Vida Urbana

Isaac, os pais, João Andrade e Chico, e o irmão, João Henrique/Foto: Rômulo Chico/Esp. DP
Os modelos de família foram construídos de acordo com os períodos da história e fases da sociedade. Com a Revolução Industrial, do século 18, o formato de família patriarcal, que tem o homem como o 'chefe' do núcleo familiar, deixou de ser o único na prática, uma vez que as mulheres se introduziram na indústria. Ao longo do tempo, outras bases familiares foram construídas. Algumas delas, diante de ausências que custam caro. Outras, despertadas pelo desejo de se doar ao outro.
Empatia, respeito, acolhimento e afeto são pilares que condicionam a formação de um núcleo familiar e são lembrados especialmente neste sábado (15), quando é celebrado o Dia Internacional da Família. No lar onde vivem Francisco Lacerda e João Andrade esses laços já existiam, mas tiveram que ser expandidos, assim como as concepções sobre o mundo. Os dois estão juntos desde 2005, quando a vida de ambos se direcionava à rotina de trabalho, lazer em casal e entre amigos. Dez anos depois, novos planos foram acionados por ambos, que viram suas vidas mudarem da água para o vinho. Chico, como é conhecido, e João, são pais de Isaac e João Henrique, de 13 e 10 anos de idade, respectivamente.
O casal acionou a Vara de Infância e Juventude e deu início ao processo de adoção em 2015. Durante o processo de espera, que durou cerca de um ano, eles participaram de uma preparação psicossocial e jurídica, que é um procedimento de praxe no processo de adoção, e reuniões do Grupo de Estudos e Apoio a Adoção (GEAD), até serem aceitos como pretendentes.
Em janeiro de 2016, Chico e João começaram o processo de visitação. Após quatro visitas ao abrigo, eles receberam João Henrique e Isaac em casa, no período, cada um com 5 e 7 anos. Depois dessa etapa, a família passou por um período de 30 dias de adaptação para, então, a adoção ser confirmada de forma definitiva. "A gente estava num relacionamento em que pensávamos em nós, mas tivemos que ampliar isso. Muito do pensamento individual teve que ser repensado, incluindo eles na equação e pensando no futuro deles e para além disso", diz Chico, que é professor no curso de Rádio, TV e Internet da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Empatia, respeito, acolhimento e afeto são pilares que condicionam a formação de um núcleo familiar e são lembrados especialmente neste sábado (15), quando é celebrado o Dia Internacional da Família. No lar onde vivem Francisco Lacerda e João Andrade esses laços já existiam, mas tiveram que ser expandidos, assim como as concepções sobre o mundo. Os dois estão juntos desde 2005, quando a vida de ambos se direcionava à rotina de trabalho, lazer em casal e entre amigos. Dez anos depois, novos planos foram acionados por ambos, que viram suas vidas mudarem da água para o vinho. Chico, como é conhecido, e João, são pais de Isaac e João Henrique, de 13 e 10 anos de idade, respectivamente.
O casal acionou a Vara de Infância e Juventude e deu início ao processo de adoção em 2015. Durante o processo de espera, que durou cerca de um ano, eles participaram de uma preparação psicossocial e jurídica, que é um procedimento de praxe no processo de adoção, e reuniões do Grupo de Estudos e Apoio a Adoção (GEAD), até serem aceitos como pretendentes.
Em janeiro de 2016, Chico e João começaram o processo de visitação. Após quatro visitas ao abrigo, eles receberam João Henrique e Isaac em casa, no período, cada um com 5 e 7 anos. Depois dessa etapa, a família passou por um período de 30 dias de adaptação para, então, a adoção ser confirmada de forma definitiva. "A gente estava num relacionamento em que pensávamos em nós, mas tivemos que ampliar isso. Muito do pensamento individual teve que ser repensado, incluindo eles na equação e pensando no futuro deles e para além disso", diz Chico, que é professor no curso de Rádio, TV e Internet da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

