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Inezita Barroso sai de cena e deixa legado que começou em Pernambuco
Ícone da música folclórica nacional, Inezita faleceu no último domingo e iniciou carreira no Recife, na década de 1950
Publicado: 10/03/2015 às 08:20

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Na cidade de São Paulo da década de 1930, não havia nada tão elegante quanto tomar chá das cinco no Mappin e praticar natação no Clube Paulistano. A jovem Ignez Magdalena Aranha de Lima tinha esses dois hábitos, como qualquer moça de família abastada. No Clube Paulistano, inclusive, conheceu o marido Adolfo Cabral Barroso – advogado cearense, de quem herdaria o sobrenome conhecido durante toda a carreira.
Mas Inezita não era feita de clichês. A despeito das tradições, tocava viola – coisa proibida às mulheres naquela época – desde os sete anos de idade, quando preferia ouvir as conversas dos peões da fazenda a frequentar os saraus de piano organizados pela família. Inezita quebrou paradigmas desde cedo, num tempo em que a palavra feminismo ainda não era popular. E foi em Pernambuco que a cantora, instrumentista, atriz, professora e bibliotecária - falecida no último domingo, Dia Internacional da Mulher - começou a construir seu legado para a música folclórica nacional.

Era o início da década de 1950 quando Inezita Barroso, recém-casada, partiu com o marido rumo ao Nordeste do país. Visitaram o Ceará, terra natal dele, e seguiram para Pernambuco. “Quando cheguei lá, vi que era totalmente diferente de São Paulo. Era abençoado uma mulher tocar e cantar, fazer teatro”, declarou a intérprete, mais tarde, sobre sua temporada no Recife. Esse seria o primeiro passo de uma carreira que lhe rendeu mais de 80 discos gravados - entre 78 rpm, vinis e CDs.
O casal Inezita e Adolfo conheceu toda a trupe do Teatro de Amadores de Pernambuco, que ela classificaria no futuro como uma grande família que a deixara maravilhada. Os atores do TAP apresentaram os dois ao compositor de frevos Capiba, catalisador da atuação de Inezita sobre os palcos. Foi ele quem a convidou para uma participação na Rádio Clube pernambucana e intermediou seu primeiro recital, no Teatro de Santa Isabel, a convite do então governador Agamenon Magalhães e esposa.
Após a temporada de dois meses percorrendo o interior de Pernambuco em filiais da Rádio Tupi, suas atividades como cantora deslancharam. “Alguns de seus maiores sucessos, como a música De papo pro ar, também nasceram em Pernambuco”, conta o pesquisador fonográfico Renato Phaelante. “Foram frutos de parceria entre o poeta recifense Olegário Mariano e o médico e compositor mineiro Joubert de Carvalho, popularizadas na voz de Inezita”, conta.

Phaelante acredita que, além dos pontos de intersecção entre Pernambuco e a trajetória da artista, a contribuição dela para o folclore nacional foi o principal legado post mortem. À frente do programa Viola, minha viola, transmitido pela TV Cultura desde os anos 1980, tornou-se símbolo da valorização da música de raiz. Além dos trabalhos como cantora, ela atuou em nove filmes entre as décadas de 1950 e 1980, chegando a ganhar o Prêmio Saci de melhor atriz por Mulher de verdade (1955).
>> Despedida
O primeiro anúncio oficial da morte de Inezita Barroso, aos 90 anos, foi assinado pela TV Cultura, onde trabalhava desde 1980. A cantora estava de férias com a família quando teve febre e foi socorrida, no dia 19 do mês passado. Antes dessa internação, ela havia sofrido uma queda na casa da filha, no interior de São Paulo, e sido hospitalizada com dores na coluna, mas sem traumas. Segundo o hospital Sírio Libanês, onde estava internada, a causa da morte foi insuficiência respiratória. A artista foi enterrada no fim da tarde de ontem, em São Paulo. Inezita deixa uma filha, Marta Barroso, três netas e cinco bisnetos.
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