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Incêndios a ônibus desafiam autoridades e prejudicam passageiros

Publicado em: 01/12/2019 13:00 | Atualizado em: 01/12/2019 15:19

Aumento dos incêndios em ônibus provoca medo e expõe uso do transporte público como alvo de grupos criminosos e vândalos. (Foto: Bruna Costa/Esp. DP)
Aumento dos incêndios em ônibus provoca medo e expõe uso do transporte público como alvo de grupos criminosos e vândalos. (Foto: Bruna Costa/Esp. DP)

O Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STPP) está em ebulição. De um lado, usuários insatisfeitos com longas filas nos terminais integrados, superlotação nos veículos e atraso nos horários de viagem. Do outro, rodoviários questionando a supressão de vagas de trabalho. Em meio à catarse coletiva, um medo intensificado na última semana. Em três dias, sete coletivos sofreram tentativa ou foram incendiados. Os motivos das chamas ainda são um mistério, mas o episódio é parte de um fenômeno já conhecido no país.

De 1987 a 26 de novembro deste ano, 4.488 ônibus foram incendiados no Brasil. Os atos deixaram 20 pessoas mortas e outras 77 gravemente feridas. Só em 2019, foram 116 coletivos consumidos pelas chamas. Classificados pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) como uma manifestação típica do país, os incêndios em ônibus ganharam notoriedade por acontecer em outras regiões do Brasil, na década de 1980. Agora em 2019, contudo, mais da metade deles ocorreu no Nordeste, a maioria no Ceará. Pernambuco entrou na rota entre os dias 24 e 26 de novembro, quando sete coletivos foram incendiados no Recife, em Paulista e Jaboatão dos Guararapes.

Apesar de apresentar números expressivos, o fenômeno ainda é pouco estudado. No ano passado, a NTU, que levanta dados sobre o tema desde 1987, lançou a pesquisa Fogueiras da insensatez: Por que queimam os ônibus no Brasil, de autoria do presidente do Conselho da NTU e vice- -presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Eurico Divon Galhardi. O documento mostra que queimar ônibus virou sinônimo de demonstração de raiva, descontentamento, expressão de protesto no país. Também contabiliza os prejuízos que, entre materiais e socioeconômicos, alcança R$ 1,9 bilhão nos últimos 32 anos.

Somente em 2019, o prejuízo total do setor por causa de ônibus incendiados é de R$ 49,9 milhões, R$ 45,6 milhões disso apenas com a reposição dos coletivos. “Além do prejuízo material, há um grande impacto social, pois a população fica pelo menos 90 dias sem aquele veículo. Adquirir um novo ônibus não é como comprar um carro, que você vai à loja e tem para pronta-entrega. O prazo para reposição é de três a quatro meses, então a oferta fica reduzida; a empresa deixa de faturar e a população fica sem esse coletivo durante esse período”, explicou o presidente-executivo da NTU, Otávio Cunha.

A orientação do Grande Recife Consórcio de Transporte é de reposição imediata usando a frota reserva da operadora. A empresa tem um prazo de até duas horas para cumprir a determinação. Passado esse tempo, pode serautuada pelas viagens que serão perdidas. Em todo o Brasil, em 2019, 57 mil passageiros deixaram de ser transportados por causa de incêndios. Outros não foram diretamente afetados, mas seguem amedrontados.

"Eles mandaram a gente descer e jogaram a gasolina"
Ônibus incendiado na PE-15, em Paulista, no dia 25 de novembro deste ano.
 (Foto: WhstsApp/Cortesia.)
Ônibus incendiado na PE-15, em Paulista, no dia 25 de novembro deste ano. (Foto: WhstsApp/Cortesia.)

O motorista Antônio (nome fictício) havia acabado de estacionar o ônibus em frente ao Terminal da Vila Cardeal e Silva e se preparava para descer, com a cobradora Marta (nome fictício) antes de seguir para a última viagem do dia. Ao desligar o veículo e abrir a porta, três homens encapuzados entraram. Um deles portava uma arma, outro um galão de cinco litros com gasolina. O terceiro, um isqueiro. Mandaram Antônio e Marta correrem. Os dois saíram sem olhar para trás. Depois, descobriram pelas câmeras do circuito interno o que havia acontecido. O veículo em que eles estavam, da empresa Metropolitana, foi incendiado.

