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AUTISMO

Com direitos garantidos e acessos negados, autistas lutam para alcançar serviços básicos

O mês de abril fortalece o debate sobre os direitos das pessoas diagnosticadas com autismo e os desafios enfrentados por elas

Publicado em: 07/04/2025 21:52 | Atualizado em: 07/04/2025 22:33

Abril é conhecido como o Mês de Conscientização do Autismo e acende o debate sobre os direitos e desafios destas pessoas (Foto: UNICEF/ONU)
Abril é conhecido como o Mês de Conscientização do Autismo e acende o debate sobre os direitos e desafios destas pessoas (Foto: UNICEF/ONU)
Imaginar viver em um mundo onde as luzes gritam, os sons machucam e os olhares cobram explicações parece difícil, mas essa é a realidade de, pelo menos, 790 milhões de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Em uma sociedade que não é adaptada para essas pessoas, a rotina se torna um desafio, e cada dia é uma vitória. No entanto, identificar os problemas e preconceitos permite que as barreiras simplistas impostas aos autistas sejam derrubadas.

Abril é conhecido como o Mês de Conscientização do Autismo e acende o debate sobre os direitos e desafios enfrentados por pessoas com esse transtorno. O período convida a população a enxergar além das aparências e reconhecer os desafios silenciosos: o isolamento social, a dificuldade de acesso ao diagnóstico e tratamento, e o preconceito disfarçado de “normalidade”.

As pessoas com autismo se encaixam nas leis específicas de proteção às pessoas com deficiência, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), bem como em normas internacionais assinadas pelo Brasil, como a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/2009).

A Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012, foi o pontapé que garantiu que autistas fossem considerados pessoas com deficiência para todos os efeitos legais. “Como ela equipara os autistas para todos os fins legais, então, naturalmente, tudo o que está escrito na Lei Brasileira de Inclusão passa a valer para os autistas. Qualquer crime de discriminação contra qualquer pessoa com deficiência é crime, seja em ambiente de trabalho, na escola ou na vida como um todo”, explica o advogado e ativista Robson Menezes.

Além disso, a Lei 13.977, sancionada em 8 de janeiro de 2020, criou a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), facilitando o acesso dos autistas aos serviços que lhes são garantidos por direito.

Mesmo com o respaldo das leis federais, pessoas com TEA enfrentam dificuldades no acesso a serviços básicos. A técnica de enfermagem e moradora de Jaboatão dos Guararapes, Odilene Isidoro, de 45 anos, é mãe de Ruan Moura, de 8 anos, diagnosticado com o transtorno. Ela conta que enfrentou barreiras na educação do filho, uma vez que nem todas as escolas possuem especialistas para auxiliar no aprendizado da criança.
 (Foto: Cortesia)
Foto: Cortesia

“Quando o Ruan teve o diagnóstico, ele estudava em uma escola particular. Posteriormente, a diretora me chamou e disse que Ruan precisava de uma escola que tivesse apoio, e eles não forneciam isso. Eu teria que pagar do meu bolso. Eu já estava pagando a mensalidade, que não era barata, e disse que não tinha condições. Então, consegui transferir Ruan para uma escola municipal muito boa, que tinha apoio para ele. Este ano, transferi Ruan para uma escola mais perto da minha casa, e, esporadicamente, precisei ir com ele para dentro da sala de aula porque lá não tinha apoio”, conta.

Os desafios vão além da educação e atingem áreas como saúde e mobilidade. Ruan recebe olhares tortos no transporte público e não tem acesso facilitado às terapias pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo tendo direito a esses serviços.

“Falta apoio, faltam profissionais qualificados, falta terapia… Estou há mais de dois anos esperando terapia pelo SUS, e até agora não autorizaram as terapias do meu filho. Quando a gente está no micro-ônibus, que são os ônibus da rede complementar, mostramos a carteirinha e o cobrador ou o motorista faz cara feia. A carteirinha é um direito do meu filho, mas eles ficam de cara feia. Então, isso é uma situação de constrangimento que a mãe de uma criança autista passa todos os dias”, relata Odilene.

O advogado Robson Menezes explica que a Lei 12.764 “garante o acesso ao tratamento multidisciplinar, incluindo nutrição, psicólogo e tudo o que for necessário. A mesma coisa prevê a Lei Brasileira de Inclusão”. Ele destaca que Pernambuco também conta com uma lei que assegura tratamento com “fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo, nutricionista, musculação, fisioterapeuta, musicoterapia e equoterapia”.

De acordo com o profissional, muitos clientes chegam relatando dificuldade no acesso aos serviços de saúde da rede pública. Um levantamento feito pelo Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) destacou que “os serviços públicos de saúde direcionados ao Transtorno do Espectro Autista, na imensa maioria dos municípios do Estado de Pernambuco, não são realizados de forma adequada, conforme previsto na legislação vigente e recomendações da sociedade acadêmica”.

“Já na saúde suplementar, enfrentamos as dificuldades que os planos de saúde vêm apresentando para fornecer o tratamento adequado, seja por negativas indevidas ou pelo fornecimento de terapias que não atendem às necessidades do paciente”, complementa o advogado Robson Menezes.

Além dos desafios nas ruas, às vezes o preconceito parte de dentro da própria casa, por parte de familiares que não entendem ou não aceitam o diagnóstico. A psicóloga e aplicadora ABA (Análise do Comportamento Aplicada), Mykelly Barbosa, explica que essas atitudes prejudicam o desenvolvimento das crianças e contribuem para o diagnóstico tardio.

“Quando a gente fala sobre mitos, de imediato isso precisa ser conversado dentro de casa, dentro da família — falar sobre o que é, quais os comportamentos, quais os níveis. Afinal, a família é o primeiro pilar de estrutura na vida de uma criança. Também é necessário evidenciar isso dentro das escolas, para que a gente possa refletir e debater”, explica a profissional.

Com a falta de acesso à informação, o diagnóstico tardio pode atrasar ainda mais o entendimento que a própria pessoa autista tem de si mesma, segundo a psicóloga.

“Quando a gente está dentro desse mundo, percebe a necessidade de trabalhar o psicológico para que isso reflita diretamente em um futuro próximo — na adolescência, na vida adulta. E muito se fala hoje em dia sobre a questão da infância, porque é nesse momento que precisamos atuar, ser mais efetivos, buscar soluções”, finaliza.

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