Coronavírus

Profissionais de saúde abdicam da convivência familiar para proteger parentes da Covid-19

Publicado em: 14/04/2020 14:31 | Atualizado em: 14/04/2020 23:03

Constance Majoi mudou de endereço para proteger os pais e avós idosos, além do irmão. (Foto: cortesia)
Constance Majoi mudou de endereço para proteger os pais e avós idosos, além do irmão. (Foto: cortesia)

No último final de semana, Constance Majoi, 33 anos, enfermeira residente no Hospital das Clínicas (HC), no Recife, organizou sua mudança para um novo endereço. Já buscava isso desde o início da pandemia do coronavírus. Constance dividia a casa com um irmão, paciente reumatológico, e com os pais e avós idosos, considerados grupos de risco para a Covid-19. Até o fim da pandemia, somente verá os parentes por vídeo chamadas. A saudade vai apertar. Mas ela prefere manter a certeza de que não será um vetor de contaminação para os seus.

Assim como Constance, a história se repete entre outros profissionais de saúde. Muitos não veem alternativa a não ser mudar de casa enquanto a doença perdurar no atual formato no país. Constance trabalhava 60 horas semanais no HC, uma das unidades referência para atendimento da Covid-19. Para evitar muita exposição, o tempo de trabalho foi reduzido para 48 horas semanais.

“Foi uma decisão minha mudar de casa. Já estava procurando fazer isso desde o início da pandemia. Como circula muita gente no hospital, preferi me afastar dos parentes.” Ela deixou o bairro de Casa Amarela, no Recife, para morar na Cidade Universitária, bem perto do hospital onde trabalha. “O que me preocupava mais era eu ser vetor, levar a doença para outras pessoas. Como me afastei, a preocupação agora é somente comigo.” Constance disse que o HC começou a receber pacientes da Covid-19 desde segunda-feira (13). “Por enquanto, estamos com material de proteção em quantidade suficiente. Estão restritos e sob controle para não acabar logo”, pontuou.

José Brito sente falta dos encontros presenciais com o filho, de 1 ano e 3 meses (Foto: cortesia)
José Brito sente falta dos encontros presenciais com o filho, de 1 ano e 3 meses (Foto: cortesia)

O enfermeiro José André de Lira Brito Filho, 26, decidiu não encontrar o filho de 1 ano e 3 meses até o final da pandemia. Como é separado da mãe da criança, ele e o filho costumavam se encontrar nos finais de semana. “Sinto muita falta do cheiro dele, de ficar com ele. A gente agora está se falando por vídeo chamada. Até brincamos, ele fala papai. Tem sido bem doloroso ficar longe do meu filho”, lamenta André. Os encontros entre os dois cessaram há um mês.

André faz planos para quando a pandemia passar. “Vou passar mais tempo com meu filho, focar na evolução dele”, diz. O enfermeiro trabalha em um hospital privado no setor direcionado aos pacientes com a Covid-19. “Todos estamos com Equipamentos de Proteção Individual de ponta. Mas vivemos uma angústia. Não sabemos o que enfrentamos de verdade, a gente desconhece o vírus. Ainda é muito difícil. Muitos pacientes chegam em crise de ansiedade”, relata. A escala de André segue o plantão de 12h trabalhadas por 60h de folga. Para ele, são os piores momentos em dois anos de profissão.

A psicóloga hospitalar Catarina Lima da Silva tem feito escuta solidária virtual durante a pandemia. Entre as pessoas que procuram a profissional, há quem trabalhe na área de saúde na linha de frente do combate à Covid-19. “Muitos vivem um sentimento de abandono, como se ninguém olhasse para eles”, diz Catarina.

Catarina ouviu relatos de enfermeiras desesperadas porque estão colocando em risco a família. “Muitas têm filhos e pais idosos e se isolam dentro da própria casa. Mesmo que façam a assepsia, elas se sentem como um risco para os parentes. Uma delas disse que tem dois filhos e na volta para casa não pode sequer abraçar a menor, uma criança de 3 anos. Como explicar para uma criança que não pode brincar e abraçar? Nesse caso, ela nem tem como se mudar de casa porque não tem com quem deixar os filhos.” Ficar em casa, nesses momentos, é como uma tortura para esses profissionais, avalia Catarina.

Para a psicóloga, é importante, neste momento, tentar se acalmar e não perder o eixo. Criar estratégias. “É muito importante a terapia para o pessoal de saúde neste momento para que eles possam também cuidar do outro da melhor forma.”

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde informou que foi recomendado aos profissionais dos Centros de Assistência Psicossocial (Caps) que estejam mais atentos para a possibilidade de acolhimento e suporte em saúde mental para profissionais das diversas áreas e população em geral durante a pandemia. “Os serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Pernambuco, mesmo diante da atual situação provocada pela pandemia da Covid-19, e seguindo também as recomendações da Política Estadual de Saúde Mental, continuam com seus serviços abertos aos pacientes em sofrimento mental, que necessitam de atendimento no estado”, diz um trecho da nota enviada ao Diario.

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