De acordo com dados divulgados pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em outubro do ano passado, 30.982 crianças e adolescentes estavam em espaços de acolhimento, sendo 5.154 aptas a serem adotadas. No entanto, para encarar o processo de adoção é necessário estar ciente de que mudanças vão acontecer e o período de adaptação varia de uma criança para a outra, como de um pai para outro.
"Isaac, que é o mais velho, sempre foi mais reservado com o fato de ter dois pais. A gente sentiu que ele tinha dificuldade de contar isso, acho que ele já trazia uma carga que fazia com que ele julgasse aquilo que uma outra forma", conta Chico, também ao destacar a importância do papel cumprido pela atual escola das crianças e do filho caçula na desconstrução diária do mais velho.
"Existem, na escola, crianças com duas mães. Na sala de Isaac, existem mais duas outras crianças que foram adotadas, também tem muitas crianças negras. Estar nesse universo foi ajudando ele a naturalizar mais a situação onde ele está. O irmão mais novo ajudou muito também, porque apresentava a gente sem problema nenhum (como os pais dele), então o próprio Isaac foi desconstruindo isso".

Com a chegada da pandemia da Covid-19, a rotina da família, como a de tantas outras, foi modificada. Sem as saídas rotineiras, a alternativa foi recorrer a atividades que possam ser feitas em casa, mas que, a partir de momentos compartilhados, simbolizam a construção de novos laços diários e o companheirismo entre pais e filhos.
"Começamos a investir em jogos de tabuleiros. Antes de dormir, tem histórias, conversas. Nas refeições, a gente tenta focar como um momento de estarmos juntos, todo mundo sentado na mesa, conversando e comendo. É achar esses espaços para estarmos juntos e entendendo como eles estão crescendo".
Isaac e João Henrique têm duas irmãs de sangue, uma de 9 e outra de 19 anos. As meninas frequentam a casa da família e mantêm contato direto com os irmãos. Chico e João auxiliam financeiramente a irmã mais velha das crianças, pagando o aluguel da casa onde ela reside com a avó paterna (que não é avó de sangue dos meninos).
"A gente começa a sair desse vínculo que éramos eu e João, e começamos a lidar com outras realidades e a manter esse contato. A paternidade abriu o que tínhamos como núcleo e agora começou a ser composto por várias outras pessoas".
"Razão para viver"
No mesmo ano em que Chico e João entraram na Vara para dar início ao processo de adoção, Maria Luiza Mendonça e Lays Souza começaram um relacionamento. Dentro de uma história que tem como base a amizade, companheirismo e o amor, elas estão juntas há seis anos, e selaram a união perante a lei em janeiro de 2021, em meio aos percalços trazidos pela pandemia da Covid-19.

Mas foi realmente em 2019, quando o sonho da maternidade começou a ser colocado em prática, que a história de vida do casal sofreu uma reviravolta. Em maio daquele ano, o casal iniciou uma preparação psicológica, financeira e clínica de quase um ano para, então, receber Maria Laura. "Foi mais uma ilusão, porque a gente nunca está preparada. Achávamos que iria ser tranquilo, mas quando nasceu, tudo foi desconstruído", diz Lays, entre risos.
A supervisora administrativa de 32 anos conta que a esposa iniciou o processo de inseminação artificial no dia 8 de fevereiro de 2020, e ambas ficaram na espera pelo resultado. Mas a ansiedade falou mais alto e elas resolveram fazer o primeiro teste antes do prazo delimitado. O resultado deu negativo. Apesar da frustração, mal sabiam elas que a surpresa já tinha data marcada. "Quando ela fez o teste no dia do meu aniversário, o resultado deu positivo. Eu quase caí para trás. Aconteceu desse presente chegar bem no dia 23 de fevereiro. Desde esse dia, a gente mudou completamente", acrescenta Lays.