Naquele mesmo dia, outros quatro coletivos passaram pela mesma situação. Também na Zona Oeste do Recife, foram interceptados veículos das linhas TI Santa Luzia/ Ibura e Ti santa Luzia/Parque Aeronáutica. Em Paulista, foram abordados dois veículos, das linhas TI Pelópidas Silveira / TI Joana Bezerra e TI Igarassu (Dantas Barreto). Este último ficou destruído. No dia 24, o veículo da linha Costa Azul/Pelópidas Silveira já havia sido incendiado. No dia 26, foi a vez de um veículo da linha Lote 56/Jaboatão.

“Eles mandaram a gente descer e foram jogando a gasolina em cima de tudo. Depois, quando vimos, eles estavam correndo atrás da gente. Pensei que iam atirar. Passamos uns 20 minutos fora e quando voltamos vimos que o ônibus não havia queimado. Nossas bolsas estavam aqui, não mexeram em nada. Então, não queriam roubar”, disse o motorista. Imagens do circuito interno mostram os homens jogando a gasolina em cima da bancada da cobradora e nos bancos. Depois, tentando sem sucesso acender o isqueiro.

No último ano, entre janeiro de 2018 e novembro de 2019, 17 ocorrências foram registradas no Grande Recife. Do total, dez casos foram incêndios provocados por agentes internos, como falhas mecânicas, e sete foram causados por agentes externos – todos na última semana.

A estudante Sofia Coutinho, 18, é usuária da linha TI Igarassu (Dantas Barreto), incendiado na PE-15, em Paulista, no dia 25. Ela viu o ônibus que usa com frequência em chamas quando voltava do Centro do Recife. “Eu estava chegando em casa quando vi o fogo do outro lado da pista. O incêndio aconteceu perto de onde moro e nos prejudicou muito. No dia, os ônibus deixaram de circular.O meu irmão, que largou do trabalho às 23h, não conseguia voltar para casa e só chegou porque pegou um mototáxi à 1h. Depois, mesmo com os ônibus circulando, o tempo de espera aumentou de 20 para 40 minutos, em média”, contou.

Segundo o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE), o prejuízo financeiro referente aos veículos incendiados nessa semana supera R$ 600 mil. Os dois ônibus completamente incendiados eram novos, modelo 2019. Cada um custava, de acordo com a Urbana-PE, cerca de R$ 300 mil e contava com os equipamentos de tecnologia embarcadas como GPS, telemetria, câmeras de segurança, bilhetagem eletrônica, entre outros.

A Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS) criou força-tarefa para investigar os incêndios a ônibus.   (Foto: SDS/Divulgação.)
A Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS) criou força-tarefa para investigar os incêndios a ônibus. (Foto: SDS/Divulgação.)

“Entretanto, o impacto dessas ações criminosas foi mais amplo. Medidas emergenciais foram tomadas na noite e madrugada das primeiras ocorrências de forma a preservar a segurança dos nossos clientes e operadores e permitir a continuidade do serviço de transporte por ônibus. Por algumas horas, houve repercussão em parte do serviço, mas na manhã do dia seguinte, a operação já estava normalizada”, esclareceu.

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), por meio da Promotoria de Justiça de Transporte, instaurou no dia 26 de novembro um procedimento para acompanhar as repercussões dos incêndios em ônibus que resultaram de atos criminosos. O promotor de Justiça Humberto Graça oficiou a Polícia Civil de Pernambuco, o Grande Recife Consórcio de Transporte e a Urbana-PE para obter informações oficiais.

Grupo de trabalho estuda falhas mecânicas
Ônibus da empresa Cidade Alta, que fazia a linha Rio Doce-Princesa Isabel, pegou fogo depois de uma pane no motor. (Foto: Anderson Freire/Cortesia
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Ônibus da empresa Cidade Alta, que fazia a linha Rio Doce-Princesa Isabel, pegou fogo depois de uma pane no motor. (Foto: Anderson Freire/Cortesia )

Os incêndios em ônibus não se resumem a casos de insatisfação pública ou protestos, também podem decorrer de falha mecânica nos coletivos. Entre 2018 e este ano, 10 episódios de veículos em chamas foram registrados no Grande Recife. Em função das ocorrências, um grupo de trabalho de entidades do poder público e membros do Conselho Superior de Transporte Metropolitano foi formado para estudar os motivos desses casos e tentar propor soluções.

