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Coronavírus
Debate sobre aulas virtuais para alunos da Educação Infantil levanta polêmica
Publicado: 20/04/2020 às 16:42

Para Ana Carolina, mãe de três crianças, Educação Infantil implica em socialização com os colegas/Foto: cortesia
Nunca o debate sobre o uso de telas de TV, celular ou tablet no processo de aprendizagem das crianças esteve tão presente como agora, em plena pandemia do novo coronavírus. Isso porque as possibilidades de aulas não presenciais, também chamadas virtuais, já são uma realidade prestes a ser posta em prática para os alunos de todas as faixas etárias, inclusive os da educação infantil. De um lado, especialistas alertam para os riscos da exposição à tecnologia ainda nos primeiros anos de vida. De outro, as escolas e os pais buscam um meio de continuar com as aulas para os meninos e meninas até cinco anos e assim não prejudicar o ano letivo.
A discussão ainda está em curso, já que tudo é inédito em um processo que exige isolamento social para conter uma pandemia. Até o começo do mês que vem, no entanto, as escolas particulares precisam estar prontas para responder ao desafio, já que as aulas estão previstas para recomeçar em maio. Na rede municipal de ensino não há previsão de volta.
Ana Carolina Castelo Branco, 41 anos, é psicóloga e mãe de três crianças, de 12, 7 e 3 anos. Para ela, os mais prejudicados com a nova modalidade de ensino não presencial serão o mais velho e a mais nova. “O meu filho de 12 anos tem Síndrome de Down e jamais vai ter concentração. O de 7 anos ainda consegue ficar no computador para ter aula, mas não na mesma carga horária. E para a mais nova, do infantil, a escola é mais importante pela socialização e o contato com os outros e não há como trazer conteúdo para ela nesse aspecto. Pedagogicamente, avalio que será um ano perdido. Mas sei que é um problema mundial. E olhe que não estou em home office como muitos pais e nem me isentando da responsabilidade de estar junto dos filhos”, pontua Carolina.
Jaime Cavalcanti, coordenador de tecnologias educacionais do Colégio Boa Viagem, além de pesquisador em educação matemática e tecnológica na Universidade Federal de Pernambuco, reconhece o tamanho do desafio para os alunos da Educação Infantil e seus familiares. “Vamos precisar do apoio dos pais, até por conta da necessidade de colocar a criança no computador. Enquanto escola, entendemos que pode ser complicado para a família, onde há quem esteja de home office e tem que se dividir. A melhor estratégia é munir a família de todos os recursos, como guias tutoriais.”
De acordo com o pesquisador, muitos pais têm perguntado sobre a socialização das crianças, algo emblemático na Educação Infantil. “É preciso explicar para a família que a socialização tem relevo em toda trajetória, mas como proceder a socialização em um momento como esse? Aí está o desafio da escola. Precisamos colocar para os pais que existem outras formas de experiência, socialização e estímulo à aprendizagem. O que está em jogo é a formação da escolaridade da criança. Como podemos nos ajudar para garantir essa formação?”, questiona.
Uma das estratégias é a escola trabalhar de forma mais personalizada, oferecer o recurso de uma aula mais de uma vez para não prejudicar quem não conseguiu participar, conversar com a família sobre horário das aulas para não haver choque, já que há pais com mais de um filho e nem sempre dispõem de múltiplos equipamentos tecnológicos em casa.
“Já faz tempo que a gente da educação tecnológica bate na tecla de que o ensino para ser efetivo tem que ser híbrido, não só com momento presencial, mas mediado por tecnologia, algo que já existe do fundamental um para cima”, avalia Jaime Cavalcanti. As aulas, explica, vão precisar de uma variedade de recursos para manter o aluno engajado. Na escola, ele informou que os psicólogos estão à disposição das famílias e os professores também estão sendo auxiliados sobre como proceder com os vídeos, por exemplo. “Não podemos esquecer que em uma pandemia as pessoas estão abaladas e por isso precisamos trabalhar o processo sócio-emocional.”
Pernambuco tem 2.400 escolas e 400 alunos, com geração de 50 mil empregos diretos. José Ricardo Diniz, do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de Pernambuco, diz que as escolas particulares estão discutindo o tema e precisam criar mais de um plano diante das incertezas da pandemia. “A família, na verdade, nega a questão digital porque para eles isso também é novidade. Como a rotina mudou muito, eles rejeitam. Mas educação Infantil não é só brincar e socializar. São nativos digitais. Para eles, a comunicação virtual faz parte do dia dia. A escola precisa manter um trabalho em que professores tenham vínculo com seus alunos nesse período emergencial.”
Saúde -
A Sociedade Brasileira de Pediatria faz um alerta na publicação Uso
saudável de telas, tecnologias e mídias nas creches, berçários e escola. A exposição às telas pode afetar o sono, a atenção, o aprendizado, o sistema hormonal (risco de obesidade), a regulação do humor (com risco de depressão e ansiedade), a audição e a visão. Além disso, diz a publicação, há riscos de exposição a grupos de comportamento de risco e contatos desconhecidos. A recomendação de exposição a mídias para menores de dois anos é tempo zero. Para meninos e meninas de 2 a 5 anos, a recomendação é de uma hora por dia de permanência.
Carol Velho, da Rede Nacional Primeira Infância, afirma que a prática pedagógica na primeira infância é sustentada por interações e brincadeiras. “A criança aprende por meio de experiências concretas, por uma lógica não disciplinar e fragmentada, já que não há disciplinas na Educação Infantil. Nao sei se é boa opção instaurar para a Educação Infantil a teleaula ou educação à distância. Não podemos simplesmente pegar algo que pode dar certo em outra idade e transformar em processo que realmente oriente a prática dos profissionais da Educação Infantil. Acho que para essa faixa etária é muito complexo”, avalia.
Mensalidades -
Outro ponto de discussão entre pais e escolas é o pagamento das mensalidades. A Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil sugeriu que, no caso de Educação Infantil, as escolas procurassem uma conciliação com o contratante para a revisão do contrato e consequente renegociação das mensalidades durante o período de isolamento social.
Um projeto de lei também chegou a ser apresentado na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) prevendo a redução proporcional das mensalidades da rede privada de ensino durante a suspensão das aulas por conta da pandemia da Covid-19. O documento previa redução de 10% a 30% no valor das mensalidades, a depender da quantidade de alunos, mas terminou arquivado.
Para Ricardo Diniz, uma redução linear nas mensalidades, defendida pelas famílias e responsáveis, inviabiliza a manutenção das escolas e vai provocar desempregos. Ele opta pela negociação individual para alcançar a redução das mensalidades.
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