Os momentos de êxtase logo foram divididos com os contratempos do próprio período de gestação e também os enfrentados em decorrência da pandemia da Covid-19 - iniciada praticamente um mês após a descoberta da gravidez. Ao contrário do que muitos pensam ainda hoje, o ciclo gestacional aciona na mulher um turbilhão de sentimentos, que envolve dores, ansiedade, e mudanças de fase. Esse período, portanto, precisa ser melhor compreendido e menos desenhado como um ciclo imaculado, como atesta Maria Luiza.
"Se eu disser que foi fácil, eu vou estar mentindo. Em tempos normais, a gente tem a presença da mãe, da sogra, a família se sente junto sonhando com você para ajeitar o quarto e eu não pude ter isso por conta da pandemia. Quando resolvemos ter Laura, a pandemia ainda não tinha chegado ao Brasil e ninguém imaginava que teria toda essa proporção. A gente ia ao médico com medo de pegar alguma coisa e transmitir para ela. O medo foi presente nos 9 meses de gestação e ele existe até hoje, porque o risco permanece iminente".
No momento da entrevista, que foi realizada na quinta-feira (13) por telefone, Maria Luiza estava se recuperando da Covid-19. A supervisora comercial, 29, terminou o período de quarentena somente ontem, quando completou os 14 dias de repouso. O diagnóstico positivo para a doença impediu que a família vivenciasse, presencialmente, a primeira homenagem de Dia das Mães depois do nascimento de Laura, que hoje, aos seis meses de vida, frequenta o berçário Ludi Magister, em Bairro Novo, Olinda, local onde as mães relatam terem sido muito bem acolhidas.

Já pensando nos desafios que esperam a família, Lays explica que algumas famílias, além da preocupação corriqueira com as questões que envolvem a criança, encaram uma espécie de preparação que vai além, diante das mazelas que ainda cercam a sociedade.
"O maior presente das nossas vidas foi o nascimento dela. Não tem explicação, principalmente na condição de duas mães, que é bem mais difícil por conta do preconceito, mas ela tem que saber que é natural ter duas mães". Com firmeza, a mãe complementa.
"O maior desafio, daqui para frente, é sabermos educa-la da melhor forma para ela lidar com esse mundo cão aí fora. É tudo para ela e tudo por ela, que chegou para preencher tudo aquilo que poderia estar vazio. É como se a vida tivesse dado uma reviravolta, é uma razão para viver", exclama, antes de concluir em tom bem humorado.
"Nossa família começou agora, mas eu quero ter mais filhos, dois, três. Eu gosto de família grande".
Afetividade que transcende
O significado de família vai muito além dos escritos datados no dicionário. Também ultrapassa qualquer instância física. Mesmo assim, é imprescindível não silenciar a ausência paterna deliberada, assim como não romantizar a luta diária por dignidade que milhares de mães e filhos enfrentam no Brasil diante da realidade de abandono.
De acordo com o último senso divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem 11,6 milhões de mães solo. A telefonista Jéssica Monteiro, de 28 anos, é uma delas. Ela dá duro todos os dias para cuidar sozinha do pequeno Ruan Gabriel, de sete anos.

