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ENTREVISTA

'Não podemos fechar os olhos e os corações', diz Dom Marto em entrevista exclusiva para o Diario

Publicado: 12/10/2022 às 11:50

/Foto: São de Joaquim Dâmaso/Região de Leiria

/Foto: São de Joaquim Dâmaso/Região de Leiria

Bispo emérito da Diocese portuguesa de Leiria-Fátima, onde são atribuídas as aparições de Nossa Senhora em 1917, Dom António Marto foi criado cardeal pelo papa Francisco no Consistório de 28 de junho de 2018. Recebeu o título cardinalício na Basílica de Santa Maria, onde existem as fundações de um templo dedicado à deusa egípcia Ísis, incorretamente identificada com a deusa greco-romana Minerva. Considerado sobrinho dos videntes de Fátima, já canonizados, diz que o sobrenome é apenas uma feliz coincidência.

Enviado especial do Vaticano para o 18º Congresso Eucarístico Nacional do Brasil, que acontecerá na Arquidiocese de Olinda e Recife de 11 a 15 de novembro deste ano (já há várias atividades em andamento),  o cardeal Marto aceitou falar com exclusividade para o Diario de Pernambuco, em cooperação com o jornal português Região de Leiria.

ENTREVISTA - Dom António Marto // bispo emérito da Diocese portuguesa de Leiria-Fátima

DIARIO - Quais os motivos que levaram o Recife a ser escolhido para receber o Congresso Eucarístico Nacional?

DOM MARTO - Os congressos eucarísticos têm uma longa caminhada. No Brasil houve dezessete congressos eucarísticos. A Arquidiocese de Olinda e Recife que já sediou o III Congresso Eucarístico Nacional em 1939  e foi de novo escolhida pela Conferência Episcopal do Brasil para sediar o XVIII Congresso em 2020. Por causa da pandemia da Covid-19, a sua realização teve de ser adiada para 2022.

DIARIO - Com o tema, “Pão em todas as mesas”, e lema: “Repartiam o pão com alegria e não havia necessitados entre eles”, (At 2,46), qual a mensagem que a Igreja deseja transmitir?

DOM MARTO - Tanto o tema (Pão para todas as mesas) como o lema (Todos partiam o pão e não havia necessitados entre eles) salientam a dimensão social e profética da Eucaristia, a ceia do Senhor, como mesa aberta a todos e como sacramento da partilha (o pão partido) e da justiça econômico social. Neste sentido, o Congresso pode indicar um estilo de vida cristã que possa contribuir para que o mundo se organize de um modo novo, que garanta pão em todas as mesas. O alimento da Eucaristia é sacramento (sinal e instrumento) da presença de Jesus que reparte conosco o pão da vida, ou seja, a sua vida e o seu amor. Ele nos pede que também nós, como Igreja, nos esforcemos por partilhar o pão nosso de cada dia, para que não falte o sustento do pão, do amor, da acolhida, da fraternidade, da solidariedade, da cultura, da dignidade, da paz em todas as mesas, em todas as casas.

DIARIO - Como ressaltar a dimensão espiritual da eucaristia, diante das missas online, propagadas no período de pandemia e que continuam frequentes?

DOM MARTO - No período da pandemia havia uma justificação de peso para frequentes transmissões das missas online. Hoje só se justifica por causa dos doentes ou muito idosos que não podem participar presencialmente. Mas a regra é que a eucaristia se celebra em comunidade e a comunidade cresce em redor da mesa da eucaristia. Não há nada que substitua a presença e o encontro pessoais.

DIARIO - O último consistório foi marcado pela chegada de cardeais alinhados ao perfil renovador do papa Francisco, em sua opinião o novo papa será de continuidade ou de novas mudanças?

DOM MARTO - O último consistório dos cardeais tratou exclusivamente da Constituição Apostólica sobre a reforma da Cúria Romana como instituição ao serviço do ministério do papa e das Igrejas locais de cada país numa perspectiva de evangelização do mundo atual e da renovação da Igreja. Os cardeais agradeceram ao papa Francisco essa reforma, dando-lhe o seu aval e encorajando-o a seguir em frente. Não esteve de nenhum modo no horizonte a possibilidade de um conclave próximo para eleger novo papa.

DIARIO - Qual a mensagem do papa que o senhor traz para a Igreja no Brasil, em especial a de Olinda e Recife?

DOM MARTO - O Santo Padre não me entregou uma mensagem específica para este congresso. Mas procuro fazer-me intérprete do seu pensamento muito conhecido, sobretudo na última encíclica Fratelli Tutti (Todos Irmãos). Neste sentido e tendo presente o tema do congresso, eu diria que não podemos fechar os olhos e o coração aos irmãos e irmãs empobrecidos por um sistema social injusto que, como adverte o papa Francisco, exclui e mata. A ordem de Jesus, que na Eucaristia nos reúne como irmãos e se dá a nós com todo o seu amor, é que aceitemos nos deter diante da multidão de empobrecidos e nos solidarizemos com os pobres e os feridos em cujo caminho humano nos colocamos. Só a partir desta sensibilidade nos podemos abeirar da Eucaristia como da ceia de Jesus, ceia de comunhão e inclusão.

DIARIO - O Santuário de Fátima, um dos mais importantes santuários marianos do mundo e de maior destino internacional de turismo religioso, é muito visitado pelos brasileiros todos os anos. Como o senhor enxerga essa devoção do nosso povo a Nossa Senhora de Fátima?

DOM MARTO - Já tive ocasião de ver ao vivo a devoção do povo brasileiro a Nossa Senhora de Fátima quer quando estive em Aparecida oferecendo ao santuário uma imagem levada daqui, quer ao verificar o grande número de grupos de peregrinos do Brasil aqui em Fátima. Penso que os migrantes portugueses levaram esta devoção para o Brasil. Mas a própria mensagem de Nossa Senhora em Fátima tem uma força de atração muito forte que toca os corações porque é uma mensagem de misericórdia, de consolação, de esperança e de paz para um mundo ferido e ameaçado pela guerra.

DIARIO - O Recife também tem um santuário arquidiocesano dedicado a Nossa Senhora de Fátima. O senhor pretende visitá-lo? Há algum projeto de parceria previsto entre esses dois santuários?

DOM MARTO - Estou convidado a celebrar no Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora de Fátima no dia 12 de novembro. Não está previsto algum projeto de parceria entre os dois santuários do Recife e de Fátima.
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