O grupo tem um prazo de 120 dias, ou seja, até janeiro de 2020, para apresentar um relatório. Em maio de 2018, um ônibus da empresa Cidade Alta, que fazia a linha Rio Doce – Princesa Isabel, pegou fogo depois de uma pane no motor. Segundo testemunhas contaram na época, o veículo estava trafegando normal quando começaram as chamas. O motorista ainda tentou conter o fogo com o extintor do veículo, mas não foi suficiente. Ninguém se feriu. 

Em fevereiro de 2019, um ônibus da empresa 1002 pegou fogo no bairro da Iputinga, na Zona Oeste do Recife. Na ocasião, duas mulheres ficaram feridas. Uma delas estava grávida e foi socorrida por inalar fumaça tóxica. Em agosto, um veículo que fazia a linha Pau Amarelo (Paulista) pegou fogo na Avenida José Augusto Moreira, em Casa Caiada, Olinda. Na ocasião, o motorista contou ao Corpo de Bombeiros que as chamas teriam começado no motor do veículo, após um aquecimento.

No mesmo mês, um veículo da empresa Vera Cruz que fazia 121 – Vila da Sudene pegou fogo na Avenida Conde da Boa Vista. Segundo o Instituto de Criminalística (IC), as chamas teriam começado no compartimento do motor. O veículo ficou destruído. As chamas também atingiram uma parada de BRT.

“A população que usa ônibus não pode ficar refém de uma falta de manutenção dos veículos. Apresentamos um requerimento para que fosse criado o grupo de trabalho, pois muitas vezes os veículos eram retirados das ruas e não havia como fazer a perícia. Queríamos saber se as empresas estavam ou não fazendo das manutenções. Caso não, isso poderia ser usado como argumento para aumento de percentual de valor de passagem”, explicou o advogado e integrante da Frente de Luta, Pedro Josephi. Segundo ele, uma minuta com um protocolo de como proceder em caso de incêndios foi criada e está em análise pelo GT.

A Urbana-PE informou que os ônibus são equipados com sistemas de monitoramento e controle remotos que evitam problemas mecânicos como o superaquecimento dos motores. “Algumas empresas já testam novas soluções anti-incêndio e todos os operadores do sistema recebem treinamentos específicos sobre segurança, incluindo o uso de extintores. Entretanto, reforçamos que as ações praticadas nesta semana foram criminosas com o objetivo claro de incendiar os veículos”, pontou o sindicato.

Um novo temor, além dos assaltos e das demissões
Homem observa restos de coletivo que entrou em combustão em plena Avenida Conde da Boa Vista, após problema no motor. (Foto: Bruna Costa/Esp. DP)
Homem observa restos de coletivo que entrou em combustão em plena Avenida Conde da Boa Vista, após problema no motor. (Foto: Bruna Costa/Esp. DP)

Maria (nome fictício) entrou no sistema de transporte público para passar três meses na função de cobradora. O trabalho era temporário, no intervalo para a conclusão do curso técnico em radiologia, mas já se passaram quatro anos. Nesse tempo, ela contabiliza seis assaltos, crises depressivas, transtorno de ansiedade e uma licença de seis meses, em 2018, para cuidar da saúde mental. Para quem trabalha nos ônibus, os incêndios são mais uma parcela da conta da insegurança e descontentamento. A categoria de trabalhadores dos transportes públicos urbanos é a mais afetada pelos transtornos mentais, de acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Questões mentais e comportamentais foram o principal motivo de afastamento de cobradores de trans- porte coletivo no Recife entre 2012 e 2018, estima o Observatório de Segurança e Saúde do Trabalho do MPT. Três em cada dez afastamentos, pelo menos, foram por esse motivo. Em seis anos, 61 pessoas precisaram de licença. Entre os motoristas, a saúde mental é a terceira causa mais frequente de afastamentos.

Maria, que vive com medo de assalto, desde a última semana está com medo de ver o coletivo onde trabalha ser queimado. A linha onde ela opera, na Zona Oeste do Recife, foi uma das que sofreu tentativa de incêndio. “Ando assutada. Na semana passada, sofri dois assaltos. Depois, a linha teve esse caso. A gente vive com muitos medos”, explicou Maria, 42 anos. “No terminal onde trabalhamos, não há um policiamento. À noite, ninguém quer ficar aqui. Paramos na esquina. Estamos trabalhando todos as- sustados”, contou José (nome fictício), 56 anos.