Além da negligência, a moradora do Ibura, na Zona Sul do Recife, teve que lidar com as complicações da gestação em decorrência do alto nível de estresse que tinha com o ex-companheiro, chegando a correr o risco de perder o bebê, que nasceu prematuro em um parto de urgência. Como se não bastasse, Jéssica ainda precisou custear um exame de DNA (R$ 450) "para provar" que o filho é do ex-namorado, cujo prefere não revelar o nome.
A telefonista já entrou três vezes na Justiça contra o pai da criança. Todas elas envolveram questões de regularização de visitas, pagamento de pensão ou atraso no pagamento do benefício, hoje no valor de R$ 200, e que já chegou a atrasar por seis meses, segundo ela. Entre os vários problemas enfrentados, a mãe ainda precisa procurar forças para atuar como amenizadora das violências psicológicas sofridas por ela e pelo filho ao longo desses anos.
"A pior, cena para mim, foi no Dia dos Pais de 2019. Tem uma camisa aqui em casa que está mofada, que eu comprei porque meu filho pediu para dar de presente ao pai. A camisa está aqui até hoje, porque ele prometeu que viria, meu filho ficou arrumado, dormiu no sofá esperando e ele não apareceu". Segundo Jéssica, essa foi uma das tantas vezes que a situação se repetiu. Quando com menos idade, ela conta que a criança teve febre emocional quatro vezes após as promessas de visita do pai.
"É algo muito traumatizante para a criança. Para a gente é pesado também, porque tentamos suprir uma ausência que não é nossa. Eu não sou o tipo de pessoa que tenta suprir ausência com presente, eu prefiro sentar, conversar, explicar. Sempre pergunto se está faltando alguma coisa para ele, se ele é feliz, se gosta de viver comigo. Ele olha para mim e diz: 'eu amo, mamãe, você é tudo na minha vida'", diz, num tom misto de revolta e orgulho.
Após três anos sem ver o filho, Jéssica conta que o pai do menino ligou se desculpando e prometendo se fazer presente na vida da criança. Até que, depois, após não cumprir, chegou ao ponto de culpar a mãe pela negligência que ele próprio tem com o filho. "A última fala dele foi dizendo que eu estava afastando ele do filho, que a culpa era minha e que quando Ruan crescer e quiser falar com ele, o procurasse".

Depois da separação de ambos, o pai de Ruan engatou num relacionamento com Gabriela dos Santos, como quem teve Giovanna, hoje com seis anos de idade. Das poucas vezes que ele teve contato com o filho, Jéssica relembra que a moça era quem cuidava de Ruan. Foi quando a família da telefonista expandiu.
"Eu via que a iniciativa não era do pai, era dela. Eu percebi que era um sentimento muito grande que ela tinha por Ruan. Quando eles terminaram, a gente combinou de sair para ele e Giovanna terem um vínculo de irmãos e não se afastarem. No início era por eles". O vínculo foi crescendo até que ambas se tornaram amigas.
"Quando eu vi Ruan pela primeira vez, foi amor à primeira vista", diz Gabi, como é chamada por Jéssica e por Ruan. Ela enfrentou dificuldades similares depois que se separou do pai das crianças. Chegou a entrar na Justiça quatro vezes contra ele e hoje a filha recebe uma pensão de R$ 250.
A enfermeira tem a guarda unilateral da criança. Ela conta que ele é menos ausente na vida de Giovanna. Às vezes liga, às vezes visita. Ainda assim, são migalhas. Ele tem direito a levar a menina para casa uma vez por mês, mas não o faz, segundo relata Gabriela.

O reconhecer-se no outro pode impulsionar a construção de afetos capazes de amenizar tais traumas. Para Jéssica, a relação de irmã que ela construiu com Gabriela e de uma segunda mãe com Giovanna, forma uma espécie de simbiose sobre o que representa uma família.
"Eu descobri que família não precisa ter o mesmo sangue. Ruan é tão rodeado de amor por mim, pela outra mãe, pela irmã, pelos meus pais. A família dele é essa". Em mesmo tom, Gabriela completou.
"O amor quebra barreiras. Eu fiz da minha família, a dela. Eu fiz da família dela, a minha. É aquela velha história, vai onde não há amor e ama. Ela sempre falava que queria ser mãe de menina e eu que queria ser mãe de menino, e a gente adotou uma o filho da outra. O respeito e o amor transformam, isso que fez da gente uma família".
Ressignificação
O consultor financeiro de investimentos, Paulo Henrique da Silva, 34, vem encarando uma ausência diferente. Em fevereiro deste ano, ele e a esposa viajaram a Fortaleza para a abertura da loja de roupas dela. Na viagem, Shirley Oliveira pegou a Covid-19. Os sintomas começaram a aparecer dois dias antes do retorno a Pernambuco. Dores no corpo, febre, tosse e problemas respiratórios foram alguns deles. Todos da casa também foram diagnosticados com o vírus, inclusive o filhinho do casal, Heitor Henrique, de apenas um ano e três meses.

