CORONAVÍRUS
Pilar sofre com falta de recursos em meio ao isolamento social da Covid-19
Por: Fillipe Vilar
Publicado em: 30/03/2020 19:59 | Atualizado em: 02/04/2020 19:58
Crianças corriam descalças pela rua em meio às casas de madeira do Pilar (Foto: Hesíodo Góes / Esp DP) |
O isolamento social imposto pela crise do coronavírus expõe ainda mais a desigualdade social na comunidade do Pilar, bairro do Recife. Na tarde desta segunda-feira (30), crianças brincavam descalças na rua, enquanto adultos conversavam sentados nas calçadas ou na frente de casa. Poucos circulavam usando máscaras.
Da Rua Primavera, transversal à Rua do Brum, no bairro do Recife, é possível ver a sede da Prefeitura da capital pernambucana. A via divide a antiga fábrica da empresa alimentícia Pilar, que dá nome ao local*, e o conjunto residencial construído no coração da comunidade, abrigando alguns antigos ocupantes de barracos a localidade. Apesar da proximidade com o poder público, os moradores reclamam da falta de olhar por parte das autoridades.
Do alto de um corredor no primeiro andar, em um dos blocos, Dona Maria Lúcia Gomes, 62 anos, aposentada, observava de máscara o movimento na rua e na entrada do seu prédio. “Eu tenho varizes, feridas nas pernas, aí não posso andar muito”, disse. Ela mora sozinha em um apartamento com um quarto, sala, cozinha e banheiro.
“Quando eu quero alguma coisa eu ligo para uns parentes que vêm trazer comida, álcool gel, remédio”, relatou a idosa. Moradora do Pilar há 30 anos, Dona Maria Lúcia sentiu o início do isolamento social na pele, quando foi abordada pela polícia. “Semana passada eu fui na pracinha, aí o carro da polícia passou e me mandou voltar”, disse.
Dona Maria Lúcia Gomes, 62 anos, conta com parentes para conseguir mantimentos (Foto: Hesíodo Góes / Esp DP) |
A aposentada afirma que está se cuidando como pode contra o coronavírus, mas que ficar somente no apartamento incomoda. “É um calor danado dentro de casa, aí às vezes eu venho aqui no corredor tomar um vento”, contou. Companhia são os vizinhos: um menino de 17 anos e uma adolescente de 16. “Eles vêm aqui conversar comigo, são como se fossem meus netos”, disse.
Leandra Patrícia, 40 anos, trabalha como ambulante e faz bicos como manicure para conseguir dinheiro. “A gente vê a prefeitura daqui, mas parece que eles não veem muito a gente”, contou. “Agora com essa crise, quem tem filho na escola pega a cesta básica que eles dão”, continuou.
Ela destacou o trabalho das ONGs e empresas junto à comunidade. “Pessoal da Ponte entregou algumas cestas na semana passada. Porto Digital também”, afirmou. Na última sexta-feira (27), a ONG Visão Mundial fez uma ação junto à Pilar distribuindo kits com material de prevenção contra a contaminação, como álcool gel, desinfetante e álcool para limpeza. A organização também distribuiu cestas básicas.
Jairo Walterlan da Silva, 28 anos, não tem emprego fixo. Ele conta que a falta de trabalho formal é um problema crônico da comunidade. “Boa parte das pessoas daqui está desempregada. Pessoal trabalha com comércio, vendendo bebida. Com essa situação toda, todo mundo está sem de onde tirar o sustento”, relatou. Segundo ele, seus vizinhos estão procurando se cuidar na medida do possível. “A gente busca lavar as mãos, os mais velhos não irem muito para rua”, contou.
Rosineide Santana, 59 anos, tem artrose e faz terapia no posto de saúde da localidade. Ela teve que parar o tratamento por conta da crise do coronavírus. “Não estou podendo mais ir desde que essa situação começou”, disse. Auxiliar de serviços gerais, Santana está desempregada e recebe Bolsa Família. Mora com um filho, adulto, e dorme na sala de casa, juntando cadeiras para fazer uma cama improvisada.
“Eu vendo picolé a R$ 1 para conseguir alguma coisa a mais”, disse ela, mostrando um pote de plástico transparente com algumas moedas dentro, fruto do trabalho. Um total de R$ 4. Rosineide afirmou que, durante o isolamento, fica na porta de casa vendendo os picolés para quem passa na rua. “Essa doença nova aí dá um pouquinho de medo, mas Deus é grande e não vai acontecer nada de mais com a gente”, disse.
Rosineide Santana, 59 anos, vende sacolés em casa para complementar a renda (Foto: Hesíodo Góes / Esp DP) |
Muitos moradores se agarram à fé como uma proteção a mais contra o novo vírus. Em um dos blocos, no fim da tarde, uma pregação evangélica relatava a crise da Covid-19. A cerimônia ocorreu no pátio interno de um dos blocos e reuniu oito pessoas, duas a menos do que o Governo do Estado considera como “aglomeração”, de acordo com o último decreto restringindo reuniões para evitar o contágio, publicado no dia 23 de março.
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, cita Seu Josafá para os outros sete vizinhos, que acompanhavam a palavra. “Não vamos nos abater por conta desse vírus, o amor de Deus vai nos livrar de todo o mal”, dizia aos fiéis.
Moradores improvisam culto evangélico em um bloco de apartamentos na comunidade (Foto: Hesíodo Góes / Esp DP) |
Ao lado dos blocos de apartamento, casas de madeira se espremem encostadas no muro da antiga fábrica. Jaciara do Carmo de Lima, 46 anos, mora em uma dessas residências. Vinda há 3 anos para o Pilar, oriunda da comunidade do Papelão, também no centro do Recife, disse que a informação chega pela televisão. “Eu me cuido ficando dentro da minha casa, cuidando dos meus netos”, disse. Um menino de 4 anos pintava uma revista enquanto ela segurava o irmão mais novo dele, de 1 ano e 3 meses.
Em frente à casa de Jaciara, um cano fino, vindo de uma obra do lado da igreja católica da comunidade, despejava água limpa na rua. É de lá que, sem saneamento, os moradores da área pegam baldes d’água para usar em seus afazeres e consumo doméstico.
Numa casa amarela logo adiante na via mora, há 31 anos, o motorista Napoleão Gomes Filho, 58, que afirmou ter se afastado do trabalho porque apresentou sintomas de gripe. “Aqui nessa rua tem 15 barracos, acho que só dois têm água encanada”, disse.
“Fiz esse esgoto que você tá vendo aí na frente”, afirmou Napoleão, apontando para uma tampa de ferro de um bueiro no meio da rua. “A gente fez isso porque senão não tem como viver”, relatou. Os moradores dos barracos esperam os novos blocos serem construídos em um terreno também ao lado da igreja católica, fechado por uma cerca de zinco. “Tem gente que conseguiu o auxílio-moradia, mas boa parte não”, disse o motorista.
NOTA: o leitor Flavio Schuler, guia turístico, nos enviou a informação de que o nome Pilar é proveniente da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, templo construído sobre o Forte de São Jorge, em 1680. A fortificação existia naquela área hoje ocupada pela comunidade.
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