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Patrimônio
Casarão histórico do Sítio Donino, no Poço da Panela, está em estado de abandono
Publicado: 03/05/2020 às 11:14

/Foto: Bruna Costa

Um muro de cerca de dois metros de altura esconde um chalé romântico conhecido como Sítio Donino, o número 136 da Rua Joaquim Xavier de Andrade, no bairro do Poço da Panela, Zona Norte do Recife. Parece até que quer ocultar o estado de abandono e deterioração em que se encontra o Imóvel Especial de Preservação (IEP 122), condição tão diferente do seu passado de festas, recitais e manutenção de tradições folclóricas do Nordeste.
Na rua de terra batida e cheias de árvores no meio, o muro alto até pode enganar um ou outro que passa despercebido pela bucólica via e só consegue ver o frontão triangular de cima do casarão. Mas não consegue iludir a memória afetiva de antigos moradores do Poço da Panela, urbanistas, amantes da história arquitetônica do Recife e especialistas em preservação do patrimônio.
Na rua de terra batida e cheias de árvores no meio, o muro alto até pode enganar um ou outro que passa despercebido pela bucólica via e só consegue ver o frontão triangular de cima do casarão. Mas não consegue iludir a memória afetiva de antigos moradores do Poço da Panela, urbanistas, amantes da história arquitetônica do Recife e especialistas em preservação do patrimônio.
Os problemas físicos do imóvel são muitos e vão além da degradação da pintura da fachada. Do lado de fora do chalé, a coberta da varanda está quase toda destelhada. Moradores de prédios da vizinhança também relataram que o teto também está desabando em áreas internas do casarão. O piso estourou em alguns pontos e em outros afundou. As grandes rachaduras nas paredes, o reboco despencando e o cupim destruindo a madeira antiga de portas e janelas também são visíveis a olho nu pela vizinhança ao redor. A área do jardim e do quintal, entre a casa e o muro alto, está repleta de mato, aumentando a sensação de abandono.
A situação do Sítio Donino só não está pior porque há 11 anos vive um caseiro com sua esposa no chalé, desde que os antigos donos, o casal Fernando e Julia, venderam para o atual proprietário, que não quis falar com a imprensa. O caseiro também preferiu não falar com a reportagem com medo de represálias.

Foi essa situação de abandono que levou familiares dos primeiros moradores do Sítio Donino, gente que viveu na casa nas décadas de 1970, 1980 e 1990, além de especialistas e sociedade civil, a abrir uma denúncia no Ministério Público de Pernambuco contra o atual proprietário e a Prefeitura do Recife. Por se tratar de um IEP, cabe à administração municipal cobrar do dono do Imóvel Especial de Preservação seus devidos cuidados para preservar a autenticidade do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural, com possibilidade de multas e sanções administrativas em casos de descumprimento.
A neta da terceira geração de moradores herdeiros do Sítio Donino, a bióloga Marina Costa Lima, é uma das que entrou com denúncia no MPPE. Ela teme que o imóvel onde passou sua infância e adolescência esteja em vias de desabamento proposital, já que o terreno do chalé está localizado em uma das áreas com o metro quadrado mais caro do Recife e, no passado, um projeto para a construção de prédios na área chegou a ser pleiteado junto à Prefeitura do Recife.
Apesar de ser um IEP desde 1997, o chalé está localizado dentro de uma área que está fora da zona de proteção rigorosa do Poço da Panela, permitindo assim a construção de edifícios, apenas com algumas restrições de altura. Há dois anos, o Sítio Donino está à venda no valor de R$ 14 milhões.
Apesar de ser um IEP desde 1997, o chalé está localizado dentro de uma área que está fora da zona de proteção rigorosa do Poço da Panela, permitindo assim a construção de edifícios, apenas com algumas restrições de altura. Há dois anos, o Sítio Donino está à venda no valor de R$ 14 milhões.
"Estamos montando uma petição online para fazer as denúncias na Codecir e na Dircon, para eles solicitarem à Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPCC) e ao MPPE uma vistoria interna da casa e que apliquem a lei ao proprietário. Fizemos denúncia ao MPPE faz um ano e até agora não obtivemos respostas. Estamos provando o total descaso e desabamento da casa. Só queremos que o dono conserve o imóvel", afirmou Marina Costa Lima.