No final de fevereiro, Shirley foi internada em uma unidade hospitalar de Olinda, por conta de complicações provacadas pelo novo coronavírus. Nesse mesmo período, a mãe dela também foi internada com a doença no mesmo local. Paulo conta que, mesmo no hospital, a esposa disse estar ótima. Ele foi para um hotel como forma de se isolar e pediu que ela avisasse quando recebesse alta médica para ele ir buscá-la. Mas esse dia não chegou.
Após um dia na unidade, Shirley foi intubada e cerca de 13 dias depois na UTI, faleceu, aos 36 anos. Ela não tinha comorbidades. A mãe dela, por outro lado, saiu do hospital uma semana depois, ocasião em que soube da morte da filha.
"Ela era muito linda, alegre. Uma pessoa que você se sentia bem convivendo com ela, porque era extremamente divertida. Vai fazer falta pelo resto da vida. Vai aparecer outra pessoa, eu posso amar, mas eu nunca vou esquê-la. O amor que eu tenho por ela, agora, é um amor que não é mais de homem e mulher, é mais do que isso", diz Paulo, que logo continua.
"Ela se foi num momento em que ela estava mais realizada na vida. Ela pediu tanto essa loja a Deus que ele deu a oportunidade de ela ver que iria acontecer. A gente organizou em dez dias coisa que era para organizar em meses, fechamos contrato com costureiras que vão fabricar, aluguel".

Além da inspiração na esposa, o pai solo vem encontrando outro motivo para seguir em frente, apesar da dor incessante que ainda aperta o peito. "Quando eu olho para ele, eu vejo alguns trejeitos que ela tem. No Dia das Mães, eu acordei péssimo, meu filho tem um ano e três meses, como eu iria explicar isso? Mas tem que ter muita fé. Eu agradeço demais à minha família e amigos, que me ajudam mil porcento. Eu não tenho opção de ter luto, de ficar depressivo, porque ele depende de mim. Seria muito egoismo da minha parte".
"Hoje eu tenho uma missão que é o meu filho e minha enteada, que dependem de mim. Eu vou tocar esse projeto por ela, por mim, e por eles, e sei que ela vai estar olhando por eles de onde estiver. É isso que eu peço".
"Isaac, que é o mais velho, sempre foi mais reservado com o fato de ter dois pais. A gente sentiu que ele tinha dificuldade de contar isso, acho que ele já trazia uma carga que fazia com que ele julgasse aquilo que uma outra forma", conta Chico, também ao destacar a importância do papel cumprido pela atual escola das crianças e do filho caçula na desconstrução diária do mais velho.
"Existem, na escola, crianças com duas mães. Na sala de Isaac, existem mais duas outras crianças que foram adotadas, também tem muitas crianças negras. Estar nesse universo foi ajudando ele a naturalizar mais a situação onde ele está. O irmão mais novo ajudou muito também, porque apresentava a gente sem problema nenhum (como os pais dele), então o próprio Isaac foi desconstruindo isso".

Com a chegada da pandemia da Covid-19, a rotina da família, como a de tantas outras, foi modificada. Sem as saídas rotineiras, a alternativa foi recorrer a atividades que possam ser feitas em casa, mas que, a partir de momentos compartilhados, simbolizam a construção de novos laços diários e o companheirismo entre pais e filhos.
"Começamos a investir em jogos de tabuleiros. Antes de dormir, tem histórias, conversas. Nas refeições, a gente tenta focar como um momento de estarmos juntos, todo mundo sentado na mesa, conversando e comendo. É achar esses espaços para estarmos juntos e entendendo como eles estão crescendo".
Isaac e João Henrique têm duas irmãs de sangue, uma de 9 e outra de 19 anos. As meninas frequentam a casa da família e mantêm contato direto com os irmãos. Chico e João auxiliam financeiramente a irmã mais velha das crianças, pagando o aluguel da casa onde ela reside com a avó paterna (que não é avó de sangue dos meninos).
"A gente começa a sair desse vínculo que éramos eu e João, e começamos a lidar com outras realidades e a manter esse contato. A paternidade abriu o que tínhamos como núcleo e agora começou a ser composto por várias outras pessoas".
"Razão para viver"
No mesmo ano em que Chico e João entraram na Vara para dar início ao processo de adoção, Maria Luiza Mendonça e Lays Souza começaram um relacionamento. Dentro de uma história que tem como base a amizade, companheirismo e o amor, elas estão juntas há seis anos, e selaram a união perante a lei em janeiro de 2021, em meio aos percalços trazidos pela pandemia da Covid-19.

