Arte Artistas retratam as transformações de Recife e Olinda, que fazem aniversário esta semana Gravuras, pinturas e desenhos captam as mudanças nas paisagens das duas cidades ao longo dos séculos

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 08/03/2015 07:59 Atualizado em: 09/03/2015 09:44

Aquarela de Guita Charifker retrata Recife e Olinda na mesma composição. Clique na imagem para ampliar. (Foto: Aderbal Brandão/ Reprodução)
Aquarela de Guita Charifker retrata Recife e Olinda na mesma composição. Clique na imagem para ampliar.
 
Olinda e Recife tiveram suas histórias entrelaçadas desde os primeiros anos de sua fundação, ainda na primeira metade do século 16. A importância das duas localidades na história do Brasil fez revelar nelas uma vocação: a de serem representadas por imagens. Do registro cartográfico feito pelos colonizadores portugueses aos artistas contemporâneos, são quase cinco séculos de mapas e obras de arte que mostram como as duas cidades tomaram caminhos muito particulares.

Nos primeiros trezentos anos, portugueses e holandeses se ocuparam em mapear e explorar a paisagem natural de ambas as cidades, com altos e baixos ao longo desse tempo. "Ao contrário do século 18, o século 19 é detentor de uma rica iconografia do Recife, Olinda e seus arredores. Talvez seja esta a parte do Brasil mais retratada pelos artistas no período", aponta o historiador Leonardo Dantas Silva.

Desenho em bico de pena feito pelo artista Villares. Clique na imagem para ampliar (Foto: DP/D.A.Press)
Desenho em bico de pena feito pelo artista Villares. Clique na imagem para ampliar


A partir do século 19, as diferenças arquitetônicas, paisagísticas e sociais entre as duas cidades se acentuavam e, ao mesmo tempo, se complementavam, e isso se refletia na produção artística de ambas. "Enquanto os artistas de Olinda, na maior parte das vezes, têm o casario colonial e a paisagem bucólica como tema na hora de representar a cidade, os artistas baseados no Recife mergulharam no expressionismo e a figura humana aparece com temas variados", opina Fernando Guerra, professor do Departamento de Arqueologia da UFPE.

Na segunda metade do século 20 e no século 21, o tom crítico é ressaltado pela arte contemporânea, que capta os colapsos urbanos e políticos vividos pela Região Metropolitana.

Para comemorar o aniversário das duas cidades, que acontece nesta quinta, o Diario selecionou uma série de imagens, de artistas locais, brasileiros e estrangeiros, que ilustram essa transformação sofrida ao longo dos anos pelas duas cidades.

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SÉCULO 16:

Mapa do Recife feito pelo cartógrafo Luís Teixeira (foto: Reprodução)
Mapa do Recife feito pelo cartógrafo Luís Teixeira


Os primeiros anos da colonização portuguesa no Recife e em Olinda deixaram pouquísimos vestígios iconográficos. O cartógrafo português Luís Teixeira foi o primeiro a fazer um mapa das cidades, entre 1583 e 1585.

SÉCULO 17:

No período holandês, Frans Post retratou o local onde hoje é o Centro do Recife em quadro pertencente ao IRB (Foto: Agência Lumiar/ Instituto Ricardo Brennand/ Reprodução)
No período holandês, Frans Post retratou o local onde hoje é o Centro do Recife em quadro pertencente ao IRB


Nesta época, a representação em imagens de Recife e Olinda foi intensificada, tanto por portugueses quanto pelos holandeses. Na época da ocupação da Holanda em Pernambuco, as paisagens das cidades também começaram a ser registradas, seja em gravuras ou pinturas. Um exemplo é a pintura Fort Frederick Hendrick, de Frans Post, uma das sete obras feitas pelo pintor em solo brasileiro e a única ainda em Pernambuco, como parte do acervo do Instituto Ricardo Brennand. O local onde hoje é o bairro da Boa Vista também foi objeto de uma litografia, de autor desconhecido, em poder do Museu do Estado. Outra gravura, também de autor desconhecido, representa a vila de Olinda, em cerca de 1630.