"Em 2014, o advogado Carlos Costa Lima e o etnomusicólogo Carlos Sandroni chegaram a sugerir a Ariano Suassuna que o casarão se transformasse na sede do Centro Cultural Ariano Suassuna, discussão que não foi adiante porque três meses depois Ariano faleceu. Mas nosso desejo de transformá-lo num centro cultural permanece. Este imóvel foi ponto de encontros culturais e festivos do Poço da Panela e de Casa Forte, sediando eventos musicais e folclóricos, como a celebração da colheita no São João e apresentações de pastoril no Natal. Além de ser uma casa histórica tombada, o imóvel tem grande valor histórico e afetivo para a cultura tradicional popular, inclusive com muitos registros em fotografias e em obras de artistas da região", acrescenta Marina.
À reportagem, a diretora da DPCC, Lorena Veloso, afirmou que recentemente foi feito um diagnóstico da situação dos IEPs no Recife, cujo processo foi concluído no ano passado, e que a casa do Sítio Donino não se encontra em vias de desabamento e o “estado de conservação é regular”. “O MPPE recebeu a denúncia da sociedade civil e chegou a intimar a prefeitura para uma audiência que aconteceria na semana em que as medidas de isolamento social foram decretadas. Nós aguardamos agora uma nova data após o relaxamento dessas medidas”, disse Lorena Veloso. A diretora afirmou que a Prefeitura do Recife já havia recebido propostas de intervenção no terreno do chalé mas que não foram adiante.
O MPPE confirmou, em nota, que havia audiência marcada para o mês de março, no âmbito do Inquérito Civil nº 024/2019, instaurado pela 12ª Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Histórico-Cultural da Capital para apurar a situação do IEP. Porém, a audiência não aconteceu em razão das medidas de isolamento social adotadas por causa da pandemia da Covid-19. “Uma nova data será marcada para a realização da audiência assim que as circunstâncias permitirem a reunião presencial”, reafirmou o Ministério Público. O promotor à frente do caso é Ricardo Coelho.
"Se for confirmada a deterioração do imóvel, o MPPE tomará as providências cabíveis nos âmbitos criminal e cível. No aspecto criminal, pelo fato de ser crime destruir, reformar ou deixar deteriorar imóvel protegido; já no aspecto cível, o MPPE poderá adotar medidas para obrigar o proprietário a restaurar o imóvel às condições anteriores", disse. O promotor ressaltou ainda que a DPPC, da Secretaria de Planejamento da Prefeitura do Recife, faz a vistoria de monitoramento e constatação das condições atuais do imóvel.
Tombado, imóvel tem valor histórico e também afetivo


Registrado como "Bom Retiro", o chalé fazia parte do Sítio Donino e foi tombado pela Lei Municipal nº16.284/1997. Seu estilo arquitetônico tem como influência a arquitetura campestre europeia, utilizando também elementos do neogótico conjugados com ornamentação floral que dão um caráter romântico à construção. As principais características são as cobertas em duas águas com arremate em lambrequim, superfícies decoradas com elementos naturalistas e elementos de ferro utilizados nos balcões e terraços. No Recife, esse tipo ocorreu principalmente em arrabaldes desenvolvidos no fim do século 19 e na periferia de núcleos urbanos, segundo a Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPCC).
"O Sítio Donino manteve, por décadas, as festividades de São João tradicionais, desde 1959, também conhecidas como as antigas festas na roça – de celebração da colheita, com comidas típicas, fogos, balões e brincadeiras do interior até o amanhecer, finalizando com bode inteiro assado na fogueira, na beira do Rio Capibaribe. Entre os anos de 1932 a 1938, o Padrinho Dadá, Padre Francisco Donino - segundo Pároco de Casa Forte - iniciou as apresentações do Presépio do Sítio Donino no espaço que seria a atual Praça de Casa Forte.
A partir daí, a cada ano, os presépios do Sítio eram realizados na Praça, ao lado da Matriz de Casa Forte e na escola Pio X, abertos para a comunidade. Este período representou a influência da cultura para apreciação da comunidade na região", contou a bióloga, Marina Costa Lima. O compositor Heitor Villa-Lobos, ex-professor de piano de uma das moradoras do Sítio Donino, chegou a ser hóspede da família em 1956.
A partir daí, a cada ano, os presépios do Sítio eram realizados na Praça, ao lado da Matriz de Casa Forte e na escola Pio X, abertos para a comunidade. Este período representou a influência da cultura para apreciação da comunidade na região", contou a bióloga, Marina Costa Lima. O compositor Heitor Villa-Lobos, ex-professor de piano de uma das moradoras do Sítio Donino, chegou a ser hóspede da família em 1956.
Eventos
Segundo Marina Costa Lima, neta da terceira geração de moradores herdeiros do imóvel, artistas como Sivuca e Antônio Carlos Nóbrega, no início de suas carreiras, prestigiavam as festas no Sítio Donino. A casa ficou imortalizada nas obras dos artistas plásticos como Cavani Rosas e Clarissa Garcia.
“Mais recentemente, em meados da década de 1990 e início dos anos 2000, sob a iniciativa de etnomusicólogas percussionistas, eram organizados encontros para cantar coco, cirandas, reisado, samba de roda, afoxé, forró pé de serra, realizados debaixo da jaqueira da Casa do Sítio, em frente ao Rio Capibaribe. A importância histórica da casa do sítio não se resume à sua construção arquitetônica, mas especialmente pelo que ela representou ao longo de décadas, na história do Poço da Panela e de Casa Forte”, defende a bióloga, que chegou a participar e registrar em imagens muitos desses eventos.
“Mais recentemente, em meados da década de 1990 e início dos anos 2000, sob a iniciativa de etnomusicólogas percussionistas, eram organizados encontros para cantar coco, cirandas, reisado, samba de roda, afoxé, forró pé de serra, realizados debaixo da jaqueira da Casa do Sítio, em frente ao Rio Capibaribe. A importância histórica da casa do sítio não se resume à sua construção arquitetônica, mas especialmente pelo que ela representou ao longo de décadas, na história do Poço da Panela e de Casa Forte”, defende a bióloga, que chegou a participar e registrar em imagens muitos desses eventos.
O primeiro morador do chalé do Sítio Donino foi um parente do abolicionista José Mariano, entre o fim do século 19 e início do século 20. Em seguida, residiu no casarão o casal Joaquim Gomes Xavier de Andrade (Seu Quincas), que dá nome à rua, e sua mulher, Maria Góes Xavier de Andrade. Eles tiveram seis filhos e foi na terceira geração de moradores que os eventos culturais passaram a acontecer no imóvel.
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