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Professor José Luiz Delgado completa 50 anos dando aulas na UFPE

Publicado em: 25/05/2020 15:19 | Atualizado em: 25/05/2020 15:35

"Para mim é como uma cachaça estar no convívio com os alunos, estar na faculdade", relata (Arquivo / DP)
"Para mim é como uma cachaça estar no convívio com os alunos, estar na faculdade", relata (Arquivo / DP)
Há gerações, o dever de pensar e lecionar é atrelado em geral a grandes mentes da sociedade, que a partir de suas paixões inatas e construções sociais, transmitem conceitos e preparam outras mentes para a vida, dando sucessão ao processo. Foi dessa forma que, ao longo de cinquenta anos, o professor José Luiz Delgado dedicou mais de dois terços dos seus 73 anos ao ensino do Direito, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, onde foi também diretor e hoje ocupa o posto de decano. Dar aulas lhe proporciona tamanhos prazer e recompensa, que chega a comparar a atividade como um líquido inebriante.

"Eu já poderia estar aposentado há 10 ou 15 anos, mas eu gosto do magistério, gosto de ensinar. Para mim é como uma cachaça estar no convívio com os alunos, estar na faculdade", relata.

Casado há 48 anos, pai de quatro filhos e avô de dez netos, o professor está prestes a completar 74 anos neste mês de maio, o que atinge a idade limite (75) para a aposentadoria compulsória como servidor público. Logo, o quinquagésimo também será 'o último gole' de José Luiz Delgado nas salas de aula da UFPE. Mas não por sua vontade. "É o meu último ano no magistério. Provavelmente (continuaria) sim. Afinal, a cabeça está boa. O joelho é que está horrível, mas a cabeça está boa, sim."

Caminho traçado com autenticidade e escolha própria. Embora com predisposição genética herdada do pai, Luiz Maria de Souza Delgado (1906-1974), também professor de Direito na UFPE e personalidade marcante na história pernambucana do século passado. "Influência direta mesmo, dele sugerir e querer, não tive. Até porque todos os meus irmãos homens fizeram engenharia. Entre engenharia e direito, eu também preferia engenharia, mas gostava mais das matérias do ensino clássico que do ensino científico. Perdi até um ano para seguir no Colégio São Bento", relembra José Luiz Delgado.

Assim, de 1965 a 1969, concluiu o curso de Direito pela UFPE, junto com a graduação em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco - Unicap. "A minha turma era muito animada. Tinha muita briga política, mas a gente tinha uma certa união, principalmente para festas", conta.

As boas notas e o bom relacionamento com os professores renderam três convites para lecionar como professor assistente, mesmo poucos dias depois da colação de grau. A aceitação, no entanto, só viria depois de grande ponderação. "Assim que me formei, recebi três convites para ensinar como assistente na faculdade. Um foi do professor Heraldo Almeida mas não acetei, porque tínhamos ideias completamente diferentes. Eu naturalista e ele positivista."

O foco era lecionar em Introdução ao Direito ou em Direito Constitucional. Por isso a recusa no segundo convite, para a cadeira de Direito Penal. Mas em Direito Internacional Privado viria o primeiro passo. Até visto como 'precoce' por colegas mais novos. "Era uma matéria do quinto ano e quando cheguei na aula, encontrei amigos do ano anterior. Uma colega minha que virou aluna, figura muito importante que também foi professora e promotora, Ana Maria Torres até brincou à época: 'Você pensa que vou lhe respeitar? Você é meu colega.'"

O professor também atuou em outras áreas do serviço público, sendo agente importante para o registro histórico das cidades pernambucanas no papel de assessor jurídico do antigo Fiam, Fundação do estado destinada a dar a assistência jurídica aos municípios do interior, além de assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente durante o governo de Joaquim Francisco, em 1993. "Gostei muito, pude fazer grandes coisas, como o Espaço Ciência, quando estava na secretaria, uma iniciativa vitoriosa desde 1994", resgata.

Na década de 1990, após também lecionar sobre Direito municipal, José Luiz Delgado alcançaria o grande objetivo do Direito Constitucional e, mais recentemente, Direitos Humanos. "Sou professor à antiga, que dá aula, não falta. Que acha que aula que é importante, e não produzir papéis idiotas, como hoje o magistério em certas áreas está com essa história de que é o mais importante é pesquisa, produzir 'paper' idiotas. Claro que é bom que se publique. Mas magistério é ensino", descreve.

O posicionamento firme nas palavras é uma de suas principais características, que pode ser comprovado em outra atividade herdada do pai, que além de professor, também foi poeta, jornalista e historiador. Através de mais de 1.300 artigos de opinião, publicados frequentemente desde 1974 em colunas do Jornal do Commercio e, posteriormente, no Diario de Pernambuco, sempre questiona a facilidade de se engendrar pelo senso comum em debates sobre direito, filosofia, religião, história e política.

"A pluralidade é absolutamente essencial. Precisamos de diálogo, de debate, de discussão. Ouvir o outro. O camarada não pode ler apenas a sua posição, a sua linha de pensamento. Ouvir o outro pode melhorar as nossas ideias. É a base da prática democrática", observa.

Toda essa bagagem lhe conferiu a produção de quatro livros: 'A Voz das Ruas', trata sobre a crise de identidade política atravessada pelo país na primeira metade da década, outras duas obras estão atreladas à universidade pública e ao resgate da história das cidades pernambucanas - que também será o tem do quinto livro, a ser lançado no próximo ano. Porém a 'obra-prima' redigida até aqui é o Curso de Direito Natural, onde reúne o arcabouço de seus ideais.

Ente os principais apontamentos, uma reestruturação no modelo de eleições para o Poder Legislativo do país. "É fundamental que os mandatos legislativos sejam de apenas dois anos no Brasil. É um absurdo um mandato de quatro anos para deputado e oito para senador. É necessário uma grande reforma e reduzir o mandato para dois anos. Prestar contas ao eleitor frequentemente, com assiduidade. Estamos cansados de ouvir no meio do mandato eles falarem que não podem aprovar um projeto em ano de eleição, coisas que são contra o povo, mas querem aprovar no ano seguinte para sejam esquecidos", argumenta.
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