Gravura do artista Lemaire Sculp retrata a área do bairro da Boa Vista no século 17 (Museu do Estado/ Divulgação)
Gravura do artista Lemaire Sculp retrata a área do bairro da Boa Vista no século 17


Paisagem de Olinda em 1630, em gravura do acervo do Museu do Estado de Pernambuco (Foto: Museu do Estado/ Reprodução)
Paisagem de Olinda em 1630, em gravura do acervo do Museu do Estado de Pernambuco


SÉCULO 18:

Gravura de Manoel Bandeira retrata a Cruz do Patrão, construída no século 18 (Foto: Arquivo Público/ Reprodução)
Gravura de Manoel Bandeira retrata a Cruz do Patrão, construída no século 18


Com os holandeses expulsos do Brasil e a volta do domínio português, o registro das duas cidades voltou a escassear, mas não se extinguiu totalmente. Um exemplo são as gravuras produzidas em Portugal compilados pelo historiador Gilberto Ferrez (1908-2000) e baseados em anotações, mapas e prospectos feitas por jesuítas brasileiros. Artistas de outras épocas também passaram a retratar locais já existentes no século XVIII, como o desenhista, pintor e ilustrador Manoel Bandeira (1900-1964), que fez desenho a bico-de-pena da Cruz do Patrão. O monumento balizava a entrada dos navios no Porto do Recife.

Prospecto do Recife feito pelo jesuíta José Caetano em 1759. Clique na imagem para ver detalhes
Prospecto do Recife feito pelo jesuíta José Caetano em 1759. Clique na imagem para ver detalhes


SÉCULO 19:

Pintura do pernambucano Telles Júnior que retrata enchente em Afogados também está no acervo do Museu do Estado (Foto: Ricardo Fernandes/ DP/ D.A.Press)
Pintura do pernambucano Telles Júnior que retrata enchente em Afogados também está no acervo do Museu do Estado


A prosperidade do Porto do Recife fez com que a cidade recebesse estrangeiros de diversas nacionalidades, quando Olinda deixou de ser a capital. O intercâmbio com a Europa trouxe artistas que ajudaram a fazer a memória iconográfica da nova capital, como o suíço Luís Schlappriz, que fez uma litografia do Sítio do Doutor Fonseca, localizado no atual bairro da Madalena. Também foi o caso de Luís Krauss, que fez uma litografia da propriedade do doutor Augusto Frederico de Oliveira, atual Museu do Estado. No entanto, o interesse por registrar as paisagens da cidade não ficou restrito aos estrangeiros. O pintor pernambucano Telles Júnior, primeiro paisagista genuinamente pernambucano, mostrou os arrabaldes e cenas do Recife, como no quadro Cheia nos Remédios.

Gravura do suíço Luís Schlappriz mostra o rio Capibaribe no bairro da Madalena (Foto: Museu do Estado de Pernambuco/ Divulgação)
Gravura do suíço Luís Schlappriz mostra o rio Capibaribe no bairro da Madalena


Antigo paisagismo da Praça da República com o Teatro de Santa Isabel em gravura de Luís Krauss (Foto: Museu do Estado de Pernambuco/ Divulgação)
Antigo paisagismo da Praça da República com o Teatro de Santa Isabel em gravura de Luís Krauss


SÉCULO 20 (PRIMEIRA METADE):

Cícero Dias retrata o Cais da Alfândega (e antiga ponte giratória) (Foto: Reprodução do catálogo da exposição "Pernambuco Moderno")
Cícero Dias retrata o Cais da Alfândega (e antiga ponte giratória)


Na primeira metade do século 20, filhos de famílias abastadas que iam estudar no Rio de Janeiro ou na Europa e se interessavam em fazer arte receberam influência das vanguardas europeias, como o expressionismo e o cubismo. É nesse momento em que a representação artística do Recife e de Olinda passa a se descolar cada vez mais de um registro descritivo e se aproxima do universo subjetivo dos artistas. Cícero Dias, em Porto do Recife, de 1930, traz sua interpretação bem particular, em formas e cores, dessa parte da cidade. A paisagem humana da cidade é mostrada, também, de uma forma mais próxima. A obra Carnaval, realizada por Lula Cardoso Ayres em 1950, é exemplo dessa aproximação estética com o povo.

