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URBANISMO

Renomeação de ruas no Recife: história, processos e os impactos na identidade urbana

Processo é alvo de debates promovidos por políticos e sociedade, uma vez que envolve homenagens à figuras históricas

Publicado em: 16/12/2024 05:24 | Atualizado em: 16/12/2024 05:20

 (Foto: Rafael Vieira/DP Foto)
Foto: Rafael Vieira/DP Foto
No poema Evocação do Recife, Manuel Bandeira já citava as mudanças repentinas de nomes das ruas da capital pernambucana, o que desagradava alguns moradores e tornava-se alvo de discussão. “Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância Rua do Sol (Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal)”.

O  processo para alterar nomes de ruas no Recife tem se tornado cada vez mais comum e gerado discussões entre os moradores da capital, que questionam e estranham mudanças. Os debates são movidos diante dos motivos por trás das renomeações, uma vez que boa parte dos transuentes já estão acostumados com o nome original da via.

Um dos casos mais recentes ocorreu em outubro deste ano, quando a Rua Bom Jesus da Lapa, na Vila Santa Luzia, no Bairro da Torre, na Zona Norte do Recife, passou a se chamar “Rua Irmã Adélia”, em homenagem à freira, que é um símbolo de fé entre os católicos do Estado.

No entanto, para que uma rua ou avenida passe por uma modificação no nome é preciso um processo rigoroso e composto por diversas etapas. Além disso, inúmeros logradouros que são referências da capital pernambucana nem sempre possuíram a nomenclatura atual.
 (Foto: Rafael Vieira/DP Foto)
Foto: Rafael Vieira/DP Foto

A nomeação e a alteração dos nomes de ruas são de responsabilidade do município, como está definido pela Constituição Federal. Cada município possui sua legislação própria que regulamenta o tema. Geralmente, a nomeação é formalizada por meio de leis ou decretos municipais, aprovados pela câmara de vereadores e sancionados pelo prefeito.

Geralmente, as modificações nos nomes das vias têm origem com indicação da população ou de associações que sugerem nomenclaturas, especialmente em áreas novas ou loteamentos. Essas sugestões são encaminhadas à prefeitura ou aos vereadores.

“As ruas adquirem o nome, na maioria das vezes, de forma espontânea. A população atribui o nome à presença de uma capela ou por causa de um morador que se destacou da rua, como por exemplo o caso da Antiga Estrada que hoje é Avenida João de Barros. Havia um proprietário do sítio que chamava João de Barros esse nome acabou pegando na via”, explica o professor de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), George Cabral.

Os vereadores também apresentam projetos de lei propondo nomes para vias, especialmente como forma de homenagear figuras relevantes da história local, regional ou nacional. Após o Projeto de Lei ser aprovado, o nome da rua é registrado oficialmente e publicado em diário oficial. 

A legislação local estabelece critérios específicos para a escolha dos nomes. Geralmente, busca-se evitar duplicidade para facilitar a identificação e a localização das vias. Como explica o professor de História George Cabral, no Recife, não é permitido homenagear pessoas que ainda estão em vida.

“Desde os anos 1950 existe uma lei municipal que proíbe a mudança indiscriminada do nome de logradouro no Recife. Essa lei proíbe que se mude os nomes indiscriminadamente, indicando que deveria ser feita uma consulta ao Instituto Arqueológico para saber se a denominação é tradicional. Foi promulgada em 1990 uma lei orgânica no artigo 164 que estabelece que não se dará nome de pessoa viva a qualquer logradouro estabelecimento público”, ressalta George Cabral.

Este processo de nomeação pode gerar polêmicas com a população, uma vez que as ruas e avenidas chegam a homenagear políticos, figuras religiosas ou polêmicas. Além disso, mudanças em nomes de ruas já estabelecidas podem causar transtornos para moradores e comerciantes, além de gerar resistência de setores que valorizam a história local.
 (Foto: Ruan Pablo/DP Foto)
Foto: Ruan Pablo/DP Foto

Atualmente, diversas vias do Recife levam nomes de personalidades históricas que foram importantes para a cidade ou para o país em algum determinado momento, entre elas a Avenida Antônio de Góis, Avenida Conde da Boa Vista, Avenida Marechal Mascarenhas de Morais, Rua do Imperador Pedro II e a Rua da Imperatriz Tereza Cristina.

De acordo com o historiador George Cabral, esta tradição de homenagear pessoas através dos nomes das ruas teve início ainda no Império.

“A partir do Império, vamos encontrar essa prática de usar as ruas como um espaço de homenagem, especialmente para momentos históricos personagens da política ou da vida militar do país. Em um determinado momento, as pessoas consideraram  que quem governa a cidade deve ser homenageado. Durante a guerra do Paraguai, no século XIX, várias ruas da cidade do Recife foram modificadas para homenagear personagens que haviam participado da Guerra”, pontua George Cabral.

