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Covid-19

O cotidiano em Areias, bairro do Recife com a primeira morte por coronavírus no Nordeste

Publicado em: 26/03/2020 20:57 | Atualizado em: 29/12/2020 22:49

Edna Laurina, dona de uma pequena peixaria no Mercado de Areias. (Foto: Hesíodo Goes/Esp. DP)
Edna Laurina, dona de uma pequena peixaria no Mercado de Areias. (Foto: Hesíodo Goes/Esp. DP)


As sessões de clarinete de Seu Luiz costumavam presentear as tardes da pacata Rua Pesqueira, no bairro de Areias, Zona Oeste do Recife. O idoso de 85 anos saía pouco de casa, geralmente para caminhar pela Praça Alfredo Pinto ou tocar no culto na Igreja Assembleia de Deus do bairro. Desde o dia 18 deste mês, os sopros no terraço cessaram quando o músico evangélico começou a apresentar um quadro de tosse seca, febre, dispneia (dificuldade de respirar) e dor torácica. Luiz Rodrigues foi encaminhado para o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), onde faleceu na última quarta-feira (25).

Foi a primeira morte por decorrência de coronavírus confirmada no Nordeste, de acordo com o Ministério da Saúde. Luiz tinha histórico de diabetes, hipertensão e cardiopatia isquêmica. O fato aproximou a Covid-19 da realidade dos moradores de Areias. Há um mês, o vírus era visto como o termor de um longuíquo município chinês. Nesta quinta-feira (26), mais duas mortes foram confirmadas no estado pela Secretária de Saúde de Pernambuco (SES-PE).

"Luiz era senhor muito simpático. O medo do contágio aumentou muito na rua depois da morte dele. Os idosos estão saindo menos, exceto alguns mais teimosos, que ficam na frente de casa conversando", conta Thais Renata, 35, vizinha do falecido. "Sou cabeleireira. Atendo em casa, mas encerrei as atividades por conta do isolamento, que respeito e acho correto. Só saio para dar uma olhadinha. Quero que isso acabe o mais rápido possível", desabafa.

Rua Pesqueira, onde morava Luiz. (Foto: Hesíodo Goes/Esp. DP)
Rua Pesqueira, onde morava Luiz. (Foto: Hesíodo Goes/Esp. DP)


O receio pela aglomeração de pessoas é comprovado em diferentes pontos do bairro, tradicional subúrbio da Zona Oeste, mas em diferentes níveis. Rogério Marques, 43, saiu de casa para caminhar na Praça Heróis da Restauração, principal parque público de Areias. "Estou saindo apenas para fazer exercícios. Tem pouquíssimas pessoas por aqui, exceto os jovens que ainda se encontram para jogar futebol na quadra. A partir das 18h, o movimento da praça fica em torno de 30% do que era antes", conta o motofretista, atualmente desempregado.

"Desde a última terça-feira (24), sinto que as coisas estão voltando a fluir. Até porque o presidente se pronunciou para isso. Eu concordo com ele em partes, pois precisamos ir voltando a trabalhar aos poucos, deixando a quarentena para os idosos", opina, em relação ao controverso pronunciamento de Jair Bolsonaro, que minimizou os impactos do coronavírus e criticou medidas de isolamento social.

Mercado de Areias, localizado na Avenida José Rufino. (Foto: Hesíodo Goes/Esp. DP)
Mercado de Areias, localizado na Avenida José Rufino. (Foto: Hesíodo Goes/Esp. DP)


No Mercado de Areias, localizado na Avenida José Rufino, existe uma insatisfação generalizada pelo decreto do Governo de Pernambuco que fechou estabelecimentos não essenciais desde o último domingo. O espaço possui 250 boxes na área interna, que parou de funcionar desde que o teto desabou em 2006. A parte externa ainda agrega alguns comerciantes, que reclamam por não poderem exercer atividades necessárias para sustento.
 
Edna Laurina, 60, é dona de uma pequena peixaria na parte de trás do mercado. Ela dorme dentro do local: "Estou sem trabalhar e não sei como será daqui para frente. Daqui a pouco vão começar a roubar para comer. Não é brincadeira". A sensação é compartilhada por Maria Luciana, 48, que costumava vender marmitas no mercado. Muitos comerciantes culpam o carnaval pela disseminação da covid-19 em Pernambuco.

Silvino Gomes, barbeiro do Mercado de Areias. (Foto: Hesíodo Goes/Esp. DP)
Silvino Gomes, barbeiro do Mercado de Areias. (Foto: Hesíodo Goes/Esp. DP)


"Coronavírus está por aí para todos. Lavar as mãos antes de entrar aqui no salão. Só clientes”. A frase foi pintada ao lado da porta da barbearia de Silvino Gomes, 50. Entre as letras, o barbeiro colocou um recipiente com álcool gel para assepsia das mãos. "Eu trabalho aqui há 30 anos, inclusive cortei o cabelo de Seu Luiz há meses atrás. Ele foi meu cliente por muito tempo", relembra.
 
"Preparei esse aviso de higiene assim o carnaval acabou. Também instalei duas pias para lavarem as mãos. Eu sabia que isso ia chegar forte, mas não ao ponto de fechar os estabelecimentos", lamenta o barbeiro. "Minha esposa também tem um salão para mulheres. Não sabemos como vamos ficar sem cortar cabelo", finaliza.
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