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Teatro e dança

Dia da Mulher: Artistas pernambucanas investigam dores e delícias da existência feminina

Conheça quem atua nas artes cênicas para refletir e questionar a diferença entre gêneros, o machismo e a violência doméstica

Publicado: 08/03/2015 às 09:00

Crédito: montagem sobre foto de Renata Pires/

Crédito: montagem sobre foto de Renata Pires()

Crédito: montagem sobre foto de Renata Pires
Em uma passagem conhecida de Hamlet, o personagem-título de William Shakespeare define a atuação teatral como a oferta de um espelho para a natureza, capaz de revelar os “traços da infâmia” e o modo de ser de cada tempo. O palco, portanto, seria um lugar para reflexão nos dois sentidos da palavra (a realidade é, ao mesmo tempo, pensada e imitada). Quando a peça do dramaturgo inglês foi concluída, no começo do século 17, o espaço cênico de fato mimetizava o espírito da época, incluindo-se a imensa desigualdade entre gêneros. Até então, somente os homens representavam papéis, mesmo aqueles femininos. Demorou pelo menos cinco décadas até haver a presença de atrizes no palco, sendo a primeira delas a francesa Mademoiselle Du Parc, integrante da companhia liderada por Molière.

O pequeno avanço registrado pela história do teatro soa irrelevante frente aos abismos entre os dois gêneros, estreitados nos quatro séculos seguintes. Ainda hoje, no 107º Dia Internacional da Mulher, há fendas recorrentes a serem refletidas e superadas. Um dos caminhos possíveis é à moda de Hamlet, por meio de montagens pernambucanas contemporâneas, marcadas por refletir a respeito das dores e delícias da existência feminina.

Credito: Rogerio Alves/divulgação

FIGURA MATERNA
Há mais de dez anos a dramaturga pernambucana Luciana Lyra investiga o feminino no âmbito das artes cênicas. Figuras como Joana D'Arc e as guerreiras da Batalha de Tejucupapo já serviram de inspiração para o trabalho de pesquisa, montagem, encenação. Em 2012, ela foi procurada pelas bailarinas e atrizes Íris Campos, Ana Luiza Bione e Janaína Gomes para a construção de um trabalho artístico sobre maternidade. "Buscamos os arquétipos em torno do tema. Desde a mãe doce, boa e generosa, até a mãe capaz de matar. O espetáculo aborda a mulher contemporânea e as possíveis ambiguidades, dúvidas, questões decorrentes do trabalho". Enquanto idealizava o formato da montagem, Luciana interpretou o papel de Maria na Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, na opinião dela um modo de "pensar a maternidade pela ótica de 'mãe maior'". Após dois anos de preparo, a performance Cara da mãe foi gestada na interseção entre a dança e o teatro.
 
Foto: Renata Pires/divulgação

SOBRE HOMENS
A atriz Fabiana Pirro mentiu quando afirmou conhecer a obra de Hilda Hilst, ao ser questionada de supetão por uma produtora cultural. Nunca havia tido contato com os textos da escritora, embora estivesse prestes a aceitar a proposta de fazer uma leitura dramática. Correu para o hotel e buscou as poesias na internet. O encontro foi explosivo e martelou na cabeça da artista até encontrar vazão no monólogo Obscena. “Fiquei louca varrida. Já estava com vontade de fazer esse exercício de ficar só (no palco), queria pegar o papel de uma mulher assim, defender uma figura feminina. Hilda entrou como mote, inspiração, ponto de partida. Veio em um momento em que havia questões que eu realmente queria colocar no mundo. Teatro é isso, tende a ser algo muito forte, que está precisando sair. Eu necessitava falar sobre o universo masculino, do amor pelo pai, pelo filho”. No espetáculo, Fabiana interpreta uma mulher de mais de 40 anos diante de ausências, memórias e desejos. O monólogo tem direção, dramaturgia e encenação de Luciana Lyra.