O historiador explica que nem sempre o nome concedido oficialmente para uma rua ou avenida é acolhido pela população, que já está acostumada a se referir àquele local de outra maneira.

“É o caso da Rua Do Hospício, que em 1877 foi renomeada, pela prefeitura, como Visconde de Camaragibe e o nome não pegou porque desde o século XVIII ela era chamada de Rua do Hospício, uma vez que havia perto de onde hoje é Hospital Militar uma instituição religiosa que abrigava os religiosos da Congregação da dos Frades as terras santas. Ali não era um hospício para loucos, mas um hospício no sentido de hospedagem”, explica o historiador.

George Cabral ainda destaca que existe uma metodologia cuidadosa para que a tradição da cidade não se perca com as renomeações. “Existe um cuidado com a história da cidade para que a gente não veja aquilo que o poeta Manuel Bandeira já mencionava no passado”.

Apesar de serem conhecidas e utilizadas diariamente por milhares de pessoas todos os dias, vias como a Avenida Conselheiro Aguiar, Avenida Conde da Boa Vista e Avenida Engenheiro Domingos Ferreira não possuem as histórias de seus nomes tão reconhecidas.

Avenida Conselheiro Aguiar
 (Foto: Ruan Pablo/DP Foto)
Foto: Ruan Pablo/DP Foto

A Avenida Conselheiro Aguiar foi inaugurada na primeira gestão de Augusto Lucena na Prefeitura do Recife, entre 1964 e 1969. A via é uma das mais importantes da Zona Sul da capital e foi aberta 40 anos após a famosa Avenida Boa Viagem.

Ela recebe o nome do único Barão de Catuama, mais conhecido como Conselheiro Aguiar, que foi um magistrado, político, jornalista e professor nascido em Goiana, no Grande Recife, em 10 de janeiro de 1810.

Conselheiro Aguiar atuou como juiz em Pernambuco em 1835, com foco na área de Direito Criminal. Ele foi deputado  provincial e deputado da Assembleia Geral, além de fazer parte do Conselho de Sua Majestade, em 1874, e ser presidente das províncias do Rio Grande do Norte, em 1876, e do Ceará, em 1877.

Conselheiro Aguiar também foi condecorado com a Imperial Ordem de Cristo como forma de reconhecimento aos serviços prestados ao Império brasileiro e à Igreja no Brasil. Ele também atuou em jornais como o Diario de Pernambuco.

“A Avenida Conselheiro Aguiar assumiu essa denominação substituindo a antiga Rua do Lazarento, que era uma rua onde ficava um hospital para leprosos, em um areal conhecido à época como Ilha do Nogueira, que hoje é onde fica o Pina e a Brasília Teimosa”, explica George Cabral.

Avenida Conde da Boa Vista
 (Foto: Rafael Vieira/DP Foto)
Foto: Rafael Vieira/DP Foto

A Avenida Conde da Boa Vista, localizada no Centro do Recife, tem este nome em homenagem a Francisco do Rego Barros, primeiro e único barão com grandeza, visconde com grandeza e Conde da Boa Vista.

Ele tornou-se presidente da província de Pernambuco com apenas 35 anos de idade e determinou a construção do atual Palácio das Princesas para se tornar a sede do governo provincial.

Francisco do Rego Barros trouxe para o Recife diversos engenheiros franceses para a construção de prédios e avenidas históricas. Entre as obras da sua gestão estão o Teatro Santa Isabel, Assembleia Legislativa, Paço Alfândega e o Cemitério de Santo Amaro. Além disso, ele foi responsável pelo abastecimento da cidade com água potável.

“A Avenida Conde da Boa Vista substituiu uma denominação antiga chamada Rua Formosa, que era uma rua bem mais estreita e que foi sendo alargada durante o processo de reformas urbanas no Recife nos anos 1940 e 1950. Atribuiu-se a ela a denominação de Boa Vista, que foi um governador importante em Pernambuco”, pontua o professor da UFPE George Cabral.

Avenida Engenheiro Domingos Ferreira
 (Foto: Ruan Pablo/DP Foto)
Foto: Ruan Pablo/DP Foto

A Avenida Engenheiro Domingos Ferreira é uma das vias mais importantes do bairro de Boa Viagem e se chamava Rua Amazonas. Ela leva o nome de um engenheiro e urbanista natural de Pesqueira e que foi responsável por obras como a Avenida Guararapes.
 
Domingos Ferreira desenvolveu diversas obras urbanísticas na capital entre os anos de 1940 e 1960 e teve as ideias incorporadas no Código de Obras do Recife. Entre as exigências do código estão os recuos frontais e laterais para evitar que as avenidas se tornem paredes de concreto.

“Por volta dos 1970 foi proposto que o logradouro fosse uma homenagem ao engenheiro Domingos Ferreira por seu trabalho como urbanista e engenheiro muito respeitado e com e com muitas intervenções urbanas importantes”, afirma o historiador George.
Tags: ruas | recife | nome |

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