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Cuidado com saúde mental pode prevenir suicídio entre adolescentes

Publicado em: 08/12/2019 09:49 | Atualizado em: 09/12/2019 15:40

 (A ideação suicida esteve presente nos relatos de 13,5% dos mais de 6 mil adolescentes entre 14 e 19 anos entrevistados em pesquisa da UPE. Foto: Peu Ricardo/DP)
A ideação suicida esteve presente nos relatos de 13,5% dos mais de 6 mil adolescentes entre 14 e 19 anos entrevistados em pesquisa da UPE. Foto: Peu Ricardo/DP
Primeiro, a vontade incontrolável de roer as unhas. Depois, durante momentos de raiva, Débora Correia costumava se arranhar. Se havia uma festa amanhã, ela se angustiava pelas vestimentas desde hoje. Estava com transtorno de ansiedade e, aos 12 anos, pensava que era a única a viver aquela situação. Na verdade, um em cada cinco adolescentes enfrenta desafios com a saúde mental, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS). Metade de todas as doenças mentais começa nessa época da vida e, se não tratadas, podem chegar a extremos como o suicídio, considerado a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos no mundo.

A cada três segundos, uma pessoa atenta contra a própria vida. Um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado na Revista Brasileira Psiquiatria, mostrou que esse fenômeno preocupa no Brasil especialmente entre adolescentes e jovens adultos. A pesquisa, realizada em seis capitais, dentre as quais o Recife, mostrou que de 2006 a 2015, a taxa de suicídio aumentou 24% entre pessoas de 10 a 19 anos nas cidades pesquisadas. Outro estudo, realizado pela Universidade de Pernambuco (UPE), concluiu que há uma tendência crescente de ideação suicida - o pensamento de atentar contra a própria vida - entre adolescentes no estado nesta década.

O levantamento mostrou que a ideação suicida esteve presente nos relatos de 13,5% dos mais de 6 mil adolescentes entre 14 e 19 anos entrevistados. Entre 2006 e 2011, o percentual se manteve estável, mas a partir daí começou a crescer.  “Realizamos a coleta de dados em escolas e focamos nessa população considerando que é uma época de grandes transições na vida. O resultado é um dado importante, pois quase 15% de adolescentes dizendo que já pensaram seriamente em tirar a própria vida é um percentual alto se comparado a outras populações”, explicou o coordenador do grupo de pesquisa em Estilos de Vida e Saúde da UPE, Mauro Barros.

A investigação converge com os dados oficiais e confirma a tendência. De acordo com a Secretaria de Saúde do Recife, entre 2010 e 2018, 54% das tentativas de suicídio ocorreram entre jovens de 10 a 29 anos, 26% delas entre os adolescentes. Nesse mesmo período, considerando todas as faixas etárias, o Recife viu crescer em 162% a quantidade de violências autoprovocadas (tentativa e suicídios). Pernambuco também espelha a situação. O estado registrou 2,1 mil tentativas de suicídio de janeiro a setembro de 2019. O número já é 11% maior do que o de 2018 inteiro. Novamente, a população de 10 a 29 anos alavanca as estatísticas para cima. Nos últimos três anos, é como se um em cada três casos tivesse ocorrido nessas faixas etárias.

Os dados justificam a preocupação da OMS, que considera esse um problema de saúde pública. Até o próximo ano, a Organização traçou como meta aos países a redução de 10% dos óbitos por suicídio. Para tanto, é invariável começar a cuidar da saúde mental dos adolescentes e jovens adultos, alertam os especialistas. Cuidado que deve começar deixando para trás mitos, encarando de frente a mudança geracional, abrindo as portas para diálogos francos sobre o assunto e ampliando a estratégia de políticas públicas multisetoriais. 
O complexo universo da mente 

De cada 100 brasileiros, 17 já pensaram alguma vez em tirar a própria vida, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Entre 2000 e 2012, os suicídios aumentaram 10,4% no país. Entre os adolescentes e jovens adultos, o crescimento foi três vezes maior. Não há uma única motivo para isso, o suicídio é um fenômeno multifatorial. Nessa população, pode estar relacionado a problemas de saúde mental, humor depressivo, contexto social, emocional e familiar, abuso de substâncias, histórico na família, negligência, questões afetivas ou até mesmo estar impulsionada por mudanças geracionais.
 (Foto: Peu Ricardo/DP)
Foto: Peu Ricardo/DP

“O problema é de uma complexidade que não pode ser respondido com explicações simples. Segundo alguns pesquisadores, ainda não existem estudos para tirar conclusões científicas firmes e para isolar as causas que expliquem o aumento do suicídio entre os jovens”, afirmou o executivo da área de educação, escritor e palestrante recifense Jaime Ribeiro. Os pesquisadores da Unifesp identificaram que níveis mais altos de desemprego estavam associados com maiores taxas de suicídio e que sentimentos como desesperança e inutilidade são prevalentes entre os jovens.

Já a pesquisa da UPE mostrou que relacionamentos conturbados, ausência de apoio social, baixa qualidade do sono e violências estavam associados à ideação suicida. A professora da UPE e presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria, Kátia Petribú, ressaltou que o suicídio é multifatorial, que pode estar associado a quadros depressivos, à questão hormonal da adolescência, à impulsividade característica dessas pessoas. “A adolescência é um período de transformações físicas, mentais, sociais, tudo de forma muito intensa. Do ponto de vista neurobiológico, o cérebro está amadurecendo, a inibição dos impulsos está em processo de mudança, o que favorece a impulsividade”, detalhou.

