Música

Festivais de música em Pernambuco nos anos 60 e 70 marcaram época ao revelar músicos e compositores

Um dos concursos de maior repercussão foi o 1º Festival Nordestino de Música Popular, promovido há 45 anos pelos Diários Associados

Publicado em: 23/08/2014 08:02 | Atualizado em: 28/08/2014 12:08


1º Festival Nordestino de Música Popular foi realizado no Teatro do Parque. Crédito: Arquivo/DP/D.A.Press


Faixas, cartazes e torcidas organizadas em ônibus fretados tomavam o Teatro do Parque há exatamente 45 anos, em 23 de agosto de 1969, para a final do 1º Festival Nordestino de Música Popular. A competição, promovida na época pelos Diarios Associados, era um exemplo de como os concursos musicais mobilizavam cidades inteiras entre os anos 60 e 70. Transmitidas pelo rádio e por emissoras de TV, eventos como esse acirravam paixões e também revelaram cantores e compositores.

O primeiro Festival Nordestino de Música Popular, que teve mais duas edições, em 1970 e 1971, contou com centenas de inscrições de todos os estados da região. Após a realização de eliminatórias, em Fortaleza, Salvador e no Recife, a capital pernambucana recebeu a final, com doze concorrentes, quatro da Bahia, quatro do Ceará e o mesmo número de Pernambuco. Todas as músicas da última etapa foram gravadas em disco pela Rozenblit.

Capa do disco oficial do festival, lançado pela gravadora Rozenblit
A canção vencedora foi Poema do amor sem luz (PE), defendida pelo cantor Expedito Baracho, junto com o Coral do Carmo, e composta por Reginaldo de Oliveira em parceria com o falecido violinista, compositor e regente Cussy de Almeida (1936-2010). “Nós tínhamos uma torcida organizada toda de azul. A música foi sorteada para ser a primeira da noite e levamos a maior vaia do mundo, que só acabou quando o coro começou a cantar”, lembra o intérprete pernambucano. O prêmio, para o primeiro lugar, era de um carro Esplanada Chrysler 0km para os compositores e uma passagem para Portugal para os intérpretes.

De acordo com Oliveira, que criou a letra, enquanto Cussy ficou com a melodia, a canção é dedicada à filha, Diná, que tem, atualmente, 2% da visão. “A composição me emociona até hoje. E, na época, apresentar uma música em um festival como esse era um acontecimento”. As palavras da música trazem a perspectiva de quem não pode ver, como pode ser visto na primeira estrofe: “Ouvi dizer que azul é o céu e verde é o mar / Ouvi contar que é bom sentir só pelo olhar / Dê vida à minha vida / É bom viver só para ouvir você falar”.

O cantor Claudionor Germano, por sua vez, defendeu Cirandância, um baião colorido por arranjos armoriais, composto pelo poeta Marcus Accioly  e Cussy de Almeida. A canção ficou em 12º lugar. O maior intérprete de Capiba de todos os tempos diz lembrar que a disputa era muito grande. “Teve até briga na porta do Teatro do Parque”, relembra, rindo. “Deveriam renovar esse projeto. Seria uma forma de o pessoal mais novo mostrar seus trabalhos. Veja o que acontece com o frevo: as pessoas só se lembram das gravações mais antigas”.

Para Accioly, que também participou do festival com outra composição, chamada Cantata do amor maior - mais uma finalista, desta vez com coautoria de Fernanda Aguiar e Paulo Fernando Gama - o concurso trouxe uma maior aproximação com outro universo. “Sou poeta, mas nao tinha, até então, participado de nenhuma canção, nada cantado. A partir daí, fiz uma quantidade enorme de músicas. Tenho pelo menos umas 300, sempre em parceria, até com Capiba. Além disso, meu contato com Cussy virou um interesse pelo Movimento Armorial, do qual ambos participamos”.

Confira depoimento do cantor Expedito Baracho, vencedor do 1º Festival Nordestino de Música Popular. 



