Vida Urbana
ACIDENTE
Após deslizamento em Cavaleiro, bairro de Jaboatão, moradores relatam sofrimento e desafios
Publicado: 17/05/2021 às 20:51

6ª Travessa Murilo Braga, no bairro de Cavaleiro, após deslizamento em Cavaleiro, bairro de Jaboatão. No local vivia 4 membros da família Pessoa de Siqueira, que faleceram após o deslizamento./Arnaldo Sete / Esp. DP Foto.
“Como está muito recente as coisas que aconteceram, as coisas ainda estão chegando na mente, de que tem que continuar. Está sendo difícil. Eu tenho que recomeçar, mas agora sem aquilo que era de mais importante, além de imóveis e coisas que foram perdidas, que é a minha família. Minha irmã, meu cunhado, e meus dois sobrinhos, Otavio e Isabeli. Essa é uma perda irreparável. Mas eu quero aqui ser grata a todos que estão nos apoiando. E tem se solidarizado com conosco. Essa dor é muito grande e devastadora”, relata Miriam.
“Nesse dia amanheceu com o tempo muito chuvoso. Meu cunhado não havia ido trabalhar, porque caiu parte da barreira por trás da casa dele e fechou uma canaleta, que dava acesso a um cano que levava a água de trás para o rego da frente. Ele me pediu um ferro e foi desentupir e passou a manhã toda desobstruindo o cano, para que essa água escoasse. Do meio-dia para a tarde, ele foi descansar com a sua família. Foi quando, por volta das cinco horas da tarde, tudo isso aconteceu”, conta.

“Eu havia ido na casa da minha mãe, que é bem próximo, tomar um cafezinho. Quando eu estou lá, escutei o estrondo. Um barulho enorme e devastador que nunca vai sair da minha memória. Eu e minha mãe começamos a olhar de um lado a outro, foi quando corremos para a porta da cozinha e presenciamos tudo aquilo vindo abaixo sem termos a chance de gritar. A gente viu tudo. O barro deslizando entre a casa dela e a minha. Eu caí no chão e minha mãe também. Foi um transtorno. É só ver essa devassidão que está. Só Jesus para nos dar força para nos consolar e continuar”, relembra a mulher, que também teve sua casa destruída.
Repercussões
De acordo com a Defesa Civil de Jaboatão, o município possui 13.963 mil pontos de risco nas áreas de encosta, dos quais 2.226 são considerados muito altos. Esse é o caso da 6ª Travessa Murilo Braga, no bairro de Cavaleiro, que assusta os moradores que não tem para onde ir.
“Infelizmente aqui há muitos moradores, e estamos todos com medo. Vieram a prefeitura, a Defesa Civil, Conselho Tutelar, pois há cerca de 13 famílias que pediram para sair daqui e não tem onde morar. Muitas pessoas vieram ajudar com cesta básica e colchão. Mas ainda assim muitos não tem aonde morar. Uns estão na casa de parentes outros com os vizinhos. Moro aqui faz 49 anos e nunca vi um desastre desse. E nem se quer esperava que uma coisa assim fosse acontecer”, conta Moabe Francisco, que também teme pela sua residência.

A moradora Sheina Pessoa de Siqueira, irmã de Osvaldo, vítima do deslizamento, conta que mora na comunidade desde que nasceu. Segundo ela, havia um projeto de construção de muro de arrimo que ficou incompleto. “Quando fizeram o muro de arrimo na rua, eu perguntei ao engenheiro se iam fazer alguma coisa aqui nessa parte [diz ela apontando para a barreira deslizada]. Eles disseram que não, pois não era área de risco. Então, não mexeriam em nada, porque não apresentava perigo. Essa barreira não era desse jeito. O jeito que ela está é uma coisa sobrenatural. Parece cavaram um pedaço e empurraram”, reflete.
Sheina, que é dona de casa, reside na residência há 14 anos, vizinha ao local do acidente que vitimou quatro membros da sua família, contou que não morará mais no imóvel. “Eu preciso me reerguer, começar do zero. Mas não vou continuar morando aqui. Não quero morar mais aqui, não tem condição. Minha família toda foi embora daqui. Por enquanto estou morando na casa da minha sogra, mas está sendo difícil. Eu e meu esposo estamos dormindo numa cama de solteiro, e nosso filho dormindo no chão. Nossa casinha aqui, com quarto, tudo direitinho. Estamos vendo se conseguimos alugar em algum outro local. A luta é muito grande”, contou.

