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Especialistas esperam soluções para creches inacabadas em PE

Publicado em: 17/02/2020 06:40 | Atualizado em: 17/02/2020 13:10

TCE acompanha nova licitação de creches inacabadas em Jaboatão, como a de Dois Carneiros (foto). (Foto: Bruna Costa/Esp. DP. )
TCE acompanha nova licitação de creches inacabadas em Jaboatão, como a de Dois Carneiros (foto). (Foto: Bruna Costa/Esp. DP. )
A quantidade de obras emperradas de creches e escolas de educação infantil, com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em Pernambuco, mostram a necessidade de se discutir o problema. O Diario conversou com a Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) e com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, referência em primeira infância. Ambas compartilham da mesma visão: é preciso sentar com os municípios e buscar alternativas, seja para concluir as creches inacabadas ou pensar em novas formas de custear a educação de crianças.

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O presidente da Amupe, José Patriota, vê muita troca de acusações políticas no assunto. “Na última eleição, em 2016, houve muitas mudanças, e quem assume o comando acaba indo para cima do antecessor. Alguns, de fato, deixaram obras sem o devido encaminhamento. Mas há muita disputa por poder. A Amupe, enquanto entidade, não pode acusar ninguém de nada, mas pode ajudar na busca por soluções”, discorre.

“Quando a gente começa a apurar, vemos que a causa dominante é falta de recursos. Isso acontece quando a obra não tem regularidade na liberação de dinheiro, como acontece nesses casos das creches do FNDE. Tem empresa que ganha a licitação, mas quebra por não ter capital. E distratar um contrato não é fácil”, alega.

Patriota defende uma reunião com Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e municípios, para se discutir caminhos. “Não há uma solução única, porque a situação de cada uma difere. Só fazendo um diagnóstico correto para avaliar. Se o MPPE topar, podemos nos reunir todos para buscar alternativas. A Amupe está à disposição”, acena.

Danos sociais
A gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Beatriz Abuchaim, alerta para as consequências negativas que a falta de uma creche traz à sociedade. “A família muitas vezes deixa de trabalhar por não ter onde deixar os filhos. E isso alimenta o ciclo da pobreza. Sempre que se discute esse assunto, é preciso comentar um dado sobre a população de crianças, de 0 a 3 anos, matriculadas em creches Quando separamos essa população em quatro partes, os 25% mais ricos têm um acesso maior que 55% a esse tipo de ensino. Já entre os 25% mais pobres, esse número beira os 24%”, salienta.
José Patriota, da Amupe, e Beatriz Abuchaim, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. (Fotos: Peu Ricardo/DP e Divulgação/FMCSV.)
José Patriota, da Amupe, e Beatriz Abuchaim, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. (Fotos: Peu Ricardo/DP e Divulgação/FMCSV.)
“Vários estudos nacionais e internacionais atestam que o acesso à educação de qualidade na infância têm impactos imediatos e posteriores. Quem frequentou uma pré-escola tende a ir melhor no ensino fundamental. E essas pessoas tendem a ter uma qualidade de vida melhor. Estudam mais anos, têm mais acesso à saúde e empregabilidade, menos envolvimento com drogas e violência”, exemplifica Beatriz. “Ver uma situação como essa é muito triste. É dinheiro público desperdiçado. Se essas obras não terminam, os prédios pela metade ficam sucateados e as crianças ficam de fora”, lamenta. 

Uma solução pertinente para Beatriz seria garantir recursos, mas pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). “Sua continuidade para depois de 2020 está sendo discutida na Câmara. Nós, da Fundação, defendemos que seja mantido de forma permanente. Dentro dele, pode-se traçar estratégias para qualificar esse acesso à creche”, opina.

Ineficiência do Proinfância
Das 17 obras não concluídas, 11 fazem parte do Proinfância. Criado em 2007, o programa veio como uma tentativa de ampliar e melhorar a rede pública de educação infantil. Mas  avaliações da Controladoria-Geral da União (CGU) e da ONG Transparência Brasil mostram que o projeto falhou em sua missão.

A auditoria realizada pela CGU, em dezembro de 2017, apontou quatro problemas nas obras do Proinfância, através de um relatório. O primeiro foi a “metodologia inovadora” utilizada nos projetos, coisa que poucas empresas do país tinham capacidade de executar. “Por conseguinte, as metodologias foram descontinuadas e deram causa ao aumento do passivo de obras não concluídas”, destaca o órgão.

Depois, os mecanismos de controle das obras foram “frágeis e insuficientes” por parte do FNDE e do Ministério da Educação. Ainda, o documento aponta que não houve transparência suficiente quanto à aplicação de recursos. Tudo isso culmina no quarto e último problema: a baixa contribuição do Proinfância à primeira meta do Plano Nacional de Educação (PNE), “que trata da universalização (até 2016) da educação infantil para crianças de 4 a 5 anos de idade e da ampliação de vagas para atender (até 2024), no mínimo, 50% de menores até 3 anos”.

Em junho de 2019, a ONG Transparência Brasil fez observações semelhantes. Intitulado Proinfância ou Problema na Infância? Os desafios na construção de creches e escolas em municípios brasileiros, o estudo avaliou 135 obras nas regiões Sul e Sudeste. E o resultado foi desabonador: “Na melhor das hipóteses, as obras são entregues com alguns meses de atraso, e na pior, iniciadas e abandonadas por anos a fio, sem perspectiva de retomada e gerando desperdício de recursos públicos”, alerta o texto.
Creche/Pré-Escola 003, em Garanhuns, está 82,2% concluída. (Foto: Simec/FNDE.)
Creche/Pré-Escola 003, em Garanhuns, está 82,2% concluída. (Foto: Simec/FNDE.)
 De olho
Por enquanto, o MPPE ainda não tem uma ação específica sobre as creches inacabadas, mas pediu esclarecimentos a cada município sobre a pendência. Só que, das 10 cidades envolvidas, apenas três responderam: Garanhuns, Mirandiba e Jaboatão. 

A promotoria de Justiça de Garanhuns informou que “há dois procedimentos em andamento: um acompanha a construção da creche-escola do Vale do Mundaú; o outro acompanha e fiscaliza, de forma continuada, a construção das creches municipais de Garanhuns, visando a promover a disponibilização das creches para a comunidade”.

A prefeitura de Mirandiba, que não retornou os contatos do jornal, se posicionou sobre a situação ao MPPE: “A empresa que estava construindo duas escolas abandonou as obras. A Prefeitura notificou e cancelou o contrato com a mesma e agora está sanando as pendências que a empresa deixou para poder reativar o convênio com o FNDE”.

Em Jaboatão, a promotoria municipal não abriu um procedimento específico, mas recebeu da prefeitura resposta semelhante à enviada para a reportagem, relatando as mesmas dificuldades. Por lá, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) acompanha o novo processo de licitação para retomada das obras.

Segundo o TCE, o primeiro edital, lançado em junho de 2019, tinha irregularidades, que resultaram na suspensão do processo, para que fosse reajustado. “Em 15 de janeiro, republicaram o edital, com abertura da licitação prevista para o próximo 19 de fevereiro. O novo edital está sendo analisado pelo TCE com conclusão prevista para antes do dia da abertura da licitação (19)”, diz a instituição, em nota.
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