Mas foi realmente em 2019, quando o sonho da maternidade começou a ser colocado em prática, que a história de vida do casal sofreu uma reviravolta. Em maio daquele ano, o casal iniciou uma preparação psicológica, financeira e clínica de quase um ano para, então, receber Maria Laura. "Foi mais uma ilusão, porque a gente nunca está preparada. Achávamos que iria ser tranquilo, mas quando nasceu, tudo foi desconstruído", diz Lays, entre risos.
A supervisora administrativa de 32 anos conta que a esposa iniciou o processo de inseminação artificial no dia 8 de fevereiro de 2020, e ambas ficaram na espera pelo resultado. Mas a ansiedade falou mais alto e elas resolveram fazer o primeiro teste antes do prazo delimitado. O resultado deu negativo. Apesar da frustração, mal sabiam elas que a surpresa já tinha data marcada. "Quando ela fez o teste no dia do meu aniversário, o resultado deu positivo. Eu quase caí para trás. Aconteceu desse presente chegar bem no dia 23 de fevereiro. Desde esse dia, a gente mudou completamente", acrescenta Lays.

Os momentos de êxtase logo foram divididos com os contratempos do próprio período de gestação e também os enfrentados em decorrência da pandemia da Covid-19 - iniciada praticamente um mês após a descoberta da gravidez. Ao contrário do que muitos pensam ainda hoje, o ciclo gestacional aciona na mulher um turbilhão de sentimentos, que envolve dores, ansiedade, e mudanças de fase. Esse período, portanto, precisa ser melhor compreendido e menos desenhado como um ciclo imaculado, como atesta Maria Luiza.
"Se eu disser que foi fácil, eu vou estar mentindo. Em tempos normais, a gente tem a presença da mãe, da sogra, a família se sente junto sonhando com você para ajeitar o quarto e eu não pude ter isso por conta da pandemia. Quando resolvemos ter Laura, a pandemia ainda não tinha chegado ao Brasil e ninguém imaginava que teria toda essa proporção. A gente ia ao médico com medo de pegar alguma coisa e transmitir para ela. O medo foi presente nos 9 meses de gestação e ele existe até hoje, porque o risco permanece iminente".
No momento da entrevista, que foi realizada na quinta-feira (13) por telefone, Maria Luiza estava se recuperando da Covid-19. A supervisora comercial, 29, terminou o período de quarentena somente ontem, quando completou os 14 dias de repouso. O diagnóstico positivo para a doença impediu que a família vivenciasse, presencialmente, a primeira homenagem de Dia das Mães depois do nascimento de Laura, que hoje, aos seis meses de vida, frequenta o berçário Ludi Magister, em Bairro Novo, Olinda, local onde as mães relatam terem sido muito bem acolhidas.

