O ator afirma ainda que os grupos teatrais de sua cidade e artistas de outras linguagens se reuniram no Movimento Cultural Arcoverde e repudiaram, em carta aberta, a não realização do espetáculo. "O Movimento Cultural sempre esteve aberto ao diálogo com todos os líderes religiosos da região, embora não tenhamos sido procurados antes, durante ou depois do espetáculo nestes 15 anos de realização. A história representada não possui direitos autorais sendo assim domínio público e podendo ser interpretada do ponto de vista dos que a fazem, observando os valores morais e éticos da sociedade e o respeito às transformações desses valores. Repudiamos que em pleno século XXI um espetáculo seja censurado em razão da divergência de opiniões, que os artistas sofram retaliação da sociedade por sua visão artística, que seja desrespeitado todo o tempo dedicado ao processo de produção, planejamento, criação e ensaios. . Repudiamos os prejuízos econômicos, turísticos, culturais e sociais advindos da extinção deste projeto”.

Em seu Facebook, o padre Adilson Simões se pronunciou sobre a confusão envolvendo seu nome e o espetáculo. "Não pedi a suspensão da peça Horizontes da Paixão, há anos encenada em nossa cidade. Dirigi-me à direção geral do Sesc e e apresentei-lhes a minha indignação quanto ao conteúdo, cenas e interpretação da referida apresentação teatral nos dias mais santos do calendário litúrgico. Apresentei o meu protesto, por dever pastoral, zelo pelo sagrado e amor ao que é divino. Quem, conhecendo as Sagradas Escrituras, pode dizer, a partir dos textos originais no hebraico, grego ou latim, que tenha havido, na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, discurso feminista ou colocações sobre a legitimidade do aborto e outros males do mundo atual? Pergunto ainda, onde e com que autoridade artística, cultural, ou cientifica, pode-se, por bel prazer, alterar textos originais?".

O Sesc Pernambuco, por sua vez, divulgou uma nota falando sobre o cancelamento. "A direção do SESC Pernambuco, entidade laica e privada sem qualquer vinculação política ou religiosa, informa à comunidade de Arcoverde e região, que o espetáculo Horizonte da Paixão, promovido pelo SESC há 15 anos, tem a natureza puramente artística. Por outro lado, a Direção do SESC/PE com a intenção de evitar qualquer interpretação, desrespeito e intolerância às crenças e valores éticos e morais do cristianismo, e à forte tradição da celebração da Semana Santa, profundamente arraigada na cultural do povo brasileiro, determina a suspensão do espetáculo Horizonte da Paixão".



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