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Debate sobre o suicídio precisa ser ampliado durante e após a pandemia

Publicado em: 25/05/2020 09:25 | Atualizado em: 25/05/2020 10:42

 (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Uma das formas mais potentes de prevenir o suicídio é debater de forma qualificada sobre o assunto. É o que dizem os especialistas. Com a pandemia do novo coronavírus em escala ascendente no país, o assunto precisa ser amplificado, chegar a todas às famílias. Estudos apontam o surgimento de uma onda de casos durante e após o isolamento social forçado. Em Pernambuco, os três primeiros meses deste ano já revelam um crescimento de 50% no número de tentativas de suicídio em relação ao mesmo período do ano anterior. E a pandemia nem sequer havia se instalado com tanta força como agora. Se compararmos com o mesmo período do ano de 2017, o aumento de casos foi de 252,08%. Os dados são da Secretaria Estadual de Saúde. Apesar dos prognósticos, há saídas para o enfrentamento da situação. E ela pode estar mais próxima do que imaginamos.

“Se uma pessoa tira a própria vida ou tenta, ela tem uma ou mais doenças psiquiátricas. E isso não significa dizer que elas são loucas”, afirma Luciana Carvalho Rocha, psicóloga clínica especializada em luto e suicídio. A depressão é a principal dessas doenças. A boa notícia é que todas podem ser tratadas. Ao mesmo tempo, esse é o nó da questão. “Durante a pandemia e depois, vamos ver os números de suicídio aumentando em função dos vários fatores que podem desencadear a doença mental. As pessoas estão mais isoladas, sem rede de apoio, sem fazer tratamento adequado. Além disso, ainda tem a crise econômica e política. Tudo isso afeta a pessoa que já está com tendência suicida. Muitas também que já tinham tendência para desenvolver doença psiquiátrica, e não tinham desenvolvido, começam a apresentar sintomas. Enquanto estavam em atividade, o cenário estava escondido”, reflete.

A própria Luciana passou a estudar o assunto após perder o marido, em 2015, para o suicídio. Os dois eram casados há 15 anos e tinham dois filhos, ainda crianças. Luciana já era psicóloga. Aos poucos, passou a entender o que a princípio se apresentou como inexplicável.

“O ato acontece em decorrência de várias coisas. Ninguém tira a própria vida em razão de uma coisa só. Quando alguém tira a própria vida, ela não quer morrer. Quer se livrar da dor. Naquele momento, ela está com a percepção de realidade alterada e não consegue enxergar a realidade como ela é. É uma atitude ambígua”, explica Luciana.
 
 (Foto: Cortesia)
Foto: Cortesia
 
 
O  companheiro de Luciana, por exemplo, apresentava um quadro chamado  de depressão sorridente. A pessoa permanece socialmente bem, sorri, cumpre a rotina normalmente, mas na verdade, por dentro, está em grande sofrimento. “É muito comum as pessoas acharem que só quem está trancado em um quarto, sem banho, está em depressão. Tem algumas pessoas que não param as atividades, não demonstram o que sentem e até cuidam muito dos outros. Essa é uma situação muito perigosa”, pontua.

Há alguns sinais para identificar pessoas com quadros mais agravados de depressão ou bipolaridade ou ideação suicida. “Lógico que estamos todos alterados com a pandemia. Mas se a pessoa tem mudanças bruscas de comportamento, onde o ritmo de sono está muito alterado, por exemplo, é importante estar atento. O sono diz muito, Seja quando dormimos muito ou quando não dormimos”, diz a psicóloga. 

Outros pontos de alerta são o aumento do abuso do álcool e a perda da religiosidade. Ou o contrário, a pessoa começa a se interessar muito, e de repente,  por buscas religiosas. “Quem avalia é o profissional de saúde. É importante nunca julgar essa pessoa em sofrimento, mas sim acolher. No momento que ela percebe que é escutada, ela para de ter vergonha de falar e pode até falar que pensa em se matar. Ao contrário do que se imagina, fazer essa pergunta não estimula o ato. Desde que a gente consiga escutar o que o outro tem a dizer. É importante acolher, dizer que está com ela para o que precisar, e, é claro, encaminhá-la para o psicólogo ou psiquiatra.
 
A psicóloga ressalta que o estar junto de quem está em sofrimento pode acontecer mesmo que de longe. “É possível fazer uma chamada de vídeo, mandar mensagem carinhosa, perguntar como o outro está. Se a situação está muito grave, colocar a máscara de proteção e ir até a pessoa.”

Dados da Organização Mundial de Saúde apontam 32 mortes por suicídio, por dia, no Brasil. No ano passado, foram notificados 13 mil suicídios no país. Os dados são subnotificados, até por conta do preconceito. “Por exemplo, um médico que atesta como causa de morte insuficiência renal para uma paciente que ingeriu uma quantidade enorme de medicamentos, isto é, a insuficiência renal foi causada em função da tentativa de suicídio, está encobrindo um dado muito importante. Além do fato de que 20% dos acidentes de trânsito no mundo são suicídios disfarçados”, raciocina Luciana. No mundo, um milhão de pessoas se mata, por ano.

Escapar da Covid-19, mas não escapar do suicídio também é um problema de saúde pública, alertam especialistas. “Tenho visto hospitais de emergência psiquiátrica sendo fechados com a pandemia. Como se a saúde mental não fosse urgente. A Covid é emergencial, mas não podemos desconsiderar outras doenças.”

Uma rede de psicólogos e psiquiatras está fazendo atendimento online em todo país. Em casos considerados mais graves, fazem atendimento presencial. Outro caminho para o enfrentamento é a prática de exercícios, ioga e meditação, por exemplo. Nas crises, no entanto, a indicação da psicóloga é de que a pessoa busque um  acompanhamento profissional, sendo necessário, em muitos casos, a medicação.

“A gente vivia uma realidade previsível, mesmo que ilusoriamente. Mas a gente não tem como controlar tudo. Ao contrário. A rotina nos fazia acreditar que tínhamos controle. E agora não sabemos quando vamos sair do confinamento. Tudo isso gera insegurança”, completa a psicóloga.
 

Saiba mais

Suicídio no Brasil e no mundo:

Um milhão de pessoas se mata no mundo, por ano

20% dos acidentes de trânsito no mundo são suicídios disfarçados

No Brasil, são 13 mil suicídios, por ano

No Brasil, são 32 mortes por dia

No Brasil, a cada 45 minutos uma pessoa se mata

No mundo, a cada 40 segundos alguém se mata

No mundo, a cada três segundos alguém tenta o suicídio

Para cada morte por suicídio, em média, 135 pessoas são impactadas diretamente

O que falar para alguém em sofrimento mental:

Imagino o que você está passando. Deve ser muito difícil.

Eu estou aqui com você. Em que posso ajudar?

O que não falar para alguém em sofrimento mental:

Isso é bobagem

Você pode reagir

Você tem tudo

Alguns sinais de alerta:

A pessoa em sofrimento mental apresenta mudanças bruscas de comportamento

O ritmo do sono fica muito alterado. Ou a pessoa dorme muito ou não dorme

Aumento do abuso de álcool

Apego exagerado à religiosidade ou desapego repentino
 
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