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Rafael Vieira/DP |
O Santa Cruz Futebol Clube faz aniversário nesta segunda-feira (3). Uma instituição com a trajetória marcada pela imensa capacidade de agregar paixões desde o seu nascimento, quando driblou a ordem então imposta pelo preconceito da sociedade do início do século passado, escancarando as portas do elitizado e lívido “football” para negros e desdentados. Foi o pontapé inicial da popularização, em Pernambuco, do viria a ser o “esporte nacional”.
O clube completa 111 anos vivendo a maior das suas crises, desenvolvida por décadas de gestões desastrosas. Mas, assim como aconteceu lá no início, no tempo das peladas do pátio da Igreja de Santa Cruz, segue nadando contra a correnteza, com os braços de uma massa de fanáticos torcedores dotada de uma fé inabalável. Uma paixão que endossa o investimento na Sociedade Anônima do Futebol (SAF), prestes a se consolidar no clube.
Início
Tudo começou numa pelada de adolescentes de classe média do bairro da Boa Vista, então a quarta freguesia (bairro) mais populosa daquele Recife da década de 1910. Um Recife que havia recebido os ventos da modernidade desde o começo do século, com capital estrangeiro controlando os principais serviços, impulsionando uma revolução urbanística. A reforma do Porto transformava a capital num valioso entreposto comercial, um dos mais movimentados do país.
Na esteira do crescimento econômico, o futebol dava os seus primeiros chutes no Recife, com bolas e uniformes trazidos da Inglaterra e praticantes de várias nacionalidades residentes na capital e endinheirados locais, que passaram a se organizar em clubes fechados. Era um esporte praticado pela elite.
Somente nos primeiros anos da década seguinte é que as classes mais abaixo do topo da pirâmide social passaram a improvisar um futebol em áreas públicas, abertas, como ruas, praças e pátios. Como o Pátio da Igreja de Santa Cruz, onde um grupo de adolescentes que batia pelada resolveu criar um clube, em 3 de fevereiro de 1914, tendo entre os seus fundadores Teófilo de Carvalho, o Lacraia, o primeiro negro a integrar um team
no futebol pernambucano e que abriu as portas do Santa para todas as etnias e
classes sociais.
Feitos históricos
O Campeonato Pernambucano começa no ano seguinte à formação do novo clube, que do pátio de uma igreja passa a jogar no campo do Derby em partidas oficiais. Na época, os não oficiais tinham um peso considerável, especialmente quando os grandes do Rio vinham pela bandas de cá para realizar amistosos.
Em 1919, o Santa Cruz se tornava o primeiro clube do Norte/Nordeste a bater um badalado clube carioca. O 3x2 foi tratado pela crônica esportiva local com uma “vingança” pela goleada de 6x1 aplicada pelo alvinegro no Sport.
O escrete coral estabeleceria em 1934 uma marca até hoje igualada apenas por mais dois clubes no país: vencer a Seleção Brasileira. Após disputar a Copa do Mundo da Itália, a equipe nacional, que faria uma parada obrigatória no Recife, topou uma série de amistoso com os clubes locais. O Santa perdeu o primeiro duelo por 3x1, mas deu o troco na revanche com um 3x2 em cima de Leônidas da Silva e companhia.
Primeiro título
O primeiro troféu do Campeonato Pernambucano veio em 1931, ano que marcou a estreia do seu maior goleador. A história do atacante Tará, também nascido em 1914, se entrelaça com a do Santa Cruz. Com o jovem de 17 anos, o Tricolor quebrava o jejum de títulos e começava a caminhada para o tricampeonato de 1931-33. Ganharia também 1935 e 1940. Seus 207 gols marcados não foram alcançados até hoje.
Neste período, o Santa já carregava a alcunha de “time do povo” nos textos dos jornais locais. Seus jogos tinham presença maciça de torcedores, mesmo antes do clube fincar os pés no bairro do Arruda. Isso aconteceu apenas em meados da década de 1940, ao arrendar, num primeiro momento, o campo até então usado pelo time suburbano Tabajara.
Era o primeiro passo para o que viria a se tornar as Repúblicas Independentes do Arruda, o Arrudão, em um processo, inicialmente, capitaneado pelo presidente Aristófanes de Andrade para arrecadação de dinheiro junto à torcida e com empréstimos a banco. A construção do que hoje pode ser visto, aconteceu ao longo das três décadas seguintes. Em 1972, a inauguração oficial com as arquibancadas apenas inferiores. Em 1982, o estádio se agigantava com a ampliação da parte superior.
Ídolos
O Arruda ficou pronto na década de 1970, que também ficou conhecida com a era de ouro dos tricolores. Primeiro, quebrando a sequência dos seis títulos consecutivos do Náutico e abrindo caminho para a conquista do pentacampeonato estadual (1969-1973), período marcado pela participação direta de James Thorp na administração do clube, e de uma geração fantástica de jogadores como Givanildo, Luciano, Cuíca, Fernando Santana, Ramon, entre outros.
Ramon, inclusive, que, em 1973, se tornava o primeiro nordestino a ser artilheiro de um Campeonato Brasileiro. Dois anos depois, seus gols levariam o Santa Cruz à semifinal do nacional, desbancando o Flamengo de Zico, num Maracanã lotado, na vitória por 3x1. Por um gol impedido no jogo com o Cruzeiro no 3x2, dentro do Arruda, o Tricolor não decidiu o título brasileiro com o Internacional em 1975.
Outras grandes campanhas nacionais foram se repetindo na segunda metade da década. Já sem Ramon como camisa 9, Nunes assumia a condição de goleador. Outros craques, como Givanildo, Fumanchu, Betinho e Joãozinho, sob o comando de Evaristo de Macedo, fizeram parte da equipe que estabeleceu recorde de jogos invictos numa única edição de Campeonato Brasileiro: 27 partidas, em 1978.
Século 21
No século atual, o Santa Cruz não conseguiu sair da montanha russa de poucos picos e muitas quedas. Da excelente campanha do time treinado por Givanildo Oliveira, estrelando Carlinhos Bala e Rosembrick, na temporada 2005, campeão estadual e com o acesso para a Série A, ao fundo do poço em 2010 na Série D.
O período de reconstrução, iniciado em 2011, com Zé Teodoro no comando e Thiago Cardoso como paredão, foi consolidado em 2015, com a volta à Série A, e em 2016, com o título da Copa do Nordeste, com Grafite, João Paulo, Keno, entre outros. Na década, seis títulos estaduais. Uma nova despencada ladeira abaixo veio em seguida, batendo no piso mais baixo das divisões nacionais, onde se encontra hoje.
O resto da história, no entanto, ainda está para ser escrita.