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EDUCAÇÃO NO TRÂNSITO
Caos no trânsito: mais de 44 acidentes por dia são registrados em PE
O Diario ouviu usuários, órgãos de gestão e fiscalização e psicóloga para entender o motivo pelo qual o respeito e a cidadania estarem sendo atropelados nas ruas e nas avenidas do Estado
Publicado: 27/01/2025 às 06:00

Acidente entre um carro e uma moto deixou dois motociclistas feridos, em Santo Amaro, Zona Norte do Recife./Foto: Cortesia/ 2024
Em apenas três semanas de 2025, Pernambuco já registrou 884 acidentes de trânsito, o que corresponde a uma média superior a 44 ocorrências diárias. O levantamento foi divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE) e traça com muita fidelidade o quadro caótico que representa o trânsito enfrentado diariamente por motoristas de carros, ônibus e caminhões, motociclistas, ciclistas e pedestres do estado.
A SES-PE informou que, entre os dias 1º e 20 de janeiro de 2025, foram registrados 814 casos de vítimas de acidentes com motocicletas e 70 ocorrências envolvendo automóveis. Já em 2024, ao longo de todo o ano, foram contabilizados 35.099 casos de acidentes com motos e 2.384 com automóveis.

Cenário do trânsito no Recife
Brigas entre motoristas, desrespeito às leis, acidentes e infrações são cenas que se repetem diariamente no trânsito. As vias, que deveriam ser espaços de convivência pacífica e respeito entre os condutores, acabam se transformando em cenários de "guerra" e insegurança.
Com a volta às aulas, a situação se agrava: o fluxo de veículos aumenta, a pressa e a impaciência se intensificam, e pedestres, muitas vezes crianças e adolescentes, tornam-se ainda mais vulneráveis.
Diante desse cenário, surgem dúvidas entre a população, sendo uma delas o que o poder público tem feito para enfrentar os problemas no trânsito e reduzir os acidentes.
O Diário de Pernambuco ouviu condutores de veículos, representantes da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e a psicóloga Brunna Lima, especialista em terapia cognitivo-comportamental, para esclarecer o assunto.
Educação e fiscalização
A problemática do trânsito no Recife reflete uma combinação de fatores, incluindo comportamentos individualistas, falta de educação para o trânsito e desafios na fiscalização. Segundo o Detran, o "clima de guerra" nas vias não é exclusividade da capital pernambucana, mas uma realidade presente em todo o Brasil.
“O egoísmo do condutor, ao respeitar apenas o seu espaço e o seu tempo, transforma o trânsito em um espaço de conflito, onde predominam o individualismo e a pressa.”, ressaltou Jildene Melo, chefe de Campanhas da Educação de Trânsito do Detran/PE.
Apesar de o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) determinar, no parágrafo 2º do artigo 29, que veículos de maior porte são responsáveis pela segurança dos menores e que todos devem zelar pela incolumidade dos pedestres, a prática mostra outra realidade.

Henrique Pereira, um estudante de 18 anos que utiliza bicicleta como principal meio de transporte, relatou os desafios diários enfrentados: "É impressionante como ninguém respeita nada. Todos os dias eu passo por livramentos. Sempre tem um carro na faixa de ciclista, moto me fechando, caminhão me imprensando, ciclistas andando em dupla nas faixas. Fora os pedestres que atravessam sem olhar e as brigas quando reclamamos de algo. É complicado andar no trânsito do Recife. Uma falta de educação geral."
A Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) garante que diversas ações têm sido realizadas para melhorar a segurança no trânsito e combater esses problemas. “Elas estão divididas em quatro eixos principais: Mobilidade Segura, Gestão de Dados de Sinistro, Ações de Fiscalização e Comunicação e Educação para o Trânsito”, informou o Órgão.
De acordo com a CTTU, as campanhas educativas ocorrem durante todo o ano, como a "Liga da CTTU nos Bares", que visa alertar os frequentadores de bares sobre os riscos de dirigir após consumir bebidas alcoólicas; o programa “Bora de Bike Recife”, que incentiva o uso seguro da bicicleta, e ações do Maio Amarelo, que trazem especialistas e vítimas de acidentes para falar sobre os perigos no trânsito nos comerciais.
Mas talvez as campanhas educativas não estejam chegando à maioria dos usuários. Henrique, citado antes na reportagem, relatou que elas não têm sido visíveis: "Sinceramente, eu não vejo nada. Nem na TV. Na escola, se falamos sobre isso, é só na infância, e mesmo assim muito pouco. Por isso, não vemos resultado."
A percepção de Henrique também é compartilhada por Emanuelle Araújo, auxiliar de administração de 22 anos, que criticou a falta de fiscalização: "O que eu mais vejo são motociclistas parados na faixa de ciclistas próximos a agentes da CTTU nos sinais que não fazem nada”, contou
“Já vi um carro fazendo retorno proibido na Avenida Caxangá, próximo à entrada de Camaragibe, e os guardas do outro lado olhando, sem tomar uma atitude. O problema daqui é que não tem punição. Virou 'normal' fazer coisas erradas no trânsito e não acontecer nada.", desabafou.
Questionada sobre as atitudes inadequadas dos agentes de fiscalização e as possíveis punições, a CTTU se limitou a responder que seus agentes recebem treinamento adequado para o desempenho da função.
A importância das campanhas educativas

Segundo a psicóloga Brunna Lima, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a infância é uma fase crucial para o desenvolvimento de crenças, valores e comportamentos, pois é nesse período que o cérebro está em pleno desenvolvimento e mais receptivo a aprendizados.
“As experiências vividas nessa fase ajudam a moldar os esquemas cognitivos, que são as estruturas mentais que organizam informações e crenças,” explicou.
Campanhas educativas voltadas para o público infantil podem ter impactos duradouros, ajudando a formar valores fundamentais como respeito, empatia e responsabilidade. Para as crianças, a assimilação desses valores ocorre de maneira prática e emocional, com reforços positivos que incentivam comportamentos seguros, como o respeito às faixas de pedestres e o uso de equipamentos de segurança.
Além disso, essas ações atuam na prevenção de crenças disfuncionais, como a ideia de que "quebrar regras não traz consequências", moldando adultos mais conscientes no futuro.
Para os adultos, as campanhas assumem um papel de reavaliação e transformação de atitudes. Por meio de mensagens que promovem empatia, responsabilidade e respeito, é possível desconstruir crenças enraizadas, como "furar o sinal me faz mais esperto", substituindo-as por pensamentos mais construtivos, como "seguir as regras protege a mim e aos outros".