Papo de escritor "As pessoas deixaram de viver e querem apenas os três segundos do orgasmo", diz Sidney Rocha Autor cearense radicado no Recife critica a "supervalorização do instante" na sociedade. Fala, ainda, sobre literatura contemporânea, processo criativo, mercado editorial.

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 17/01/2015 08:00 Atualizado em: 19/01/2015 16:41

Credito: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
Credito: Alcione Ferreira/DP/D.A Press

Em 2015, o romancista Sidney Rocha completa 40 anos de literatura e 50 anos de vida. Cearense radicado no Recife, ele começa o ano envolto em reflexões e prepara o lançamento de projetos importantes para o conjunto da própria obra. Nos próximos meses, publica Claro, escuro – primeiro volume da trilogia Gerônimo –, o livro de contos Guerra de ninguém, além de uma publicação ensaística sobre teatro de bonecos, escrita em parceria com autores amigos, entre eles Marcelino Freire, Ignácio de Loyola Brandão, José Eduardo Agualusa, Valter Hugo Mãe. Ainda este ano, Sidney verá o conto Castilho Hernandez – O cantor e sua solidão (“um texto que virou antológico, que todo mundo se interessa”) ser adaptado para a televisão, em um episódio da minissérie Conto que vejo, dirigido por Hilton Lacerda. 

Em conversa informal com a reportagem do Viver, o escritor revelou trechos do romance inédito e falou sobre literatura contemporânea, processo criativo, mercado editorial, entre outros assuntos. Sidney Rocha é autor de Sofia, Matriuska, O destino das metáforas, com o qual venceu o Jabuti, em 2012. 



OFÍCIO DE ESCRITOR
“O escritor profissional é um chato de galocha. Na maioria das vezes está mais preocupado com a vida literária do que com a literatura. O cara pode passar o dia bebendo ou na igreja, a mim me interessa mais o resultado, o texto que ele apresenta. Por conta dessa velocidade do mercado (editorial), com os autores achando que precisam publicar o tempo todo, há uma perda de qualidade. Quem é que consegue escrever bem visitando 150 festas literárias por ano? Prefiro menos. O escritor profissional atende o telefone e promete um livro para daqui a 10, 15 dias... Isso é algo muito perigoso para mim. Prefiro trabalhar com calma, com zelo, e entregar mais qualidade”. 

HIATOS ENTRE LIVROS
“Os hiatos entre minhas publicações são justamente porque não quis ser confundido com determinado tipo de autor aventureiro. Tenho trabalho forte com linguagem, e isso vem de muito tempo. Não se escreve um livro com essa ambição se você faz com pressa.”

OBRA
Credito: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
Credito: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
“Trabalho há 15 anos na trilogia Gerônimo. Ela é mais do que isso (os três volumes). Envolve outros livros meus, inclusive de contos. É toda uma narrativa que se distribui por vários formatos. Está em construção. Parte do seu trabalho é sempre voltado para trás. Para consertar algo que você fez. (...) Planejo concluir a trilogia até 2018. Quando terminar isso não preciso fazer mais nada, porque já disse o que tinha que dizer”

“Meu livro fala de experiências humanas, da vaidade e da vida. Pessoas que passam 30, 40 anos iludidos. Esse personagem, Gerônimo, ele não tem ideia da m* que está acontecendo, mas ele não está a fim de parar pra pensar sobre isso. Gerônimo é um personagem que se contagia. A forma com que lidamos com as coisas, hoje em dia, é mais pelo contágio. A contemporaneidade é um tempo doente, dos excessos, das ênfases. Qualquer coisa é maravilhoso, 'mara'. E a gente se contagia. Não há elevação espiritual nenhuma. Termina todo mundo igual. (...) Meu personagem é exatamente o que ele é, independente do que ele faz ou do seu sexo. Ele pode pintar, escrever ser carpinteiro, mas sempre será ele mesmo, porque ninguém muda. A gente até tenta, mas não consegue ser diferente.”

“No livro de contos, falo da supervalorização do instante. As pessoas não vivem mais, buscam instantes. O que interessa são os três segundos do orgasmo. Elas perderam a capacidade gregária, preferem conversar pelo Facebook. Toda a minha obra fala sobre isso, sobre a violência do eu. Se você observar, as pessoas adoecem muito por doenças psicossomáticas, por guerras silenciosas. Elas se auto-bombardeiam”.

LITERATURA CONTEMPORÂNEA
“Gostaria que o mundo publicasse menos, escrevesse menos, porque nunca foi tão fácil (e tão difícil) ser escritor. Daqui a 50 anos não saberemos mais o que é bom ou o que é ruim. As pessoas estão perdendo o discernimento. Luto para que, cada vez mais, Homero me ensine mais do que Joyce. As narrativas mais antigas me ensinam mais do que as modernas, sempre. Claro, acompanho a literatura contemporânea, sobretudo a norte-americana, que é muito melhor do que a brasileira.”

“Faltam autores e editores de verdade na literatura. Com essa história de autopublicação, todo mundo virou escritor e editor. Tem gente começando a escrever com uma autoridade que me assusta, achando que descobriu a pólvora. Há um aleijão na literatura. As pessoas acham que seus suspiros de saudade são verdadeiramente bons, que seus blogs são espécie de oráculo. Acredito que as coisas podem melhorar, mas somente com muito trabalho. Há quanto tempo não surge um Guimarães Rosa, um Machado de Assis? Há uns 50 anos?”

LEMBRANÇA X ESQUECIMENTO
“Que memoria vamos inventar daqui a 50 anos? A gente viveu nos quatro últimos anos mudanças importantíssimas, questões ambientais, as eleições no mundo, a economia. Mas daqui a pouco tempo as pessoas esquecem, porque elas não pensam. Veja bem, não é que eu acredite em teorias conspiratórias, eu acredito que a conspiração existe! As pessoas estão mais estúpidas.”


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