Credito: Dani Neves/Coletivo Soma/divulgação

CLICHÊS DA MULHER
Credito: Dani Neves/Coletivo Soma/divulgaçãoEm busca da compreensão simbólica e social do significado de “ser mulher”, o Coletivo Soma – as artistas Anne Costa, Dani Neves e Marta Guimarães – dedicou um ano inteiro a investigar clichês, identidade de gênero, padrões de comportamento. Em diálogo com mulheres comuns, de todos os tipos, o grupo avaliou questões ligadas ao corpo e à cultura. A pesquisa Ver-Ter: Um olhar para os sentimentos periféricos resultou em vídeo de 8 minutos e uma apresentação de dança (com nova montagem prevista para o segundo semestre deste ano).

“Ao aliar o suporte teórico às entrevistas, nos questionamos sobre ser e estar mulher no mundo. Observamos a questão do corpo na sociedade, os pudores, as permissões e não permissões desse corpo”, explica Marta Guimarães. Como um terceiro desdobramento, o coletivo planeja parcerias com órgãos públicos para realizar ações de estímulo ao empoderamento da mulher. Uma das possibilidades é oferecer aulas de consciência corporal em centros que acolhem vítimas de violência.

“Trabalhos assim ajudam na formação da identidade da mulher, na forma de olhar o mundo, de se sentir, de se representar. É primordial estar próximo a esses universos caóticos, de mulheres com depressão, e trabalhar a autoestima, estimular outros campos de integridade social a partir da arte”.



PONTOS DE VISTA
Marta Guimarães (acima) e Luciana Lyra. Crédito: Acervo Pessoal  “O universo feminino da maneira como o investigamos se mostra um tema muito complexo e contemporâneo, pois foi só muito recentemente que a mulher começou a participar de fato da sociedade. Ao ouvi-las, sentimos muita fragilidade nos discursos sobre autonomia, poder, consciência de si, liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, percebemos um desejo de que isso seja diferente. Muitas são mães e externam o desejo de que as filhas não sejam submissas, e sim mais independentes, capazes de enfrentar o machismo e não deixar os sonhos de lado. Ainda hoje existe muito preconceito e tolhimento. O machismo massacra a gente tanto em um contexto social, quanto no âmbito do trabalho”.
Marta Guimarães, artista pesquisadora

"A partir do meu trabalho percebi o deslocamento que a mulher precisou buscar para ocupar um lugar antes controlado pelo masculino, em uma sociedade patriarcal. Temos encontrado brechas para ‘exercitar’ também a maternidade, a menstruação... Essas situações nós quase tivemos que abandonar para assumir as posições do masculino. Houve casos de mulheres que quiseram interromper o ciclo menstrual (algo natural, ligado à natureza, à vida) para se inserir nesse contexto. Agora, ela busca manter as duas coisas, ocupar cargos e continuar sendo mulher. É um grande desafio, ser mãe, ter atividades profissionais... Para mim, por exemplo, é bem complexo assumir função de diretora, de dramaturga, mas não agir como um diretor, um dramaturgo. Ou seja, ter um encaminhamento cênico por essa ótica feminina. A reafirmação do feminino nos coloca em um patamar mais igual, porém, sendo diferente. O maior problema de algumas linhas feministas é querer ser igual (aos homens), estando no mesmo lugar. A gente não está na busca de se sobrepor, mas de encontrar um lugar para cada um”.
Luciana Lyra, dramaturga e atriz
 
 
SERVIÇO
Obscena – monólogo com Fabiana Pirro
Quando: 27 de março
Onde: Sesc Casa Amarela (Avenida Professor José dos Anjos, 1190, Casa Amarela)
Informações: (81) 3267-4400
 
Cara da mãe – com Íris Campos, Ana Luiza Bione e Janaína Gomes
Onde: Teatro Marco Camarotti (Rua Treze de Maio, 455 - Santo Amaro)
Quando: 16 e 17 de maio
Informações: (81) 3216-1728
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