A tensão dos rodoviários se soma às insatisfações da categoria com a redução dos postos de trabalho e o acúmulo de funções. Os últimos incêndios de ônibus na cidade ocorreram na mesma semana de protestos realizados contra a retirada de cobradores dos veículos. O processo que havia estagnado em 2017 foi acelerado nos últimos meses. De acordo com o Grande Recife, são 154 linhas operando sem cobradores.

Para a Frente de Luta pelo Transporte, a retirada dos cobradores tem sido feita sem critério operacional e sem garantia de realocação de funções. O grupo apresentou um requerimento à reunião do Conselho Superior de Transporte Metropolitano, realizada nessa sexta-feira à tarde.Uma das teses de investigação policial sobre os incêndios ocorridos nas últimas semanas é de que isso seria uma reação da categoria à situação. “Acredito que é possível, tem muita gente ficando sem emprego e muita gente chateada com a situação. No meu caso, serei só mais uma atingida ejá queria sair, pois estou terminando meus estudos”, disse Maria.

O Grande Recife afirmou que 78% dos usuários do Sistema utilizam o Vale Eletrônico Metropolitano (VEM). Por isso, o Consórcio vem autorizando a substituição dos cobradores. O órgão afirmou ainda que uma cláusula da convenção coletiva dos rodoviários permitiu que o motorista passasse a acumular a função de cobrador nas linhas que já operam sem o profissional.

Outros casos em Pernambuco:
Ônibus incendiado após jogo no Recife em 2006.  (Foto: Edvaldo Rodrigues/Arquivo DP)
Ônibus incendiado após jogo no Recife em 2006. (Foto: Edvaldo Rodrigues/Arquivo DP)

Em outubro de 2006, após a vitória do Fortaleza sobre o Santa Cruz no Estádio do Arruda por 1 a 0, o ônibus onde estava a torcida do time cearense foi queimado no Recife. Na época, a suspeita recaiu sobre integrantes da Fanáutico, aliada da Cearamor. Ninguém foi preso.
Manifestação em agosto de 2013 termina com ônibus em chamas no Centro do Recife. (Foto: RicardoFernandes/Arquivo DP)
Manifestação em agosto de 2013 termina com ônibus em chamas no Centro do Recife. (Foto: RicardoFernandes/Arquivo DP)

Em agosto de 2013, um ônibus da empresa Caxangá foi incendiado na Rua do Príncipe, Boa Vista, durante manifestação no Centro do Recife. Com tubos de desodorantes e isqueiros, homens mascarados atearam fogo nos pneus e, depois, jogaram objetos incendiários dentro do coletivo.
Ônibus incendiado durante um protesto de rodoviários em 2014.  (Foto: Julio Jacobina/Arquivo DP)
Ônibus incendiado durante um protesto de rodoviários em 2014. (Foto: Julio Jacobina/Arquivo DP)

Em agosto de 2014, um ônibus foi incendiado durante um protesto de rodoviários por causa da suspensão do reajuste de 10% nos salários de motoristas, cobradoresefiscais.O coletivo foi queimado na BR-101, próximo ao Terminal Integrado da Macaxeira, Zona Norte do Recife.
Prisão de casal teria motivado incêndio em 2015. (Foto: Julio Jacobina/Arquivo DP)
Prisão de casal teria motivado incêndio em 2015. (Foto: Julio Jacobina/Arquivo DP)

Em setembro de 2015, dois ônibus foram incendiados na comunidade do Detran, bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife. Os crimes seriam uma represália devido à captura de um casal por tráfico de drogas.

Queimando coletivos para demarcar territórios

O episódio considerado marco dos incêndios a ônibus aconteceu em 1987, no Rio de Janeiro, apesar de outras ocorrências terem sido registradas em menor número em outras cidades, como Salvador e São Paulo, em 1981 e 1983, respectivamente. No dia 8 de julho de 1987, ônibus foram depredados por manifestantes na Avenida Rio Branco, Centro do Rio. Mais de 30 mil pessoas participaram da manifestação contra a inflação e o cenário de instabilidade econômica e política da época. Ao todo, 70 ônibus foram incendiados e 100 depredados.

