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Moradores de Fernando de Noronha comentam como está a vida na ilha após 24 confirmações da Covid-19
Publicado: 17/04/2020 às 19:41

Atualmente, Noronha tem 3,3 mil pessoas no arquipélago. Em um período comum, o número chega a 7 mil./Foto: Paulo Paiva/DP

A produtora cultural recifense Virginia Anghinoni , 39, mora em Noronha há 10 anos. Com o marido, Rafael Robles, e a filha, Maria Clara, 5, viu o arquipélago se transformar em apenas um mês. Entre 17 de março e 17 de abril, Noronha proibiu a entrada de turistas e fechou o aeroporto inclusive para moradores que estavam no continente. A última medida anunciada, quarentena para todos os residentes, vai valer inicialmente por 10 dias, entre esta segunda e o dia 30 de abril.
"Morar em Noronha é uma dádiva e sabemos que existem as limitações pontuais. Agora, existe um novo cenário com essa crise de saúde gravíssima. Estamos neste momento ilhados, e todas as formas de ganhos, principalmente a financeira, é o maior impacto porque é o turismo que nos sustenta", afirma Virginia.

No período de quarentena, os moradores da ilha só poderão sair de casa para aquisição de itens essenciais e para atendimento médico. Equipes do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde farão um estudo epidemiológico dos infectados com a Covid-19. A medida tem o objetivo de conter a doença na ilha e realizar um estudo epidemiológico da evolução do novo coronavírus no arquipélago. Atualmente, todas as 24 pessoas diagnosticadas em Noronha estão em isolamento domiciliar.
Por 10 dias, os moradores da ilha só poderão sair de casa para a aquisição de itens essenciais e para atendimento médico. A administração de Fernando de Noronha deu início à preparação do apoio à população com a distribuição de cestas básicas. Também será fornecido um vale-gás e água mineral no valor de R$ 200, a ser pago a partir da próxima semana.
O secretário estadual de Saúde, André Longo, ressaltou que a medida é necessária pelas características de isolamento da ilha. "Fernando de Noronha requer uma atenção especial por causa da dificuldade de acesso e da limitação de recursos de saúde existentes no local. Estamos enviando uma equipe com seis sanitaristas, com o apoio do Ministério da Saúde para um estudo epidemiológico completo do caso", afirmou.
O decreto estadual que estabelece a quarentena no arquipélago saiu 11 dias após o fechamento do aeroporto local, proibindo a entrada de moradores na ilha. Apenas servidores públicos federais e estaduais, e outras categorias cujo trabalho seja considerado essencial (com autorização expressa), podem entrar em Noronha. No entanto, essas pessoas precisam ficar sete dias isoladas antes de iniciarem o trabalho.
A circulação na ilha só será permitida para a compra de alimentos, remédios, produtos de higiene, para a obtenção de atendimento ou socorro médico, para a realização de serviços bancários e para embarque e desembarque (das pessoas autorizadas) no aeroporto e ainda para a atividade de pesca na forma disciplinada, com grupos de, no máximo, três pessoas por embarcação. Estão proibidos os serviços de transporte de passageiros, incluindo serviços de ônibus e de táxis.
"A medida pode soar exagerada, mas é necessária, para ficarmos livre o mais rápido possível do vírus. A gente vai fazer isso pelo bem da comunidade, para salvar as vidas das pessoas. O decreto é uma corroboração das medidas restritivas do que já vêm sendo feitas em Noronha. Só com esse controle total poderemos vencer esse combate", disse o administrador de Fernando de Noronha, Guilherme Rocha.
A mineira Lucimara Gonçalves, 45 anos, vive em Noronha há 9 anos. A relações públicas se diz privilegiada por morar em um lugar paradisíaco, sem violência e poluição. "O coronavírus conseguiu entrar aqui facilmente, pois a ilha recebia muitos voos diariamente. Ele mudou nossa rotina. Agora, estamos proibidos de frequentarmos as praias e recebemos mais um decreto de que, para saírmos, será necessária uma autorização do administrador via SMS", pontuou.
Ela ressalta que a população vive do turismo e atualmente está sem salários e sem faturamento. "Viver aqui, nessa atual conjuntura, ainda é um privilégio, pois, dos casos confirmados, todos passam bem. Temos cestas básicas e todo o apoio do administrador, que se mudou para a ilha para cuidar de tudo pessoalmente. Mudanças ocorrem todos os dias, conforme as necessidades. Estamos passando por isolamento social e, agora, monitorados. Espero que consigam conter a proliferação do coronavírus na ilha e nos deixem livres para curtir as nossas praias, nossos amigos e nossa família", afirmou Lucimara.
Formulário
Todos os moradores de Noronha vão receber uma mensagem SMS no celular, a partir deste sábado (18), com um link direcionando para um formulário. Neste cadastro, poderá fazer o pedido para sair do isolamento, informando o motivo da saída da residência, o dia e o horário.
A solicitação será avaliada pelo gabinete do administrador. Caso seja permitido, a pessoa receberá uma autorização digital, no próprio celular, para poder se locomover naquele dia e horário solicitado. "Teremos um plantão 24 horas para reponder a esses pedidos. Além do link pela internet, quatro linhas telefônicas da assistência social farão o atendimento. Saídas de emergência para um socorro médico não necessitarão do formulário", esclareceu o administrador da ilha.