Já pensando nos desafios que esperam a família, Lays explica que algumas famílias, além da preocupação corriqueira com as questões que envolvem a criança, encaram uma espécie de preparação que vai além, diante das mazelas que ainda cercam a sociedade.
"O maior presente das nossas vidas foi o nascimento dela. Não tem explicação, principalmente na condição de duas mães, que é bem mais difícil por conta do preconceito, mas ela tem que saber que é natural ter duas mães". Com firmeza, a mãe complementa.
"O maior desafio, daqui para frente, é sabermos educa-la da melhor forma para ela lidar com esse mundo cão aí fora. É tudo para ela e tudo por ela, que chegou para preencher tudo aquilo que poderia estar vazio. É como se a vida tivesse dado uma reviravolta, é uma razão para viver", exclama, antes de concluir em tom bem humorado.
"Nossa família começou agora, mas eu quero ter mais filhos, dois, três. Eu gosto de família grande".
Afetividade que transcende
O significado de família vai muito além dos escritos datados no dicionário. Também ultrapassa qualquer instância física. Mesmo assim, é imprescindível não silenciar a ausência paterna deliberada, assim como não romantizar a luta diária por dignidade que milhares de mães e filhos enfrentam no Brasil diante da realidade de abandono.
De acordo com o último senso divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem 11,6 milhões de mães solo. A telefonista Jéssica Monteiro, de 28 anos, é uma delas. Ela dá duro todos os dias para cuidar sozinha do pequeno Ruan Gabriel, de sete anos.
Além da negligência, a moradora do Ibura, na Zona Sul do Recife, teve que lidar com as complicações da gestação em decorrência do alto nível de estresse que tinha com o ex-companheiro, chegando a correr o risco de perder o bebê, que nasceu prematuro em um parto de urgência. Como se não bastasse, Jéssica ainda precisou custear um exame de DNA (R$ 450) "para provar" que o filho é do ex-namorado, cujo prefere não revelar o nome.
A telefonista já entrou três vezes na Justiça contra o pai da criança. Todas elas envolveram questões de regularização de visitas, pagamento de pensão ou atraso no pagamento do benefício, hoje no valor de R$ 200, e que já chegou a atrasar por seis meses, segundo ela. Entre os vários problemas enfrentados, a mãe ainda precisa procurar forças para atuar como amenizadora das violências psicológicas sofridas por ela e pelo filho ao longo desses anos.
"A pior, cena para mim, foi no Dia dos Pais de 2019. Tem uma camisa aqui em casa que está mofada, que eu comprei porque meu filho pediu para dar de presente ao pai. A camisa está aqui até hoje, porque ele prometeu que viria, meu filho ficou arrumado, dormiu no sofá esperando e ele não apareceu". Segundo Jéssica, essa foi uma das tantas vezes que a situação se repetiu. Quando com menos idade, ela conta que a criança teve febre emocional quatro vezes após as promessas de visita do pai.
"É algo muito traumatizante para a criança. Para a gente é pesado também, porque tentamos suprir uma ausência que não é nossa. Eu não sou o tipo de pessoa que tenta suprir ausência com presente, eu prefiro sentar, conversar, explicar. Sempre pergunto se está faltando alguma coisa para ele, se ele é feliz, se gosta de viver comigo. Ele olha para mim e diz: 'eu amo, mamãe, você é tudo na minha vida'", diz, num tom misto de revolta e orgulho.
Após três anos sem ver o filho, Jéssica conta que o pai do menino ligou se desculpando e prometendo se fazer presente na vida da criança. Até que, depois, após não cumprir, chegou ao ponto de culpar a mãe pela negligência que ele próprio tem com o filho. "A última fala dele foi dizendo que eu estava afastando ele do filho, que a culpa era minha e que quando Ruan crescer e quiser falar com ele, o procurasse".
Depois da separação de ambos, o pai de Ruan engatou num relacionamento com Gabriela dos Santos, como quem teve Giovanna, hoje com seis anos de idade. Das poucas vezes que ele teve contato com o filho, Jéssica relembra que a moça era quem cuidava de Ruan. Foi quando a família da telefonista expandiu.
