Educação

Com a reinvenção da profissão do professor, novas dificuldades são impostas

Publicado em: 14/10/2020 17:53 | Atualizado em: 14/10/2020 20:30

Professora Midiam Souza, 42 anos, dá aulas remotas (Gilson Santana/Arquivo pessoal)
Professora Midiam Souza, 42 anos, dá aulas remotas (Gilson Santana/Arquivo pessoal)
A maior crise sanitária da história recente da humanidade vem mostrando que em meio às dificuldades, diversas profissões estão se reinventando. É o caso dos professores e educadores que, mesmo sendo uma categoria desvalorizada no Brasil, mostram força, determinação e inovação em criar novas formas de ensino à distância durante a pandemia. Usando internet, computadores e celulares próprios, os profissionais se submetem a jornadas triplas de trabalho ao mesmo tempo em que aumentam a responsabilidade e a cobrança sobre suas tarefas.

As informações repassadas pelo Sindicato dos Professores (Sinpro) e pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintepe), ambos de Pernambuco, indicam que entre 80% e 90% dos educadores enfrentam dificuldades na adaptação com a nova rotina e com as ferramentas digitais, que se tornaram essenciais para o trabalho.

“Após os quatro meses de pandemia, constatamos um aumento de profissionais que adoeceram da coluna, de doenças renais, como infecção urinaria, e também casos de inchaço nas pernas, principalmente porque nossa categoria é envelhecida, numa faixa etária majoritariamente entre 40 e 50 anos, tanto no setor público quanto no privado”, explica Paulo Cesar Lopes, 49 anos, da direção do Sinpro.

“A categoria está se reinventando para poder atender as demandas dos alunos. Os salários são ínfimos, e mesmo assim continuamos se desdobrando e se doando para dar o nosso melhor”, pontua Vânia Albuquerque, 62 anos, diretora de comunicação do Sintepe.

“No começo não foi fácil, por questão de familiaridade com a tecnologia e organização. Para as aulas à distância eu tive que comprar outro chip para poder ser exclusivo para os alunos. Hoje já estou mais acostumada”, relata Midiam Souza, 42 anos, professora na Creche Escola Municipal Mauricéia da Silva Dias, no Recife. Apesar da adaptação com as ferramentas, Midiam lamenta a falta de suporte técnico por parte do poder público. “A prefeitura deu algumas capacitações online para usar os aplicativos, mas somente isso não é suficiente”.

Nessa situação, a sobrecarga de tarefas é uma pontuação recorrente entre os educadores que continuam trabalhando de suas casas. “Minha experiência está sendo bem desgastante, pois estrou trabalhando mais à distância do que se estivesse presencial. A começar pelo fato de não ter essa habilidade de gravar e editar vídeos”, relata Edna Félix, 37 anos, professora do ensino fundamental das redes municipais do Recife e de Ipojuca. Ensinando para crianças na faixa dos 7 anos em ambas as cidades, Edna diz que recorre ao uso de fantasias e fantoches para chamar atenção dos alunos. “Geralmente coloco uma música de fundo, ponho um chapéu de bruxa ou um óculos gigante para chamar a atenção delas e isso exige muito mais criatividade”.

A diretora de comunicação do Sintepe, Vânia Albuquerque alerta sobre o excesso da jornada de trabalho dos educadores da educação pública. “Nesta pandemia os professores estão trabalhando muito além do que se trabalhava, porque se recebe mensagens o tempo todo no celular. O que dobra e triplica a carga horaria”.

Ainda que as dificuldades sejam grandes com a tecnologia, muitos educadores encaram a situação como um momento de se reinventar. É o caso da professora da rede estadual Adelma Costa, 46 anos, que ensina língua portuguesa na Escola de Referência em Ensino Médio Rodolfo Aureliano, em Jaboatão Centro. “Eu acredito que quando a gente se abre para aprender, o processo fica mais fácil. Para mim que sou da velha-guarda é assustador. Tenho alunos tão entendidos em tecnologia, que fico com medo de passar por ridículo. Apesar de tudo, minha experiência está sendo muito positiva. Estou gostando muito e tenho me sentindo a própria youtuber”, brinca a professora. Adelma criou um perfil no Instagram, no qual dá dicas de gramática e faz lives para matar a saudade dos alunos.

O professor de geografia Marcelo Morais, que têm 30 anos, e apesar de não ter dificuldade com as ferramentas digitais, pontua as dificuldades na vida doméstica. “Muitos professores tem que conciliar os trabalhos domésticos a vida de professor à distância, e isso é complicado para muitos que são pais, e tem que administrar os próprios filhos em casa e ao mesmo tempo ter que administrar as aulas”, observa Marcelo, que ensina numa escola da rede privada.

Paralelo a isso, na rede privada, Paulo Cesar Lopes, do Sinpro, relata sobre a questão salarial dos professores. “Muitas escolas reduziram o salário dos professores entre 70% a 30%. Numa redução de 50% do trabalho, mas continuando com as aulas totais. Assim se reduz o tempo de aula, mas não a quantidade. Muitos profissionais se submetem a isso para não perder o emprego, já que na rede privada muitas vezes é preciso trabalhar em duas ou três escolas para gerar um salário mínimo”, pontua.

Como saldo de tudo isso, o pesquisador e professor do Departamento de Comunicação da UFPE Rodrigo Cunha, 35 anos, comenta sobre a perda da relação direta com os alunos, fundamental no processo de aprendizagem. “É estranho ficar de frente a tela e falar, pois não sabemos como está sendo a experiência de aula do outro lado. Por exemplo, às vezes ficamos falando para a tela, mas há um ícone em vez da imagem do estudante. Então não temos como realmente saber o que os alunos estão achando. Presencialmente teríamos esse feedback através de reações, gesticulações ou da expressão do rosto. Veríamos o interesse do aluno e teríamos esse retorno. Mas com as aulas à distância perdemos isso”.

Com as dificuldades instauradas, sejam elas de suporte técnico, dos próprios educadores quanto ao uso das tecnologias ou ainda em relação à comunicação com os alunos, o pesquisador relata que o momento gerará impactos na forma de ensinar. “A pandemia acaba sendo uma oportunidade de reinventar a forma de ensino. A própria necessidade de ter o ensino à distância nos forçou a repensar a forma de ensino. E vai causar muita transformação quando voltarmos à normalidade”. 




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