Nos anos seguintes, casos semelhantes passaram a acontecer no país.Em 2013, ano marcado pelas manifestações populares lideradas por estudantes contra o reajuste das tarifas de transporte urbano, os números de incêndios a ônibus aumentaram vertiginosamente em relação aos dados registrados anteriormente. “Estamos falando de um tipo de incidente já antigo, que começou há três décadas, no início, de forma mais comedida nas grandes cidades do Sudeste e, mais recentemente, com mais intensidade em todas as regiões do país, propagando episódios tristes de mortes, prejuízos e perdas sociais”, pontua Eurico Divon Galhardi, em Fogueiras da insensatez.

Um dos impasses para coibir esse tipo de ação no país, de acordo com especialistas, éalegislação brasileira.Em 2012, foram iniciadas as discussões de um projeto de lei para classificar os atos como terrorismo. Quatro anos depois, a Lei Antiterrorismo (13.260/2016) foi sancionada pela então presidente Dilma Rousseff com oito vetos, sendo dois deles em relação à definição de atos de terrorismo. A lei aprovada pelo Congresso Nacional classificava como atos de terror “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”.

Entretanto, Dilma Rousseff considerou que as definições eram “excessivamente amplas e imprecisas”. As discussões sobre o assunto devem ser retomadas no Congresso neste ano, de acordo com a NTU, para tornar mais rígida a legislação sobre o tema.

“A legislação é pouco eficiente. É muito difícil que alguém que tenha colocado ou tentado colocar fogo em um ônibus urbano seja preso ou fique detido por mais do que alguns meses. Em geral é solta imediatamente, sobretudo porque o maior número de praticantes desse delito é de adolescentes aliciados pelo crime organizado. Existem mudanças possíveis no caminho, no sentido de tornar as punições mais duras. Mas perante os desafios da Justiça no Brasil, esse tema fica distante de ser uma prioridade – embora devesse ser”, enfatiza Eurico Divon Galhardi.

Fogo intencional foi “aperfeiçoado” no Brasil
Especialistas enxergam fenômeno organizado e continuado. (Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP)
Especialistas enxergam fenômeno organizado e continuado. (Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP)
Especialistas enxergam fenômeno organizado e continuado Os incêndios intencionais de ônibus urbanos podem acontecer em qualquer lugar do mundo. No entanto, de acordo com especialistas em mobilidade, são eventos isolados e sem continuidade. No Brasil, os atos são caracterizados por serem contínuos e por terem sido “aperfeiçoados” ao longo dos anos. De acordo com a Associação Internacional de Transporte Público (UITP), não há registros de outro país em situação comparável à do Brasil em termos de quantidades de casos e dimensão dos prejuízos.

O vice-presidente da Associação Nacional de Transporte Público (AN- TP) e consultor Cláudio de Senna Frederico observa que o ato de queimar os ônibus parte de uma frustração e uma sensação de impotência, não necessariamente com os coletivos, mas como uma soma de fatores. “Queimar um ônibus também chama atenção e passa a sensação de que ficará impune. Há uma ideia de que um coletivo não é de ninguém, ao mesmo tempo pode ser identificado como um agente do estado e de uma empresa privada. O ônibus você paga por ele todo dia, mas não leva para casa”, afirma. “O ônibus parecer ser propriedade só da empresa, mas parte das frustrações relacionadas ao uso dele depende de ações da administração pública”, completa.

Segundo ele, queimar os coletivos também é percebido como uma demonstração de poder perante oserviço público e diante de pessoas que estão frustradas e impotentes. Também pode ser visto por muitos como um lazer. “Evitar que os ônibus sejam incendiados depende de melhorar a simpatia das pessoas pelo serviço, tornar o ônibus menos frustrante. Essencialmente, o que as pessoas gostariam de ver no Brasil é tarifas baratas, menos lotação, intervalos mais curtos entre os veículos e maior agilidade nos deslocamentos. Embora o ônibus seja privado, o entorno dele é público e muitas vezes os governos não agem em relação a melhorar as ruas, abrir vias segregadas, etc. Os outros motoristas, por sua vez, não querem perder espaço”, ressalta.

O presidente-executivo da NTU, Otávio Cunha, nota que os incêndios provocados nunca são frutos de ação isolada de uma pessoa. “Ações costumam ser coletivas. Às vezes, é uma reivindicação de uma comunidade por um serviço público ou uma manifestação por algo que tenha ocorrido. Seja um protesto ou um ato orquestrado pelo crime organizado, como acontece em Fortaleza, são grupos que buscam a visibilidade de um problema”, diz.
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