Sertão Filme pernambucano A história da eternidade está em cartaz no Shopping Recife e na Fundação Leia análise sobre o longa-metragem de Camilo Cavalcante escrita pelo filósofo Érico Andrade

Publicado em: 06/03/2015 13:15 Atualizado em: 06/03/2015 14:52

Interpretado por Irandhir Santos, Joãozinho representa a arte que está em todos nós. (Foto: Aurora Cinema/ Divulgação)
Interpretado por Irandhir Santos, Joãozinho representa a arte que está em todos nós.
 
* Texto de Érico Andrade

O sertanejo: nem fraco, nem forte; apenas. Ele é humano. Ele está em todos os lugares porque o sertão, como dizia Guimarães Rosa, é sem lugar. Ele está, para continuar com Guimarães, dentro da gente. A história da eternidade é o sertão do tamanho do mundo porque no seu enredo cabem todos os nossas dramas. O mundo que, aliás, é a eternidade de nossos conflitos. O retorno do mesmo para lembrar o filósofo. Somos os mesmos, ainda que estejamos isolados num lugar distante, como mostram várias tomadas áreas do filme. E quem somos?

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A história da eternidade
não tem uma única resposta. O roteiro é concebido conscientemente como uma bricolagem. Bricolagem que está presente nas cenas como a que apresenta o quarto de Alfonsina: ela está tanto na parede repleta de diferentes e justapostas fotos de mar e também se encontra nos diferentes objetos do quarto que cada piscar de luz revela. No entanto, a bricolagem está definitivamente presente na ideia de conceber o roteiro do filme repartido em três estórias que acontecem paralelamente e se cruzam em alguns momentos. Estórias diferentes que são justapostas num mesmo filme. É assim que A história da eternidade tenta responder a pergunta sobre quem somos. Afinal, o que somos senão esses diferentes recortes, fragmentos diversos de uma mesma vida?

Somos a opressão do vaqueiro Nataniel que anula os filhos e os faz levantar a cabeça somente depois de sua autorização. Somos a arte que explode na dança do personagem Joãozinho, (interpretada por Irandhir Santos em mais uma atuação notável) cuja cena revela um enquadramento bem interessante. A câmera filma cada conjunto de personagem que vai chegando sucessivamente para ver a arte extravagante de Joãozinho. E, no auge da dança, uma tomada veloz em 360 graus faz a câmera girar para justapor diferentes expressões e impressões sobre aquela inusitada intervenção artística. Somos o mar que tal como o sertão está dentro da gente e nos enche de esperança apenas pelo fato de nos ser desconhecido. O mar que é som, umidade e, sobretudo, desejo. Aliás, somos o desejo que irrompe os tabus e condena o cristianismo por ele nos condenar a uma culpa sem fim. Nem o flagelo - também prazeroso - sobre si mesma demove Das Dores do desejo de desejar. Das Dores mostra o descontrole daquilo que, como diz Chico Buarque, "não tem governo, nem nunca terá" e consuma com o neto o Édipo transgeracional para o recolher ao conforto do seio - quase materno. Somos também amor, do Amar de Drummond, recitado à perfeição por Joãozinho, mas que só encontra abrigo no casal composto pelo perseverante cego e pela sofrida Querência, mãe do bebê morto. Aliás, o romance dos dois é construído pelo contraste de luzes; tão presente no filme e que dá a medida certa das cores do sertão. Na primeira cena em que escuta o sanfoneiro Querência é enquadrada num plano escuro, levemente iluminado pela fresta da janela, que permite a passagem da luz do sol, e que traduz a sua indiferença em relação àquele sanfoneiro, bem como o seu ainda sentido luto. No segundo momento, a janela se abre completamente. O que era uma rejeição certa se torna dúvida e a luz começa a tomar conta da casa de Querência. Depois, claro, vem a promessa. Querência é enquadrada agora fora da casa. Nesse enquadramento tudo já é luz e o primeiro beijo, ainda que apenas no rosto, indicava que faltava pouco. Faltava apenas a chuva. Ela veio e aproximou definitivamente as duas personagens.

Três estórias que ocorrem em paralelo, mas quando justapostas, como numa bricolagem, revelam que as diferenças dos nossos dramas mostram um único ser humano repleto de recortes e fragmentos que se juntam apenas precariamente e desordenadamente. A história da eternidade lançou um olhar definitivo, remedindo, para acabar com Guimarães essa pequena travessia pelo filme, a alegria e as misérias todas.

* Érico Andrade é filósofo e professor da Universidade Federal de Pernambuco
* Érico Andrade é filósofo e professor da Universidade Federal de Pernambuco


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