RECIFE
Além do concreto: histórias das pontes que moldaram o Recife
O Diario de Pernambuco reuniu, nesta matéria, as histórias por trás de três pontes que evoluíram junto com a capital
Por: Adelmo Lucena
Publicado em: 31/12/2024 06:00 | Atualizado em: 30/12/2024 20:03
Foto: : Blenda Souto Maior/DP |
Na primeira matéria desta série, foi abordado como as pontes do Recife desempenham um papel crucial para a mobilidade urbana, conectando as ilhas da cidade e sustentando o fluxo diário de pessoas e veículos. Agora, na segunda etapa, o olhar será voltado para além do tráfego e das demandas contemporâneas e serão revisitadas as histórias por trás dessas estruturas, que não apenas ligam margens, mas também tempos, memórias e culturas.
Ao longo deste texto, será possível entender como as principais pontes do Recife, como a Ponte Maurício de Nassau, a Ponte Duarte Coelho e a Ponte Princesa Isabel, carregam em seus pilares traços da formação histórica, econômica e social da capital pernambucana. Cada uma delas, mais do que um simples caminho, é um testemunho do passado que construiu o presente da “Veneza Brasileira”.
“As pontes do Recife foram fundamentais para que a cidade pudesse se desenvolver. Situada em um terreno cortado pelos braços do Rio Capibaribe, principalmente em sua zona central, o Recife depende totalmente dessas ‘ruas sobre as águas’, como as chamava o falecido arquiteto José Luiz Mota Menezes. As pontes do Recife estão totalmente integradas na paisagem urbana e nas memórias afetivas dos habitantes da capital pernambucana. Elas homenageiam personagens e fatos históricos e têm muita história para contar”, afirma o professor de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Instituto Arqueológico, George Cabral.
Como citado na primeira matéria desta série, as pontes são como artérias para o Recife, uma vez que ligam as ilhas da cidade e auxiliaram no desenvolvimento econômico e estrutural da capital. Essas estruturas surgiram no Recife antes mesmo da chegada dos holandeses em Pernambuco, responsáveis por difundir as pontes na cidade, que já contava com estruturas de madeira que ligavam diversos canais.
Com o passar do tempo e ocupação dos holandeses, a “Veneza Brasileira” ganhou grandes pontes formadas por ferro e concreto, além de passar por um processo de aterramento. A grande primeira ponte que o Recife recebeu foi a atual Ponte Maurício de Nassau, que também é considerada a mais antiga da América Latina. Esta estrutura permitia uma conexão entre a vila portuária no istmo do Recife à ilha de Antonio Vaz, chamada na época de Cidade Maurícia (Mauritsstad).
Ponte Maurício de Nassau
Foto: Diógenes Montenegro/DP |
Após a Holanda invadir Pernambuco e enfrentar os primeiros anos de resistência e ocupação no estado, o conde João Maurício de Nassau foi nomeado pela Companhia Holandesa das Índias para administrar a localidade, em 1637. O conde realizou estudos e promoveu uma reforma urbanística no Recife seguindo em sentido da Ilha de Antônio Vaz (atual Santo Antônio), batizada de Cidade Maurícia.
A Ponte Maurício de Nassau, que hoje liga os bairros do Recife e Santo Antônio, começou a ser construída em 1642, após o Conde de Nassau perceber que a ilha já estava superlotada e que os terrenos da localidade estavam perdendo valor. Além disso, a ilha do Bairro do Recife sofria com o abastecimento de água na época e o transporte fluvial era lento, o que atrapalhava o desenvolvimento e condições dos moradores.
A ponte começou a ser levantada por 50 escravos e operários especializados na área, mas, como explica o historiador George Cabral “ao chegar no meio do leito do rio, o construtor não deu continuidade ao serviço por razões não completamente esclarecidas (fala-se em esgotamento dos recursos mas também em dificuldades técnicas). As obras atrasaram e custaram mais do que o previsto. Nassau empenhou-se pessoalmente na conclusão da obra, que foi complementada com pilares de madeira”.
O professor da UFPE conta que o Conde de Nassau teria convidado os moradores para cruzar a ponte para o lado de Santo Antônio para assistir um espetáculo em que um boi voaria.
“As pessoas cruzaram a ponte pagando pedágio. Mas ficaram frustradas porque o que ‘voou’ foi uma carcaça de boi (ou um boi de verdade, segundo alguns) atado a um cabo esticado entre dois pontos”, detalha.
Quando inaugurada, a Ponte Maurício de Nassau tinha quase o dobro do comprimento atual e tinha início no cruzamento da avenida Marquês de Olinda com a rua Madre de Deus e ia até o cruzamento das ruas Primeiro de Março com a Imperador D. Pedro II.