Diante da situação, o comerciante Manuel Pessoa de Siqueira Junior, 41 anos, também é irmão de Osvaldo e de Sheina, pede providências às autoridades. “Não tem como ficar aqui não, pois há uma lembrança muito forte em nossa vida. Eu vejo a filmagem do meu irmão sendo tirando dali junto com a filha dele. Só de a gente estar aqui, o coração fica ainda mais partido. Só Deus mesmo para me consolar. Eu passei essas ultimas noites todas acompanhando, e vi quando encontraram meu irmão. Ele estava abraçado com a filha, minha sobrinha Isabeli. Deve ter sido na hora que ele correu para poder salva-la, mas infelizmente, ele não conseguiu e aconteceu essa tragédia. Eu quero uma providência do governo”.
Insegurança

Após a tragédia, os vizinhos que continuam a residir na localidade temem que mais chuvas acarretem em novos deslizamentos. “A sensação é de medo, pois a qualquer momento a barreira pode desabar. E a gente fica com essa insegurança. A gente precisa de uma ajuda, porque infelizmente estamos todos aqui com medo. Não temos sossego para dormir, nem a tarde e nem a noite. Não me sinto segura com essas barreiras aqui atrás. Isso nunca aconteceu aqui, mas foi um a fatalidade que ninguém esperava. Aqui é uma comunidade de família, onde todos moram há vários anos. Foi um choque muito grande isso que aconteceu. Abolou as estruturas, mental e física. Agora a gente não tem paz”, fala a dona de casa Maria Cláudia Gomes, 37 anos, que mora a alguns metros do local do deslizamento.

As margens do alto da barreira, os moradores da rua de cima, que também estão preocupados com as rachaduras no solo e a possibilidade de terem suas casas arrastadas, denunciam a falta de consciência por parte da população que despeja lixo no local. “Sim, eu imaginei que isso pudesse acontecer. A gente colocava placa de proibido jogar lixo e a comunidade vinha e jogava aqui. Colocavam sofá, cama, geladeira, fogão. A gente falava e reclamava, mas não tinha jeito. A gente sabia que a qualquer momento isso aqui poderia acontecer. Depois disso, a Defesa Civil veio, e eu perguntei se a minha casa estava em risco. Eles disseram que ‘no momento não’. Mas ‘a senhora fique observando’. Aí, eu vou precisar ficar observando a barreira cair até o muro da minha casa?”, questiona a funcionaria publica, Ana Lúcia, 47 anos, que também reside no local desde que nasceu.

Na casa ao lado, o morador Willamis Nascimento, 43 anos, que reside com sua esposa e três filhos, também relata a preocupação com a situação e pede respostas. “A gente está com medo e não estamos dormindo. Eu mesmo acordo as quatro horas da manhã, e fico assustado, pois qualquer coisinha desperto. A mesma coisa minha esposa. Eu espero que a prefeitura tome providência disso. Disseram a gente que não estávamos em perigo, mas estamos sim em risco. A tendência é que cada vez mais o chão rache. Já se pode ver que está tudo rachado. Eu estava deitado em casa quando escutei o estrondo. Achei que era um trovão. Quando saí de casa, vi que a barreira havia caído. Foi muita gritaria. Mas muita gente foi ajudar”.

Medidas
A Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, por meio de Defesa Civil do município, explicou que o período de chuvas intensas elevou os riscos de acidentes. “Desde 9 de abril vem chovendo na região, e na última quinta-feira, chegou ao ápice de 170 milímetros, em apenas 12h, ou seja, um montante que seria próprio para 80% do mês de maio. Isso naturalmente, elevou os pontos de riscos na cidade (...). As famílias que tiveram as casas interditadas, estamos fazendo uma revistaria porque fizemos a vistoria inicialmente para eliminar a possibilidade de acidente, e agora, estamos fazendo uma nova vistoria para efetivamente ver se realmente tem condição de retornar ou permanecer aonde estão, ou seja, não retornarão. Enquanto isso, a assistência social do município vendo dando todo o apoio a essas famílias”, explicou o Superintendente de Proteção e Defesa Civil de Jaboatão, Coronel Arthur Paiva.
Sobre falta de monitoramento, o superintende explicou que: “O problema não era porque ‘não era considerado de risco’. É possível sim, que em alguns pontos que nós não tenhamos chegado ainda, devido ao volume de ocorrência em decorrência dessas chuvas, e nossa equipe tem uma dificuldade e não atende como um todo, e nós tivemos inclusive que ter reforços para montar novas equipes e nesse momento emergencial atender, e chegar até as pessoas. É possível que em alguns pontos a gente não tenha chegado. Estamos fazendo o esforço para chegar o mais rápido possível ainda nessas famílias”, informou.
Confira mais registros do local:




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