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Coronavírus

Filha faz ligação comovente para se despedir da mãe internada com Covid-19

Publicado em: 29/04/2020 09:29 | Atualizado em: 29/04/2020 10:23

Maria Albani, aos 93 anos, morreu dois dias depois da filha falar com ela. (Foto: cortesia
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Maria Albani, aos 93 anos, morreu dois dias depois da filha falar com ela. (Foto: cortesia )
Era uma quinta-feira, 23 de abril, quando a jornalista Silvana Andrade, 56 anos, fitou a mãe idosa pela última vez. Foi através de uma vídeo chamada, único recurso possível para familiares falarem com pacientes da Covid-19 internados em estado grave. O encontro virtual durou 15 minutos. Silvana aproveitou cada fração de tempo para falar de amor, gratidão e de encontros na eternidade. Aos 93 anos, Maria Albani de Andrade Nunes permaneceu de olhos cerrados, característica comum aos pacientes sedados e entubados. Dois dias depois, a idosa partiu. Deixou Silvana e mais três filhos. O marido, companheiro ao longo de 70 anos, Antônio Nunes Nogueira, partira pouco antes, em 5 de março, também aos 93 anos.

Silvana precisou travar uma batalha para garantir o encontro com a mãe. Mesmo à distância. Em 16 de abril, fez um desabafo nas redes sociais falando sobre a necessidade de se despedir de Albani e logo ganhou o apoio de mais de 7 mil pessoas no Facebook. O apelo chegou ao hospital onde Albani estava e médicos sensíveis ao caso facilitaram a visita virtual. Os encontros entre pacientes e familiares em meio à Covid-19, no entanto, nem sempre são possíveis. Um projeto de lei para transformar o ato em um direito das famílias já foi formulado. Trata-se de uma questão humanitária.

“Disse tudo para minha mãe. Do amor que eu sentia por ela, do quanto eu era grata por ela ter sido minha mãe, que ela era perfeita e que ela fosse em paz, pois estava tudo certo e um dia a gente se encontraria. Sei que ela entendeu. Existem relatos de pessoas que ouviram as vozes de pessoas próximas durante experiência de quase morte”, lembra Silvana. Também havia esperança entre os familiares da mulher melhorar após escutar a voz da filha.

A jornalista conta que a mãe foi contaminada com o coronavírus no próprio hospital onde morreu, na última cirurgia de fêmur. Foram quatro intervenções no total. Em meio ao adoecimento da companheira, o pai de Silvana entristeceu e precisou ser internado, muito fraco. Morreu depois de uma  broncoaspiração. “Eles eram muito companheiros. Quando mamãe soube da morte de papai, chorou muito e chegou a perguntar por que ele tinha deixado ela sozinha. Apesar de tudo, minha mãe era muito alegre, queria muito viver”, contou a jornalista.

A história de Albani e Silvana inspiraram a criação do projeto de lei do deputado federal Célio Studart (PV Ceará). O documento (PL 2136/2020) foi protocolado e dispõe sobre as visitas virtuais a pacientes infectados pelo novo coronavírus. Iniciativas semelhantes acontecem em hospitais de todo o mundo durante a pandemia. “Estas experiências podem aumentar a imunidade emocional e, assim, colaborar para a melhora dos enfermos”, afirma Célio. Na opinião do político, o estresse e o medo do paciente também são potencializados com o afastamento dos familiares e de pessoas próximas. Tem sido comum o relato de pacientes que morreram sem a chance de se despedirem.

O projeto prevê que devem ser aplicados todos os protocolos sanitários e de segurança para a realização das chamadas para, assim, existir mais proteção dos profissionais de saúde. A ligação, diz o projeto de lei, deve ser previamente autorizada pelo profissional responsável pelo tratamento do paciente.
 
Antes da pandemia do coronavírus, projetos para aproximar pacientes e familiares através da tecnologia já aconteceram em outros locais do país. Um deles foi desenvolvido na unidade de tratamento intensivo neonatal da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), do complexo hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde mães puderam ter contato com seus filhos durante tratamentos. Ao todo, Célio Studart apresentou cinco projetos relacionados à pandemia. O documento inspirado por Silvana deve ganhar o nome da mãe dela.

“Eu tinha minha própria dor, mas, na minha dor, era como se sentisse a dor de todo mundo. Muitos não acham que têm direito e nem reivindicam. Queria que esse não fosse um favor, mas um direito humanitário garantido para todos, seja em hospitais privados ou públicos, principalmente para os mais pobres”, pontua Silvana. Na opinião da jornalista, o impacto na saúde mental dos familiares dos pacientes mortos é incalculável. “O pedido de visita ou de despedida virtual é um paradoxo diante de como as telas dos celulares, tablets e tvs distanciaram as pessoas. Hoje a gente fica no celular e pouco conversa. Mas o mundo está mudando tanto que essa tecnologia que nos distanciou agora é a única forma de humanizar a dor deste momento”, analisa.

Em meio às discussões sobre os encontros virtuais entre pacientes graves da Covid-19 e seus familiares, integrantes do Conselho Federal de Psicologia e da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar já promoveram debates, através de lives, sobre a necessidade de flexibilizar e dar condições para um mínimo de contato com a pessoa isolada. “O ponto da despedida é importante no início do luto. É por ali que o luto se inicia, onde a ficha cai. A impossibilidade de despedida é algo que tem consequências graves. A não possibilidade de uma cerimônia, como estamos acostumados, deixa as pessoas sem referência. Não poder se despedir tem efeitos psíquicos graves. No luto, vamos nos desligando aos poucos”, explica a vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, Anna Carolina Lo Bianco.

A psicóloga diz reconhecer que as equipes de saúde estão sobrecarregadas e os psicólogos sem acesso às UTIs. “Mas essa orientação é o mínimo que podemos fazer. Temos um grupo de psicologia hospitalar com cerca de 700 profissionais e falamos sempre sobre isso.” Hoje não existe essa obrigação nos hospitais, mas se o projeto de lei passar, em tese, seria mais fácil de cobrar a obrigação dos encontros virtuais durante a pandemia.








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