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Fechado ao público há um ano, Parque Dois Irmãos é santuário para animais em risco

Local por onde circulavam 400 mil pessoas por ano segue fechado, sem previsão de reabertura

Publicado: 26/03/2021 às 18:41

A onça preta parece mais triste sem a movimentação dos visitantes/Foto: Rômulo Chico/Esp. DP

A onça preta parece mais triste sem a movimentação dos visitantes/Foto: Rômulo Chico/Esp. DP


A interação com o público segue dando lugar ao silêncio no Parque Estadual Dois Irmãos, na Zona Norte do Recife. O tradicional zoológico, com 82 anos de história e mais de 14 hectares de extensão, permanece de portas fechadas para a visitação, desde o dia 17 de março de 2020. Até hoje, se mantém como a única atração cultural do segmento em Pernambuco que não reabriu, desde a chegada dos tempos difíceis trazidos pela pandemia da Covid-19. A nova rotina interfere no comportamento dos 380 animais que habitam no equipamento, instalado em um santuário de Mata Atlântica, bastante presente na memória afetiva da população. O atual cenário, com a ampliação das campanhas de vacinação, pode representar um sinal de esperança para um futuro de volta às atividades.

“A possibilidade de contaminação dos animais é uma situação real, diferente do que muita gente pode pensar diferente. Diante disto, nós tivemos que nos adaptar ao cumprimento de diversos protocolos de biossegurança para o contato nos recintos, a manipulação de alimentos, acompanhamento de saúde, entre outros procedimentos”, explica o médico veterinário Márcio Silva, gestor técnico do parque. Segundo ele, até então não foi registrado o acometimento do vírus por nenhuma espécie, mas cerca de 30 profissionais tiveram que ser afastados ao primeiro sinal de sintomas, cumprindo o devido isolamento.

Mais de um ano depois, sem a costumeira movimentação diária entre crianças e adultos, algumas das 91 espécies do zoológico sinalizaram um pouco de mudança no comportamento. “Acreditamos que alguns animais que apresentavam um perfil mais interativo com os visitantes, como a onça, ursos e os macacos, passaram a mostrar sinais um pouco depressivos, como se estivessem entediados, sentindo essa falta dos humanos”, conta o veterinário. “A partir daí, passamos a intervir de maneira mais frequente com novos estímulos, procurando deixá-los mais confortáveis com a inserção de elementos que eles encontrariam na natureza”, contou. Segundo ele, as técnicas simuladas passam pelas atividades de caça, movimentação, inserção de mais vegetação e brincadeiras com peças lúdicas.

Longas vias do parque exibem cenário de completo vazio

A caminhada pelas longas vias do parque, atualmente restrita aos biólogos, zootecnistas, tratadores e os demais membros do corpo profissional, tem agora como fundo apenas o som da floresta, com a presença das aves, mamíferos e répteis da fauna brasileira e do exterior. Esta nova vida de calmaria que interfere no ânimo de alguns, parece ser vista com bons olhos para outros. A remanescente ema do parque, com mais de 35 anos de idade, é uma das que tem aproveitado o cenário mais tranquilo. Não é diferente para o conhecido chipanzé Sena, prestes a chegar aos 64 anos e considerado o morador mais antigo do lugar. “Por ser idoso, ele parece mais sossegado. Talvez o antigo barulho possa remeter a lembranças não muito boas, como o seu passado no circo”, lembra o especialista.

De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), que administra o parque, a maioria dos animais no Dois Irmãos chegou oriunda do fechamento de criadouros, apreensões de tráfico ilegal ou doações de excedentes de outros zoos. Conforme o órgão, alguns fazem parte da lista de animais que podem desaparecer da natureza. É o caso da Arara-boliviana ou o Mutum-de-bico-azul, hoje figurando no maior grau da escala de extinção. A bióloga Karol Gomes, que desenvolve ações no local, explica que o convívio com as rotinas dos animas se tornou mais fácil, desde que o parque fechou os portões. “Conseguimos realizar mais ambientações nos viveiros e dar um pouco mais de atenção às particularidades das espécies. Porém, toda a nossa rotina de educação ambiental para a população, uma parte importante do nosso trabalho, ficou prejudicada. O horto não era apenas para entretenimento”, ressalta, ao lembrar da paralisação de atividades como aulas, instruções, palestras, trilhas, entre outros. Para ela, a baixa na bilheteria, ao custo de R$ 5, também representa um panorama negativo, refletindo em menos recursos.