Caso ela seja abordada pela Polícia Militar, terá que apresentar a autorização. O descumprimento do decreto estadual poderá ocasionar em prisão e pagamento de multa, como previsto no Código Penal. Para reforçar a fiscalização, o efetivo policial da ilha vai receber o apoio de mais trinta policiais.
Atualmente, Noronha conta com um efetivo de 30 policiais, ou seja, a equipe vai dobrar para realizar as fiscalizações. Segundo o administrador da ilha, a medida foi necessária, pois, desde as primeiras confirmações de casos, as medidas de isolamento social estavam sendo descumpridas.
Vale-gás e água mineral
As famílias que vivem em Noronha terão direito a receber R$ 200 por mês a partir da próxima semana para comprar gás de cozinha e água mineral enquanto durar a pandemia. Os interessados no auxílio devem se cadastrar pela internet. Em seguida, o cadastrado vai receber por SMS no celular um cartão virtual em QR Code, que dará direito à compra de gás, água, entre outros itens (exceto bebidas alcoólicas), nos estabelecimentos cadastrados.
"Estamos empenhados em prestar todo o apoio à população e dar condições para que elas possam ficar em casa com as necessidades básicas garantidas", disse o administrador de Fernando de Noronha. Segundo Guilherme Rocha, a ilha tem dois bancos, uma casa lotérica, duas farmácias e seis mercadinhos e supermercados. Em relação à estrutura de saúde, o arquipélago tem um posto PSF, o Hospital São Lucas e terá, na próxima semana, um hospital de campanha.
"A nossa prioridade no momento não tem sido pensar nos prejuízos, mas em salvar vidas. A preocupação com o lado econômico existe, claro. Estamos preocupados e atuando com a Secretaria Estadual de Turismo e do governo do estado na busca de soluções por meio de linhas de crédito para atender os anseios de donos de pousadas e empresários em geral da ilha. Está nos nossos planos, mas, agora, a prioridade é garantir comida na mesa das pessoas", explicou.
Estudo epidemiológico
Neste sábado (18), desembarca no arquipélago uma equipe multissetorial da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) e do Ministério da Saúde (MS). Os profissionais farão um estudo epidemiológico do coronavírus na ilha e a definição dos próximos passos e ações preventivas que serão adotadas.
O objetivo principal do estudo será entender a prevalência da infecção e o padrão da transmissão do novo coronavírus na ilha, considerando ainda a avaliação da magnitude dos casos leves e assintomáticos. A testagem do estudo soro-epidemiológico buscará acompanhar e descrever o comportamento da Covid-19 em todas as localidades de Fernando Noronha e, com essas evidências, complementares orientar melhor a implementação de ações que evitem novas contaminações.
"Essa ação será de suma importância para Fernando de Noronha, que, por estar longe do continente, tem diversas particularidades na questão de acesso e também de sua rede de saúde. Pelo seu porte populacional, a ilha não conta com uma estrutura de saúde de alta complexidade para o acolhimento de casos graves, que precisam ser encaminhados para o continente. Por meio desse estudo, poderemos mapear a situação da localidade e implementar políticas públicas na ilha, que é um patrimônio cultural do Brasil", destacou o secretário estadual de Saúde, André Longo.
Para realização do estudo epidemiológico, estão sendo realizadas discussões com diversas entidades, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS-MS), que estão debatendo, por exemplo, o método das amostragens e os tipos de exames mais indicados segundo a condição clínica de cada indivíduo que terá sua amostra coletada. A expectativa é que até o início da próxima semana esteja fechada a metodologia que será aplicada nesta avaliação, que se somará as várias ações já em andamento.
Os resultados do estudo vão servir para compreensão da circulação do vírus em outras regiões do país na medida que seus resultados sejam comparados com resultados de estudos semelhantes realizados em outras localidades e unidades federadas. Atualmente, está em andamento em Noronha a investigação dos moradores sintomáticos e dos assintomáticos contactantes diretos de casos confirmados. Dos 24 casos positivos da doença na ilha, 23 estão em quarentena e um recuperado. Outros 112 casos já foram descartados. Outras 36 pessoas que fizeram o teste de PCR estão aguardando o resultado em isolamento domiciliar.
"A princípio, existe um consenso que o que está sendo feito na ilha é o correto, e vamos continuar. Noronha é o único lugar do Brasil onde está sendo feita a testagem em massa. Isso nos deixa mais seguros com ações de prevenção ao combate da Covid-19”, destaca Rocha.
Em fase de finalização, o hospital de campanha de Fernando de Noronha, que terá seis leitos montados provisoriamente na Escola de Referência em Ensino Médio Arquipélago, deve entrar em funcionamento na próxima semana. "Encontramos uma dificuldade para colocar o hospital em funcionamento por causa da disputa comercial relacionada a equipamentos usados no tratamento, mas já recebemos uma entrega ontem (quinta-feira) e outra hoje",
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