Foliões confundem-se com prédios do Centro do Recife na pintura de Lula Cardoso Ayres (Foto: Reprodução do catálogo da exposição "Zona Tórrida")
Foliões confundem-se com prédios do Centro do Recife na pintura de Lula Cardoso Ayres


A paulista Tarsila do Amaral desenhou o Recife visto do mar em 1925 (Foto: Reprodução do catálogo da exposição "Pernambuco Moderno")
A paulista Tarsila do Amaral desenhou o Recife visto do mar em 1925


SÉCULO 20 (SEGUNDA METADE):

Na pintura intitulada "64", João Câmara retrata o Porto do Recife sob domínio militar (Foto: Editora Takano/ Reprodução)
Na pintura intitulada "64", João Câmara retrata o Porto do Recife sob domínio militar


A crítica social e o engajamento em causas passaram a ocupar maior espaço nas obras de arte que abordaram o Recife e Olinda. João Câmara, por exemplo, usa como tema a tomada do poder pelos militares no quadro 64, que mostra Porto do Recife na ditadura. Ao mesmo tempo, a partir dos anos 50, começa um movimento de mudança de artistas plásticos para Olinda, muitos deles oriundos do Recife. Entre eles, estava Guita Charifker, autora do quadro Olinda (mostrado no início desta página), de 1988, que traz a idealização da natureza como fuga da opressão urbana. O processo de tombamento da cidade como Patrimônio Cultural da Humanidade motivou Aloisio Magalhães a fazer uma série de litogravuras da cidade para apresentá-las na defesa desse processo

Aloisio Magalhães produziu gravuras para defender Olinda como Patrimônio da Humanidade (Foto: Editora Senac RJ/ Divulgação)
Aloisio Magalhães produziu gravuras para defender Olinda como Patrimônio da Humanidade


SÉCULO 21:

Desenho de Kilian Glasner mostra luzes dos prédios da Zona Norte do Recife (Foto: Reprodução feita pelo artista)
Desenho de Kilian Glasner mostra luzes dos prédios da Zona Norte do Recife


A pluralidade de visões sobre as duas cidades baliza a produção artística atual, mantendo algumas das características de períodos anteriores, como a crítica social e uma atenção maior ao cotidiano. A capital pernambucana também é mostrada a partir de um viés menos idealizado e mais cru, como na representação em pintura do Edifício Holiday, de Roberto Ploeg, e o desenho da Avenida Conde da Boa Vista, de Clara Moreira, que ilustrou o cartaz do filme Recife Frio. A verticalização e o crescimento descontrolado da cidade se tornaram mais um tema abordado por artistas locais, e vários deles, como Jeims Duarte, valorizam estruturas urbanas que entraram em decadência, mas ainda têm sua beleza, como o Edifício Chanteclair.  A expansão das duas cidades também é mostrada nos desenhos de Isabela Stampanoni e Kilian Glasner.

Artista holandês Roberto Ploeg registra o Edifício holiday, ícone modernista de Boa Viagem (Foto: Julio Jacobina/ DP/ D.A.Press)
Artista holandês Roberto Ploeg registra o Edifício holiday, ícone modernista de Boa Viagem


Clara Moreira desenhou a Ponte Duarte Coelho e a Avenida Conde da Boa Vista para o cartaz do filme Recife Frio (Foto: Cinemascópio/ Divulgação)
Clara Moreira desenhou a Ponte Duarte Coelho e a Avenida Conde da Boa Vista para o cartaz do filme Recife Frio


Jeims Duarte recria o Edifício Chanteclair com interferências culturais híbridas. Clique na imagem para ver detalhes
Jeims Duarte recria o Edifício Chanteclair com interferências culturais híbridas. Clique na imagem para ver detalhes


Clique na imagem para ver a orla de Recife e Olinda desenhada pela artista Isabela Stampanoni (imagem usada como ilustração do livro A Grande Serpente, de Paula Lira)
Clique na imagem para ver a orla de Recife e Olinda desenhada pela artista Isabela Stampanoni (imagem usada como ilustração do livro A Grande Serpente, de Paula Lira)


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