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PANDEMIA

Afogados está entre os bairros com maior letalidade por covid-19 do Recife

Publicado em: 06/05/2020 06:00 | Atualizado em: 05/05/2020 20:35

Quinto dia útil: filas dos bancos estavam extensas no bairro de Afogados, zona oeste do Recife (Leandro de Santana/DP Foto)
Quinto dia útil: filas dos bancos estavam extensas no bairro de Afogados, zona oeste do Recife (Leandro de Santana/DP Foto)
O bairro de Afogados, na zona oeste do Recife, está entre os que têm a maior taxa de mortalidade por número de infectados por covid-19 na cidade. Segundo o Boletim Epidemiológico da prefeitura, Afogados tem 51 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e 12 mortes; Boa Viagem, na zona sul, tem 277 casos notificados e 17 mortes – uma situação explicada pelo conceito de determinação social de doenças. Veja arte.

Ontem, a reportagem do Diario esteve em Afogados pela manhã e o que se viu foram ruas lotadas, filas quilométricas em agências bancárias (o quinto dia útil é dia de pagamento), comércio praticamente fechado, alguns com portas entreabertas, a feira livre funcionando e muita gente na rua, com e sem máscaras. Em frente a uma agência bancária privada, uma fila única formada dobrava a esquina e quem saía do atendimento se imprensava entre quem aguardava.

O aposentado Amauri Gomes, de 82 anos, morador do bairro do Arruda, tentava sacar a aposentadoria. “As duas agências próximas à minha casa estavam fechadas, com um aviso de reabrir só após a pandemia colado na porta. Fui em Olinda e vi a mesma coisa”, contou. Ao ver o tamanho da fila, ele decidiu pegar outro ônibus para Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes. “Preciso ir, preciso do dinheiro”.

Muitas pessoas em situação de rua andavam pelas calçadas. Na praça do Largo da Paz, em um barraco montado no canteiro, Roserlândia de Santana, 49, mora desde o início da pandemia. Sem conseguir vender água, perdeu totalmente a renda e foi despejada do quarto que alugava por R$ 250. “Eu podia sacar meu benefício (emergencial) e voltar a ter onde morar, mas perdi meu RG e o banco não aceita meus outros documentos”, conta, mostrando a carteira de trabalho, CPF e uma cópia de RG. A moradia é uma coberta de lona e lençóis sobre um colchão e ela explica que tenta manter tudo limpo para não se contaminar. “Isso aqui não é documento não? No banco me disseram que eu fosse à delegacia fazer um BO (boletim de ocorrência, pela perda do documento). Até parece que vão me atender. O inimigo é sujo e é corrupto”, diz Roserlândia.

Na feira livre do bairro, o único sinal de que existe pandemia é que a maioria das pessoas usa máscara. Dos oito ambulantes que vendiam frutas e raízes na calçada em frente ao mercado, apenas um usava a proteção. Adiante, um diz que nem queria estar ali, mas com o auxílio negado, passaria fome se não trabalhasse.

Segundo a médica sanitarista, doutora em Saúde Pública e pesquisadora do departamento de Saúde Coletiva da Fiocruz, Paulette Cavalcanti, existem linhas muito tênues entre os determinantes dos processos sociais de saúde e de doença. “Qualquer doença tende a incidir mais em pessoas mais pobres, com menos escolaridade e que moram em locais com mais gente”.

A circulação de pessoas em torno do comércio é um fator importante nesse cenário. “No bairro de Afogados, muita gente vive da feira ou mora muito próximo, a circulação no entorno permanece. Na feira a gente tem elementos que são fáceis de gerar transmissão. Quando se conversa com essas pessoas, elas dizem quase em unanimidade ‘eu sou forte, essa doença não vai me pegar’”, diz Paulette. É uma crença sobre a própria saúde muitas vezes pelo desconhecimento de doenças pré-existentes como hipertensão ou diabetes.

Outro fator crítico é o número de moradores por casa e o uso insuficiente (ou errado) de máscaras. “Na periferia a gente tem domicílios pequenos, com poucos cômodos e muita gente. Isso faz a pessoa não conseguir ficar em isolamento, um escape vai ser necessário. Com relação às máscaras, estimamos que são necessárias duas por adulto e uma por criança, no mínimo. Mas se a máscara não é política social, o auxílio que se recebe não vai ser usado para a proteção, mas para comprar comida”.
 
De acordo com a Secretaria de Saúde do Recife, os números estão sendo observados pela Prefeitura e as ações de prevenção nos bairros populares serão reforçadas. "Os dados de letalidade devem ser avaliados com cautela. Precisamos estar cientes que o número de testes podem variar de bairro por bairro, o que causa o aumento ou diminuição de números de casos. Se avaliarmos o Índice de Isolamento Social, fornecido pela In Loco, Afogados não aparece com uma pontuação tão baixa, mas é um local com grande circulação de pessoas que não são necessariamente moradoras, grande parte para frequentar a sua feira. Sabendo disso, enviamos decretos para disciplinar o funcionamento das feiras e mercados", diz o secretário da Saúde de Recife, Jailson Correia. "Temos observado que bairros mais populares tem sido mais atingidos pela Covid-19, é algo que colocamos em mesa para modificar. Por isso estamos reforçando ações em todas as comunidades, com carros de som informativos e até mesmo drones que passam com recomendações para a população. O uso de máscara e distanciamento social são medidas que precisam ser tomadas em todos os locais."

DADOS

Boa Viagem
•Valor do Rendimento Nominal Médio Mensal dos Domicílios R$ 7.108
•Média de moradores por domicilio (habitante/domicílio) 2,9 pessoas
•Taxa de Alfabetização da População de 10 anos e mais 97,6%
•População por cor ou raça:
- Branca 66,35%
- Preta 3,41%
- Parda 29,05%
•Número de SRAG* confirmados: 277
•Número de mortos por SRAG: 17

Afogados
•Valor do Rendimento Nominal Médio Mensal dos Domicílios R$ 1.545,82
•Média de moradores por domicilio (habitante/domicílio) 3,3 pessoas
•Taxa de Alfabetização da População de 10 anos e mais 92,8%
•População por cor ou raça:
- Branca 37,96%
- Preta 9,19%
- Parda 51,78%
•Número de SRAG* confirmados: 51
•Número de mortos por SRAG: 12

*Incluindo pacientes confirmados com covid-19
Fontes: IBGE e PCR
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