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DIREITOS HUMANOS

Dia Internacional do Direito à Verdade: o impacto das violações de direitos humanos

Dia Internacional do Direito à Verdade é celebrado nesta segunda-feira (24) e promove debates sobre a importância do Estado agir em casos de violações de direitos humanos

Publicado em: 24/03/2025 06:00 | Atualizado em: 21/03/2025 22:21

Monumento Tortura Nunca mais foi o primeiro monumento construído no país em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos brasileiros (Foto: Priscilla Melo/DP)
Monumento Tortura Nunca mais foi o primeiro monumento construído no país em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos brasileiros (Foto: Priscilla Melo/DP)
O Dia Internacional do Direito à Verdade é celebrado nesta segunda-feira (24) com o intuito de levantar o debate sobre graves violações aos Direitos Humanos e à dignidade das vítimas, bem como incentivar os países a resolver as violações e responsabilizar os autores, além de adotar ferramentas para que esses crimes não se repitam. No Brasil, a data entrou no calendário oficial em 2018 e o tema ganhou maior repercussão no final de 2024 e início de 2025 com o lançamento do filme Ainda Estou Aqui.

A lei brasileira nº 13.605/18 dedica o dia 24 de março à “reflexão coletiva a respeito da importância do conhecimento circunstanciado das situações em que tiverem ocorrido graves violações aos direitos humanos, seja para a reafirmação da dignidade humana das vítimas, seja para a superação dos estigmas sociais criados por tais violações”.

A princípio, a data foi escolhida pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2010 como forma de homenagear o arcebispo Óscar Arnulfo Romero, assassinado em El Salvador por lutar em defesa da democracia e dos direitos humanos, denunciando os crimes e violências sofridas por comunidades do país.

O direito à verdade é um princípio do Direito Internacional pelo qual os países devem prezar, mantendo um compromisso com a preservação e divulgação dos fatos, com o intuito de responsabilizar os autores das violações dos direitos humanos, assim como prevenir e evitar a repetição de casos similares. A ONU ainda classifica o direito à verdade como um direito inalienável e autônomo, ou seja, que não pode ser violado, renunciado ou transferido para outra pessoa.

“Esta data consiste em resgatar esses acontecimentos que foram maliciosamente ocultados, violentamente ocultados e que, de fato, precisam ser devolvidos à consciência coletiva. Inclusive, para, em um primeiro plano, pensar-se numa espécie de apaziguamento, porque essa pena continua aberta e se busca o que se chama ‘justiça restaurativa’. Ou seja, mesmo que, por causa da lei de anistia, não se tenha uma indenização propriamente dita, como ocorreria em circunstâncias mais regulares, há uma revisão no reposicionamento desse passado obscuro”, explica o professor de Direito Civil da Faculdade de Direito do Recife, Torquato Castro.

Os cartórios brasileiros estão no processo de correção das causas das mortes de desaparecidos na ditadura militar. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) é a responsável pela entrega dos documentos, juntamente com pedidos de desculpas e homenagens.

Um mapa feito pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania mostra Pernambuco como o quarto estado com maior número de pessoas desaparecidas, com 23 casos. Os três estados com mais desaparecidos são Rio de Janeiro (111), São Paulo (101) e Pará (45).

No Recife, um dos casos mais conhecidos ocorreu com o padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, que atuava como coordenador da Pastoral da Juventude, dedicando-se à inclusão social e à recuperação de jovens. Além disso, promovia encontros com a juventude e seus familiares para debater questões sociais, conforme registrado no Memorial.

Segundo os relatos, na noite de 26 de maio de 1969, ele foi sequestrado, torturado e assassinado na madrugada do dia 27 por integrantes do Comando de Caça aos Comunistas e agentes da polícia civil de Pernambuco. Na última vez em que foi visto, havia participado de duas reuniões com jovens e pais naquela noite.
 (Foto: Priscilla Melo/DP)
Foto: Priscilla Melo/DP

Uma das vítimas da tortura promovida por militares na ditadura, Soledad Barrett Viedma, ganhou um busto em uma homenagem da Prefeitura do Recife e da vereadora Liana Cirne (PT). A estátua fica localizada na Rua da Aurora, no Monumento Tortura Nunca Mais, que tem homenagens a outras pessoas que participaram, em Pernambuco, da resistência contra a ditadura.

Soledad Barrett Viedma nasceu no Paraguai e mudou-se para o Brasil junto com os pais, onde se filiou à Vanguarda Popular Revolucionária para enfrentar a ditadura. O grupo a enviou para atuar no Recife, onde foi traída pelo companheiro Anselmo. Ele entregou Soledad e outros integrantes do VPR aos militares. Soledad foi morta no episódio que ficou conhecido como “Chacina da Chácara de São Bento”, ocorrido em 8 de janeiro de 1973.

“No dia seguinte, todos os jornais anunciavam que seis terroristas haviam sido mortos em um tiroteio contra a polícia na Chácara de São Bento, onde supostamente estariam fazendo um congresso. Essa mentira foi contada muitas vezes durante muitos anos, mas, mesmo naquela época, no dia seguinte da morte delas, duas testemunhas que presenciaram o sequestro da Soledad e da Pauline deram seu testemunho na OAB, falando sobre o que realmente tinha acontecido e, mais recentemente, a Comissão Estadual da Verdade apurou esses fatos”, afirmou a neta de Soledad, Ivich Barrett.

Violações dos direitos humanos persistem, mas com nova roupagem
 
De acordo com um balanço divulgado pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), 2024 registrou mais de 657,2 mil denúncias, o que representa um aumento de 22,6% em relação a 2023, quando foram registradas 536,1 mil ocorrências. O número de violações também aumentou, subindo de 3,4 milhões, em 2023, para 4,3 milhões, em 2024.

As denúncias são feitas através do Disque 100 de maneira gratuita e podem ser realizadas por vítimas ou testemunhas. O levantamento de 2024 mostrou que a maioria das vítimas que tiveram os direitos humanos violados são mulheres (372,3 mil), pessoas brancas (261,6 mil) e com idade entre 70 e 74 anos (32,5 mil). A maioria das violações aconteceu nas casas das vítimas e dos suspeitos (301,4 mil).

Os grupos mais vulneráveis são compostos por crianças e adolescentes (289,4 mil), pessoas idosas (179,6 mil) e mulheres (111,6 mil), mesmo que este último grupo tenha registrado uma redução de 2,9%.

As principais violações observadas foram: negligência à integridade (464,3 mil ocorrências), tortura psíquica (389,3 mil) e exposição de risco à saúde (368,7 mil).

Pernambuco registrou 25.122 denúncias de violações de direitos humanos ao longo de 2024, sendo o Recife a cidade com mais casos (7.980), seguido de Jaboatão dos Guararapes (2.185), Petrolina (1.578), Olinda (1.475) e Paulista (1.109).

“Os crimes podem ser praticados pelo Estado ou por outros agentes, e isso não os torna menos relevantes. Sim, é claro que é mais grave quando o crime é cometido pelo Estado, que é o mantenedor dos direitos, mas não é só ele que pode cometê-los, e devemos mostrar que não foi apenas ele quem os cometeu”, pontua o professor da Faculdade de Direito do Recife.

No ano de 2006, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos divulgou um estudo que reconhece que cada país tem a função de proteger e garantir os direitos humanos, bem como investigar de forma eficaz as situações de violação de direitos humanos a fim de obter reparação para as vítimas ou seus familiares.

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