Chipanzé Sena, de 63 anos, demonstra aproveitar nova vida de sossego

Para o zootecnista Rodrigo Pessoa, que atua na área de nutrição dos animais, a pandemia trouxe problemas com os fornecedores. Conforme ele, o parque continua com a necessidade de processar cerca de uma tonelada de alimentos por semana e de servir uma média de 100 refeições diárias. “Passamos a sentir dificuldades devido a escassez de alguns itens. Mas a dieta deles segue no mesmo caminho, com exceção de algumas lacunas”. Tais espaços podem ser encontrados quanto ao fornecimento de carnes, por exemplo, já que o zoológico já não conta com o famoso leão e ainda três tigres, todos mortos acometidos por câncer. “Tivemos que nos adaptar a um novo modo de operar, com alguns funcionários largando mais cedo e algumas alterações no horário de servir os animais”, contou.

Mesmo durante a crise gerada pela pandemia, as atividades rotineiras no cotidianos dos bichos puderam seguir. É o caso do nascimento, durante a pandemia, de três macacos-prego, veados catingueiros e cinco ararajubas. O trabalho faz parte do programa de conservação da biodiversidade. Atualmente, alguns animais seguem em tratamento no hospital interno do parque. É o caso da águia chilena, com alguns problemas nas asas devido ao alvo impiedoso de caçadores. A anta, com mais de 30 anos de idade, já não tem o mesmo pique, mas parece resistir com bravura aos tempos nebulosos trazidos pelo coronavírus

Veterinário, Márcio Silva, explica que foi preciso realizar adaptações no cotidiano dos animais

Local de boas lembranças pelo público pernambucano, por onde frequentavam mais de 400 mil pessoas por ano, o cenário hoje vazio demonstra certa tristeza e desolação. “A gente sente muita falta das pessoas, do movimento, da alegria que encontrávamos por aqui. Só resta o sonho com a hora de tudo voltar ao normal”, afirma o tratador Adelino Nascimento, de 30 anos. A popular praça de alimentação, marcada pelo movimentado restaurante e vários quiosques de comercialização de lanche, deu lugar a uma zona de esquecimento. Tudo foi deixado para trás, vitimado por uma pandemia que invadiu o lugar, sem pedir licença e ainda hoje traz bastantes prejuízos.

Não é diferente para quem precisava dos visitantes para sobreviver. Na esvaziada praça Farias Neves, bem diante da portaria, que conta com um exemplar de jardim do renomado arquiteto Roberto Burle Marx, a paisagem também é tristonha. Por lá, a comerciante Valderi Souza, 43, lamenta a situação. “De uma hora pra outra, passamos a conviver com a total ausência dos clientes e a falta de qualquer ajuda”, conta, lembrando que teve que interromper o fornecimento de almoços e a venda de peças artesanais, com uma redução na renda em torno de 90%. “Ninguém mais aparece por aqui”, reforça. O sentimento é compartilhado por Maria do Socorro Correia, 45, que conheceu o parque ainda criança e seguiu até os dias atuais. “Ao olhar todo este vazio é difícil segurar até o choro”, conta, mostrando a barraca fechada por falta de recursos.

Ao Diario, o governo do estado reiterou que ainda não existe data prevista para a reabertura do Parque Dois Irmãos. Conforme o órgão, o trabalho de elaboração de um plano de retomada, com todos os cuidados necessários, segue ainda em fase de elaboração.

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