Para a psicóloga e professora da Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire) Patrícia Amazonas, é preciso lembrar que esse não é um fenômeno necessariamente novo. “Sempre existiu, mas a gente tinha uma subnotificação, pois não era falado, havia um preconceito em falar sobre suicídio. Outro aspecto é que estamos passando por um adoecimento da sociedade na contemporaneidade. Vivemos em uma sociedade do imediatismo, onde os sujeitos são convidados a reagir rápido a todas as experiências. Não há tempo para refletir, para a dor, o sofrimento, que são parte da existência humana”, alertou. 

“Hoje em dia os jovens estão diante de um mundo de complexidade. Há uma fadiga da escolha, que faz com que as pessoas se sintam infelizes. Há também uma incapacidade de lidar com as frustrações, estamos formando uma geração frágil, que não consegue lidar com nãos”, acrescentou Jaime Ribeiro.

O papel da era digital
A mudança de comportamento identificada pela pesquisa da UPE converge com um momento de exposição maior dos jovens à internet e às redes sociais. Quando se fala em saúde mental desse público, há sempre uma tendência de considerar o mundo digital como vilão. De fato, segundo Kátia Petribú, a internet eliminou a necessidade da espera, o que compromete a capacidade de resiliência dos jovens. Os meios digitais atuam ainda forjando realidades e segregando pessoas em ambientes físicos.

“Há pais que ficam o tempo inteiro no celular, por exemplo, e não prestam atenção nos filhos. É a ‘parentalidade distraída’, um conjunto de pessoas abandonadas vivendo no mesmo lugar”, afirmou o psicólogo clínico, escritor e palestrante Rossandro Klinjey e gerar um conjunto de distrações. Eles lembram, contudo, que a internet e os meios digitais não podem ser considerados vilões. “Muitos estudos apontam que as redes sociais podem potencializar a depressão e o estresse, mas sabemos que elas os ajudaram a criar conexões menos limitadas do ponto de vista quantitativo. A mesma internet que espalha brincadeiras infelizes é a que divulga amplamente serviços como o do Centro de Valorização da Vida (CVV)”, acrescentou Jaime Ribeiro.
 
Escola e familiares devem atuar na prevenção
 (Estudantes da Escola de Referência Em Ensino Médio (Erem) Padre Francisco Carneiro, em Olinda, criaram projeto Girassol. Foto: Bruna Costa / Esp. DP FOTO)
Estudantes da Escola de Referência Em Ensino Médio (Erem) Padre Francisco Carneiro, em Olinda, criaram projeto Girassol. Foto: Bruna Costa / Esp. DP FOTO

O suicídio não é algo que acontece de repente. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) afirma que a maioria das pessoas que atentam contra a própria vida dá sinais ou fala sobre isso antes de concretizar o ato. Insônia ou hipersonia (sonolência prolongada), mudanças de comportamento, ausência de higiene, queixas de cansaço, baixo desempenho escolar, falta de perspectivas e metas podem ser sinais. Para identificá-los, porém, é preciso que amigos, parentes e a escolas estejam atentos e montem uma rede de apoio. Quando isso é feito e o tratamento realizado, 90% dos casos podem ser evitados.

A melhor forma de prevenir é romper o estigma e falar sobre o assunto, cuidar da saúde mental dos jovens. Para tanto, é preciso compreender que o adolescente é um ser humano e como tal é passível ao sofrimento e a problemas reais. “A gente se constitui enquanto sujeito em uma dimensão psíquica, então não adianta só a boa educação, os bens materiais, é preciso afeto. O adolescente pode ter razões para ter problema e não podemos minimizar essa dor. O suicídio, muitas vezes, é a forma de o sujeito falar da dor”, afirmou Patrícia Amazonas. “Precisamos de um movimento onde os adultos saiam da casinha deles e compreendam que estão lidando com uma geração vivendo em um mundo mais complexo”, acrescentou Jaime Ribeiro.

Débora começou a se relacionar melhor com o transtorno de ansiedade quando a mãe percebeu os sinais e procurou ajuda profissional. Na terapia, a menina hoje com 18 anos descobriu que aquelas eram características comuns a outros jovens. “Me ajudou muito, deixei de ter tantos pensamentos negativos”, lembrou. A informação fez com que Débora percebesse que outros colegas da escola também passavam por situações semelhantes. Foi quando ela decidiu criar um projeto de empoderamento e contatou a professora Waldilene Lucena, na Escola De Referência Em Ensino Médio (Erem) Padre Francisco Carneiro, em Olinda.

O resultado foi o projeto Girassol, já realizado duas vezes, que oferta cortes de cabelo, maquiagens e palestras sobre valorização da vida aos estudantes. “Da primeira vez que participei, estava com a autoestima muito baixa e saí feliz. No ano seguinte, fui convidada para maquiar outras meninas”, disse a estudante Lorena Vasconcelos, 16 anos. De acordo com a professora, cuidar da saúde mental dos alunos passou a ser uma rotina mais forte desde 2012, quando a comunidade escolar enfrentou a perda de uma aluna. “Desde então, fico mais atenta ainda. Paro no corredor, no pátio, e presto atenção aos alunos. Chamo para conversar quando eles se sente à vontade”, disse Waldilene.

Uma das integrantes do grupo que organiza o projeto Girassol, Brenda Lima, 17 anos, já enfrentou momentos de tristeza profunda depois de sofrer bullying no ambiente escolar. “Foi em outra escola e aquilo me fez muito mal. Já cheguei a usar a bombinha de asma querendo encerrar tudo. Por sorte, sempre tive minha mãe para conversar, mas sei que outras pessoas não tem. Por isso, acho que a escola é fundamental para abrir um espaço de fala. Local de conversa é em qualquer um, até na escola”, disse. Para ela, o que o adolescente atual quer ser ouvido. “Não temos tanto medo de falar, mas precisamos de atenção, carinho e menos julgamento.”  
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