"Eu via que a iniciativa não era do pai, era dela. Eu percebi que era um sentimento muito grande que ela tinha por Ruan. Quando eles terminaram, a gente combinou de sair para ele e Giovanna terem um vínculo de irmãos e não se afastarem. No início era por eles". O vínculo foi crescendo até que ambas se tornaram amigas.
"Quando eu vi Ruan pela primeira vez, foi amor à primeira vista", diz Gabi, como é chamada por Jéssica e por Ruan. Ela enfrentou dificuldades similares depois que se separou do pai das crianças. Chegou a entrar na Justiça quatro vezes contra ele e hoje a filha recebe uma pensão de R$ 250.
A enfermeira tem a guarda unilateral da criança. Ela conta que ele é menos ausente na vida de Giovanna. Às vezes liga, às vezes visita. Ainda assim, são migalhas. Ele tem direito a levar a menina para casa uma vez por mês, mas não o faz, segundo relata Gabriela.
O reconhecer-se no outro pode impulsionar a construção de afetos capazes de amenizar tais traumas. Para Jéssica, a relação de irmã que ela construiu com Gabriela e de uma segunda mãe com Giovanna, forma uma espécie de simbiose sobre o que representa uma família.
"Eu descobri que família não precisa ter o mesmo sangue. Ruan é tão rodeado de amor por mim, pela outra mãe, pela irmã, pelos meus pais. A família dele é essa". Em mesmo tom, Gabriela completou.
"O amor quebra barreiras. Eu fiz da minha família, a dela. Eu fiz da família dela, a minha. É aquela velha história, vai onde não há amor e ama. Ela sempre falava que queria ser mãe de menina e eu que queria ser mãe de menino, e a gente adotou uma o filho da outra. O respeito e o amor transformam, isso que fez da gente uma família".
Ressignificação
O consultor financeiro de investimentos, Paulo Henrique da Silva, 34, vem encarando uma ausência diferente. Em fevereiro deste ano, ele e a esposa viajaram a Fortaleza para a abertura da loja de roupas dela. Na viagem, Shirley Oliveira pegou a Covid-19. Os sintomas começaram a aparecer dois dias antes do retorno a Pernambuco. Dores no corpo, febre, tosse e problemas respiratórios foram alguns deles. Todos da casa também foram diagnosticados com o vírus, inclusive o filhinho do casal, Heitor Henrique, de apenas um ano e três meses.
No final de fevereiro, Shirley foi internada em uma unidade hospitalar de Olinda, por conta de complicações provacadas pelo novo coronavírus. Nesse mesmo período, a mãe dela também foi internada com a doença no mesmo local. Paulo conta que, mesmo no hospital, a esposa disse estar ótima. Ele foi para um hotel como forma de se isolar e pediu que ela avisasse quando recebesse alta médica para ele ir buscá-la. Mas esse dia não chegou.
Após um dia na unidade, Shirley foi intubada e cerca de 13 dias depois na UTI, faleceu, aos 36 anos. Ela não tinha comorbidades. A mãe dela, por outro lado, saiu do hospital uma semana depois, ocasião em que soube da morte da filha.
"Ela era muito linda, alegre. Uma pessoa que você se sentia bem convivendo com ela, porque era extremamente divertida. Vai fazer falta pelo resto da vida. Vai aparecer outra pessoa, eu posso amar, mas eu nunca vou esquê-la. O amor que eu tenho por ela, agora, é um amor que não é mais de homem e mulher, é mais do que isso", diz Paulo, que logo continua.
"Ela se foi num momento em que ela estava mais realizada na vida. Ela pediu tanto essa loja a Deus que ele deu a oportunidade de ela ver que iria acontecer. A gente organizou em dez dias coisa que era para organizar em meses, fechamos contrato com costureiras que vão fabricar, aluguel".
Além da inspiração na esposa, o pai solo vem encontrando outro motivo para seguir em frente, apesar da dor incessante que ainda aperta o peito. "Quando eu olho para ele, eu vejo alguns trejeitos que ela tem. No Dia das Mães, eu acordei péssimo, meu filho tem um ano e três meses, como eu iria explicar isso? Mas tem que ter muita fé. Eu agradeço demais à minha família e amigos, que me ajudam mil porcento. Eu não tenho opção de ter luto, de ficar depressivo, porque ele depende de mim. Seria muito egoismo da minha parte".
"Hoje eu tenho uma missão que é o meu filho e minha enteada, que dependem de mim. Eu vou tocar esse projeto por ela, por mim, e por eles, e sei que ela vai estar olhando por eles de onde estiver. É isso que eu peço".
Últimas

Mais Lidas