George Cabral explica que uma segunda ponte foi construída na década de 1730, aproveitando os pilares de pedra da primeira. Esta contava com 60 pequenas lojas (as casinhas da ponte) ao longo de sua extensão, divididas pelos dois lados. Uma terceira ponte foi construída em 1865 em ferro e se assemelhava muito a atual ponte da Boa Vista.
Já a atual ponte em concreto armado foi inaugurada pelo governador Manoel Borba em 1917. Nas suas cabeceiras estão quatro figuras em ferro fundido feitas em Paris representando a Agricultura, o Comércio, a Justiça e a Sabedoria.
“Na inauguração em 1917, em cada um dos quatro pilares das imagens foram colocadas placas de bronze com textos do Instituto Arqueológico com informações sobre a história do local. Três das quatro placas de bronze foram furtadas nos últimos anos. Infelizmente, apenas uma foi recuperada”, conta George.
Ponte Duarte Coelho
Foto: Arquivo/DP/D.A Press |
A ponte Duarte Coelho é também uma das pontes mais importantes do Recife e faz a ligação entre a Avenida Conde da Boa Vista e a Avenida Guararapes. Ela foi construída em 1868 e era composta somente por ferro, servindo de suporte ao transporte ferroviário de trens urbanos.
O historiador George Cabral explica que a estrutura era utilizada para passagem das maxambombas, veículos sobre trilhos movidos a vapor que integravam o pioneiro serviço de transporte urbano ferroviário do Recife. Era por isso chamada de “Ponte da Maxambomba” ou “Ponte da Maxambomba de Caxangá”, que era o destino da linha.
“A ponte tinha uma curiosidade: era curva, uma vez que sua cabeceira na banda de Santo Antônio estava nas proximidades do Liceu de Artes e Ofícios. Essa ponte original era de ferro e se encontrava em péssimo estado de conservação nos anos 1910”, comenta George Cabral.
O historiador explica que, diante do estado precário em que se encontrava, a ponte foi desmontada e vendida como ferro velho. “A atual ponte Duarte Coelho foi construída na década de 1940, em concreto armado, após a reforma urbana que deu origem a Avenida Guararapes e ao alargamento da avenida Conde da Boa Vista”, complementa.
Atualmente a Ponte Duarte Coelho reúne milhares de foliões todos os anos durante o período de Carnaval, pois abriga a estátua do Galo da Madrugada, maior bloco carnavalesco do mundo.
“Durante muitos anos o desfile do Galo da Madrugada vinha pela rua da Concórdia e entrava na Guararapes pelo lado que dá para a ponte Duarte Coelho, fazendo sua apoteose. Surgiu daí a ideia de instalar o famoso galo nessa ponte, proporcionando um espetáculo visual para quem acompanha o desfile do bloco e também impressionantes imagens aéreas com a multidão de foliões na Guararapes e as embarcações no rio Capibaribe”, detalha o professor da UFPE.
Ponte Princesa Isabel
Foto: Arquivo/DP/D.A Press |
Assim como a Ponte Duarte Coelho, a Ponte Princesa Isabel era feita de ferro e foi construída em 1864. Ela abrigava tubulações que levavam as águas encanadas pela Companhia do Beberibe para os bairros de Santo Antônio e do Recife, cruzando outra ponte de ferro que existiu no local onde hoje está a ponte Buarque de Macedo.
A ponte passou por reformas ao longo dos anos e na década de 1940 uma nova estrutura de concreto armado foi construída. Além de ser utilizada por veículos, foi usada como passarela para o desfile de agremiações e corsos carnavalescos.
“Também foi testemunha de momentos importantes da história política, uma vez que é a conexão mais rápida entre a Assembleia Legislativa e o Palácio do Campo das Princesas, sede do executivo estadual”, pontua George Cabral.
O historiador explica, ainda, que “as primeiras referências a esta ponte com o nome de Princesa Isabel aparecem nos jornais pernambucanos a partir de 1930. Antes a ponte era chamada de Santa Isabel. A Princesa Isabel era a filha mais velha do imperador Pedro II e teria sucedido o trono brasileiro não fosse a Proclamação da República em 1889”.
Segundo ele, a historiografia oficial brasileira deu a Princesa Isabel o epíteto de “a Redentora” por ela ter assinado em 13 de maio de 1888 a Lei Áurea que aboliu a escravidão no Brasil.
O Recife possui mais de 50 pontes que contribuem diariamente para o funcionamento da cidade. Na próxima matéria serão abordadas histórias curiosas sobre a Ponte Giratória, Ponte da Torre e a Ponte Buarque de Macedo.
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