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Na busca pela educação, avô transporta netos em carroça até a escola
Publicado: 05/02/2021 às 15:19

/Foto: Sandy James/Esp.DP

A jornada começou em 2016. Após realizar um serviço para o sobrinho, Gervânio arrematou a carroça com um propósito ainda desconhecido. Recebeu propostas de compras e incentivo da esposa para se desfazer do utensílio, mas não foi convencido.

"Eu fiz um serviço para um sobrinho, e ele estava com uma carroça velha, com ferros soltos. Quando eu terminei o trabalho perguntei se ele queria me vender, e ele me disse: 'tio, me dê dez reais e leve'. Minha esposa mandava eu jogar a carroça no lixo e eu dizia que não. Eu sentia que ia fazer daquela carroça uma grande coisa, só não sabia o quê. Três pessoas tentaram comprar, mas eu não vendi porque eu tinha um propósito para ela", contou Ronaldo.
Não demorou muito para Gervânio descobrir o destino por trás da aquisição.
"Ficava pensando: 'se eu não fizer nada, ela também não vai se fazer'. Na mesma hora me levantei, falei com um rapaz para ele soldar os ferros que estavam soltos. Quando ela saiu de lá, estava pronta para usar. A partir daí fui adequando. Contei com a ajuda do marceneiro, Fabinho, que desenhou e fez o detalhe das janelas; Alaor, o pai do MC Sheldon, que me vendeu as peças para o funcionamento das rodas por um valor mais barato; o adesivo foi o feito pelo pai dos meus dois netos. Foi quando tive a ideia de colocar os caixotes como coberta, adesivei e comecei a fazer passeios dentro da comunidade", afirmou
Os roteiros com as crianças rendiam alguns trocados, que eram revertidos para a alimentação da família. Com o tempo, os passeios se tornaram atração no bairro. Ronaldo já era reconhecido pelos vizinhos, que passaram a gravar vídeos e publicar na internet. Apesar da satisfação, a preocupação com a segurança dos menores falou mais alto.
"Meu objetivo principal, quando comprei a carroça, era de levar os meus netos para a escola. Eu vi que tinham algumas mães que saíam para trabalhar muito cedo e não podiam levar os filhos para estudar. Eu cobrava um real por dia para levar e btrazer as crianças, mas depois de um tempo desisti porque eu tive medo de que algo pudesse acontecer com eles, e se houvesse um acidente eu nunca mais seria o mesmo Ronaldo", revelou.

Apesar da preocupação, ele continuou a trajetória pela educação. Desta vez, apenas com os netos. No início eram sete. Seguiam o roteiro de segunda a sexta-feira com o avô. Atualmente apenas cinco passageiros continuam o caminho com ônibus escolar, que possui um diferencial como guia: o amor pela educação. Dois dos sucessores já estão no ensino médio, e seguem para a escola sozinhos.
Em 2021, o transporte de Seu Ronaldo ainda não percorreu nenhum trajeto até a escola. É que as aulas presenciais das unidades de ensino municipais continuam suspensas por causa da pandemia de Covid-19. O retorno das aulas nas instituições de ensino acontecerá de forma gradual a partir do dia 1° de março, um ano após a interrupção das atividades.
Em 2021, o transporte de Seu Ronaldo ainda não percorreu nenhum trajeto até a escola. É que as aulas presenciais das unidades de ensino municipais continuam suspensas por causa da pandemia de Covid-19. O retorno das aulas nas instituições de ensino acontecerá de forma gradual a partir do dia 1° de março, um ano após a interrupção das atividades.
"Tem pessoas que acham que isso é coisa de pobre, ou que é uma palhaçada. Como eu já trabalhei como palhaço, eu não me incomodo com o comentário. Se for palhaçada faz parte do meu passado. Eu fico muito emocionado quando eu passo na rua e as pessoas abrem um sorriso para mim. Este é o verdadeiro dinheiro que eu quero ganhar", desabafou.

A iniciativa de Ronaldo beira a revolução em um país que tem, entre tantos obstáculos no processo de alfabetização, a dificuldade no acesso à educação de inúmeros brasileiros.
"Eu sempre incentivei a educação aos meus netos. Faço perguntas para eles sobre conhecimentos gerais, quem responder corretamente eu dou um trocado em retribuição. Eu não tive oportunidade de estudar porque eu tinha dificuldade com a escrita e precisava trabalhar. Seria tão bom que eu encontrasse outras pessoas que fizessem o mesmo que eu, mas eu entendo que exige tempo e força para carregar uma carroça, debaixo de um sol quente e tendo que disputar espaço com os carros", explicou.

Rhyanna tem nove anos. É neta de Seu Ronaldo. Ela conta como é o trajeto até a escola com os primos. "A ida para escola é muito animada. A gente canta, às vezes arenga, aí a gente se diverte, brinca e vai para escola mais feliz", contou a garota de sorriso sincero.
"Quando a gente chega lá, não chegamos cansados e aí temos energia para brincar. Meu avô fica cansado, mas ele sempre vai buscar a gente às cinco horas da tarde", comunicou Antônio Leandro, de oito anos, e também neto de Gervânio.
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