ROZENBLIT

O disco do I Festival Nordestino de Música Popular, lançado em 1969 pela lendária Rozenblit, está de volta ao mercado. Todas as 12 faixas podem ser ouvidas e compradas por meio de inúmeros serviços de streaming. Ouça o álbum completo.



MAIS FESTIVAIS
Junho de 1973. Organizado por pessoas ligadas ao Tucap (Teatro da Universidade Católica de Pernambuco), o festival Parto da Música Livre do Nordeste contou com a participação de banda Phetus, Luiz Gonzaga, Lailson, Lula Côrtes, Tamarineira Village (banda que deu origem ao Ave Sangria), do artista plástico Paulo Bruscky, entre outros. “Lembro que, para entrar em cena no palco, a gente passava por uma cortina que tinha uma bu... (vagina, no termo médico) pintada. Tinha a ver com o nome do festival”, lembra, sob gargalhadas, o músico e produtor Zé da Flauta, que tocava com a Phetus.

Da década de 1970, além do Parto da Música, Zé destaca outros festivais não competitivos, a exemplo do Concerto Chaminé (1973),
Cartaz da Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém. Arte: Lula Wanderley/Reprodução
que ocorreu no pátio do Mosteiro de São Bento em Olinda, e Sete Cantos do Norte (1974), no Convento do Carmo, também na cidade vizinha ao Recife. Participaram deste evento, Geraldo Azevedo, Ave Sangria, Flaviola, Alceu Valença, Fagner, Robertinho de Recife, entre outros.

Em 1972, o Diario de Pernambuco destacou na edição de 13 de novembro, a realização da I Feira Experimental de Música, em Nova Jerusalém. Segundo a publicação, “o espetáculo, que começou às 17h30m do sábado terminando às 4 horas do domingo, reuniu cerca de duas mil pessoas. A Banda de Música de Fazenda Nova e a Banda de Pífanos de Nova Jerusalém abriram a parada musical em meio a um entusiasmo sem precedentes dos jovens aglomerados ante o imponente Palácio de Pilatos”. Também se apresentaram na feira Flaviola e as bandas Tamarineira Village e Nuvem 33.

LIVRO
De acordo com o produtor cultural Wellington Lima - que já trabalhou com Alceu, Chico Buarque, Zé Ramalho e Spok Frevo Orquestra - era incomum, nos 1960 e 1970, haver festivais competitivos de música em Pernambuco. Os poucos produzidos não chegavam a ter mais que uma edição. Foi o caso da Feira de Música do Nordeste, em 1967, realizado pela Revista Manchete e TV Jornal do Commercio. “A única memória, ou legado, desse festival foi o lançamento da profícua parceria Geraldo Azevedo e Carlos Fernando, com o frevo de bloco Aquela rosa, e até hoje viva”, reforça.

Tanto ele quanto Zé da Flauta destacam o Festival de Música Carnavalesca, este sim competitivo. “Ele existe desde 1961, realizado pela Prefeitura do Recife, por força de uma lei municipal, conhecida como Lei Liberato Costa Junior, que obriga a sua realização anual”, conta Wellington Lima.

Ele foi um dos organizadores do Festival de Verão de Nova Jerusalém, que ocorreu em fevereiro de 1974. Em 28 de novembro do mesmo ano, dois dias antes do início da segunda edição do festival, o produtor foi intimado a cancelar o evento pela polícia e acabou preso. A então confirmação da presença de Chico Buarque causou grande incômodo aos militares. “Tive que fazer com que Chico não desembarcasse no Recife, pois ele também seria preso”, revela.

O show que não aconteceu é o livro que Wellington Lima está escrevendo sobre o ocorrido. O título da obra foi sugerido pelo ator e amigo Jones Melo, que atuava na Paixão de Cristo de Nova Jerusalém desde 1969, e faleceu em março de 2013, antes de estrear a temporada do espetáculo daquele ano. “Ele tratará justamente do episódio arbitrário da ditadura contra a arte e a cultura, seus antecedentes e suas consequências”, expõe Lima.

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