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EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE

Educação sobre diversidade sexual: um caminho para erradicar a violência de gênero

Publicado em: 02/08/2021 07:00

 (Foto: Pixabay)
Foto: Pixabay
Recentemente, Pernambuco testemunhou uma onda de transfeminicídios, ou seja, homicídios de pessoas trans cometidos por motivo de ódio, por violência de gênero. Dentro de aproximadamente um mês, Roberta Nascimento Silva, 33 anos, Crismilly Pérola, 37 anos, Kalyndra Selva Guedes Nogueira da Hora, 26 anos, no Recife, e Fabiana, de 30 anos, em Santa Cruz do Capibaribe, eram pernambucanas trans assassinadas nos meses de junho e julho. 

Uma das ferramentas mais importantes que temos para lutar contra esse tipo de violência que, como já está claro há muito tempo, tira a vida de muitas pessoas (a expectativa de vida de pessoas trans é de somente 35 anos), é a educação, nas escolas, voltada ao respeito e tolerância à diversidade sexual e de gênero. Diferentemente do que se acredita muitas vezes no senso comum, aprender sobre sexualidade não significa aprender a fazer sexo e protege as crianças e jovens de situações de abuso sexual, além de dar-lhes ferramentas para comunicar quando esse tipo de violência acontece. 

Sylvia Siqueira, 39, é ativista de Direitos Humanos, diretora-executiva da organização Nossa América Verde e, em suas palavras, “cria de uma organização com praticamente 30 anos”, o Movimento Infantojuvenil de Reivindicação Mirim Brasil, voltado à defesa dos direitos e à educação de crianças e adolescentes. Ela explica que na infância as crianças começam a descobrir seu corpos a partir dos sentidos, a passar por mudanças hormonais e precisam de informações para saber diferenciar o toque que representa carinho e cuidado de uma situação violenta, num processo lento que precisa ser constantemente trabalhado pelas famílias. 

“Só que muitas agressões sexuais contra crianças e adolescentes ocorrem dentro de casa. A escola e outras instituições que cuidam de crianças e adolescentes precisam estar atentas. A escola também deve ter esse papel do ensino da sexualidade, do corpo, principalmente do ensino do limite do carinho, da importância de dizer não, da relação de confiança que meninas e meninos têm que estabelecer com os adultos com quem convivem para verbalizar coisas que viveram e não gostaram”, disse ela.

Sylvia destaca também que numa sociedade onde a sexualidade é um produto de publicidade e também um tabu, a falta de uma educação sexual para a população cria desvios na formação do caráter das pessoas que as levam a experimentar sexualidade de maneira violenta. A mudança desse cenário, na opinião dela, que além de ter experiência em educação é uma mulher bissexual, passa pelas escolas, que precisam educar as crianças e também dialogar com suas famílias, mas também depende muito fortemente de uma ação efetiva do poder público em todas as suas esferas.

“Todo mundo tem responsabilidade de parar com a violência contra pessoas que não-heteronormativas. Escolas precisam criar espaços de conversa com pais, mães e responsáveis, o poder público precisa ter campanhas permanentes sobre respeito. Não é só a escola que vai mudar o que os pais pensam. Eles passaram décadas vendo a sociedade dessa forma, não vai ser numa reunião que isso vai mudar, pode criar até rejeição à escola. Quando temos governos, da Presidência até Prefeituras que não assumem essa responsabilidade pela educação, por não admitir que esse tipo de violência aconteça, estão sendo coniventes para permitir que essa violência se perpetue”, afirmou Sylvia.

No entanto, ela aponta que há grandes desafios nesse processo para além da imobilidade das estruturas de poder do Estado e resistência de familiares. As próprias escolas, muitas vezes pautadas por discursos religiosos e filosofias confessionais, segundo Sylvia, criam na mente das crianças uma imagem deturpada sobre a diversidade sexual e de gênero. Ela lembra, por exemplo, o caso da escola Eccoprime, que fez postagens contrárias a uma peça publicitária do Burguer King que trazia crianças explicando o que significa ser LGBT, como um exemplo de atitude nociva.

“A educação precisa estar acima de qualquer religião, porque se não vamos criar uma sociedade doente como essa em que a gente vive, que coloca a identidade de gênero e a sexualidade das pessoas como doença ou desvio de caráter, não reconhece a existência daquela pessoa. Ressalta a necessidade da gente criar processos que olhem pras escolas públicas e principalmente privadas de classe média alta, para que elas cumpram o que é preconizado pelo Plano Nacional de Educação, pelo Marco Regulatório da Educação do Estado de Pernambuco. Em todos eles, um ponto que não se deve transgredir é o respeito à orientação sexual das pessoas. Isso não deve, portanto, estar atrelado à religião. Só por isso a Eccoprime deve ter a permissão para funcionar como instituição de ensino revista”, afirmou Sylvia. 
 
Silvia Siqueira explica a importância da atuação conjunta entre educação, família e poder público para promover a tolerância (Reprodução/Instagram)
Silvia Siqueira explica a importância da atuação conjunta entre educação, família e poder público para promover a tolerância (Reprodução/Instagram)
 
 
Resistência institucional, retaliação e preconceito 
 
Essa realidade de resistência institucional nas escolas e repressão às tentativas de abordagem de temas de diversidade é relatada pelo estudante de licenciatura em Letras Byron Batista Albuquerque, de 27 anos, que é um homem trans e já teve experiências muito negativas em sala de aula nos estágios que fez como professor. 

“No Ensino Fundamental e Médio em escolas particulares, [professores] são coagidos a não levar outras perspectivas para as aulas, geralmente pelo direcionamento religioso da própria instituição. Os professores são punidos com diminuição de salário e demissão. Como professor de Língua portuguesa, já tive textos que tratavam sobre novos formatos de família censurados e uma atividade minha em que seria levada a discussão a música ‘Toda forma de amor’ de Lulu Santos, foi cancelada”, contou ele. 

A transfobia no ambiente escolar também já se mostrou como obstáculo na vida profissional do jovem. “Uma das minhas primeiras experiências foi de rejeição, após todos os processos seletivos, na qual havia sido aprovado em todos, recebi a negativa após levar meus documentos para assinar o contrato. Também já fui afastado após duas aulas, porque uma mãe havia levou até a coordenação o fato dela ter percebido um volume ‘estranho’ na área do peito. É muito difícil estar dentro mercado de trabalho sendo LGBTQIA, sendo trans, mais especificamente, pois ainda somos tratados como anormais, doentes, abominações, como já ouvi de uma coordenadora”, contou Byron. 

Apesar de todos os obstáculos e pesares, ele segue acreditando na importância de levantar esses debates e busca levar as discussões sobre tolerância e diversidade sempre que consegue aos alunos que cruzam seu caminho. “Se essa discussão já tivesse ocorrido em gerações passadas, teríamos um número muito menor de indivíduos cheios de preconceitos”, completou. 
 
Byron teve tetos e atividades censuradas e escolas no Recife ao tratar de diversidade (Foto: Arquivo Pessoal)
Byron teve tetos e atividades censuradas e escolas no Recife ao tratar de diversidade (Foto: Arquivo Pessoal)
 
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