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Dia Mundial do Diabetes

"Tomar suco de laranja equivale a receber injeção de açúcar na veia", alerta endocrinologista

Publicado em: 14/11/2019 10:56

 (Foto: Leandro de Santana/Esp.DP.)
Foto: Leandro de Santana/Esp.DP.
O Brasil é o quarto país do mundo em quantidade de diabéticos. De acordo com o Ministério da Saúde, a incidência da doença cresceu quase 63% nos últimos 10 anos e deve continuar a aumentar. Até 2045, atingirá 24 milhões de brasileiros. Por enquanto, são 14,5 milhões de doentes no país, dos quais metade sequer sabe que convive com a enfermidade. A falta de informação é um fator crucial para a evolução do diabetes, doença crônica causada pela produção insuficiente ou pela má absorção de insulina, o hormônio que regula a glicose no sangue. O diabetes aumenta as chances de doenças cardiovasculares, renais e de visão. Quanto menos informação, menor o cuidado.

Neste 14 de novembro é celebrado o Dia Mundial do Diabetes, que faz parte de uma campanha iniciada em 1991 para ampliar a informação e a conscientização sobre a doença. Neste ano, o tema da campanha faz um alerta especial e lembra que os familiares de um paciente são agentes ativos do cuidado. Isto é, eles podem ajudar o paciente a evitar as complicações e manter o diabetes controlado. No Recife, das 7h às 11h, o Parque da Jaqueira receberá uma ação do  Real Hospital Português (RHP) com aferição de pressão arterial e teste de glicemia (HGT). Médicos e nutricionistas estarão presentes para orientar sobre como conviver com a doença e os cuidados para evitar complicações. Monumentos e prédios públicos, como a Assembleia Legislativa de Pernambuco, serão iluminados de azul em alusão à campanha.

Em entrevista ao Diario de Pernambuco, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e professor do curso de especialização em endocrinologia e diabetes do Hospital Agamenon Magalhães (HAM), Gustavo Caldas, explica porque o diabetes deve ser levado a sério pela população, quais os riscos associados à doença e como está a evolução dos tratamentos.

Entrevista - Gustavo Caldas // endocrinologista
 
Quais são as questões que despertam preocupação hoje da Sociedade Brasileira de Diabetes quando se fala da doença?
Existem dois tipos de diabetes. O tipo 1, aquele no qual o paciente sempre vai precisar de insulina, e o tipo 2, que acomete mais os adultos, começa a se manifestar depois dos 35 ou 40 anos e tem relação muito grande com a falta de exercícios físicos, ganho de peso e suscetibilidade genética. Para o tipo 1, depois da descoberta da insulina e com o aprimoramento da qualidade dela, o tratamento evoluiu muito. Por isso, o foco maior das campanhas sempre tem sido em relação ao diabetes tipo 2, que corresponde a 90% dos casos, pois ele está relacionado a várias complicações. Pode aumentar em pelo menos três vezes os problemas de visão e em até cinco vezes as doenças do coração. E ela acomete ambos os sexos da mesma forma, pois é uma doença multifatorial. Requer uma atenção para colocar o paciente com metas glicêmicas cada vez mais rígidas, isto é, a glicose em jejum entre 90 a 120mg/dl e pós-pandrial (duas horas após o almoço) entre 140 a no máximo 180mg/dl.

Um alto percentual de mortes entre pessoas com diabetes tipo 2 ocorre por disfunções cardiovasculares. A consciência da população sobre a relação entre diabetes e doenças do coração está aumentando?
Acredito que sim, pois se mostra há mais de uma década que uma pessoa diabética é como se ela já tivesse tido um evento coronariano no passado, ou seja, ela apresenta um risco elevado para doenças cardiovasculares ou derrames. Vem sendo dada muita ênfase ao tratamento, além na questão de atingir as metas glicêmicas, de colocar o paciente no centro das atenções. Procura-se dividi-los entre aqueles que já têm doença cardiovascular e aqueles que não têm. Nos que têm a doença cardiovascular preconizamos o uso de duas medicações, que são mais modernas e eficientes: agonistas do GLP-1 e inibidores da enzina SGLP-2. Elas reduzem o risco de um infarto ou problema renal, por exemplo. Os pacientes que já tiveram episódios de doença cardiovascular precisam de medicamentos que venham não só baixar a glicose, mas reduzir o risco das doenças do coração e que protejam o rim (o paciente diabético também tem 10 vezes mais chances de ter doenças renais ao longo da vida).

Vivemos atualmente uma epidemia de obesidade. Qual a relação dela com o prognóstico de aumento de casos de diabetes no país?
Se você não tem uma suscetibilidade genética, você pode ter uma obesidade mórbida e uma boa reserva de insulina, então pode não ficar diabético. Mas isso é uma parcela pequena da população. De maneira geral, existe uma relação muito forte entre obesidade e diabetes. A grande maioria daqueles que têm obesidade podem desenvolver diabetes se não cuidarem da dieta, não fizerem exercícios físicos e tomarem os medicamentos adequados.

Foto: Leandro de Santana/Esp.DP.

Há uma expectativa de que os casos de diabetes dobrem no país em 30 anos. Como fazer para evitar entrar nessa estatística?
No mundo existem 425 milhões de diabéticos do tipo 2. No Brasil, 14,5 milhões. O diabetes nem sempre apresenta sintomas suspeitos. Pode ser uma certa fadiga, fazer um pouco mais de urina durante a noite, emagrecimento. Isso faz com que as pessoas possam confundir com um cansaço ou estresse excessivo, por exemplo, e não considerar a possibilidade de diabetes. E quando vai cuidar já está com as complicações crônicas. Das 14,5 milhões de pessoas, sete milhões não sabem que têm a doença. O Brasil é o quarto país no mundo em casos, o que se explica pelo estilo de vida, o aumento da obesidade, a pouca atividade física. Por isso é importante chamar atenção não só no dia 14 de novembro, mas durante todo o ano. As principais formas de prevenir são manter atividade física regular, ter alimentação saudável, fazer o teste de glicose em jejum, especialmente as pessoas cima dos 35 anos.

O que significa ser pré-diabético?
Quando a pessoa tem a glicose entre 101 e 125mg/dl, pode ter intolerância à glicose em jejum, o que é popularmente chamado de pré-diabetes. Essas pessoas pré-diabéticas de alguma forma já apresentam também um risco cardiovascular mais aumentado. Por isso hoje já está se tentando ser mais intensivo no tratamento dessas pessoas também, com a utilização de medicamentos e a modificação do estilo de vida. Uma vez diabético, sempre diabético, mas só 50% dos pré-diabéticos viram de fato diabéticos. Vai depender do estilo de vida da pessoa.

Por que o tema da campanha deste ano está direcionado à família?
O tema deste ano é “Diabetes: proteja sua família” para conscientizar os familiares sobre a importância do bom controle glicêmico para evitar complicações crônicas. Os familiares podem ajudar pedindo para pais e mães irem ao médico, podem dar suporte financeiro para as medicações que são mais caras, convencer os parentes que o diabetes é uma doença séria, é uma epidemia e pode levar a complicações como doenças cardiovasculares e renais.

Quais são os principais mitos que ainda persistem quando se fala em diabetes no Brasil?
Um deles é o mito de que só comer açúcar faz aumentar as chances de ter diabetes. O açúcar contido em todos os alimentos vai virar açúcar. Um refrigerante normal, por exemplo, tem 7,5 colheres de açúcar. Mas um copo de suco de laranja feito com três a quatro frutas pode equivaler a um refrigerante e meio em quantidade de açúcar. É como se tivesse dado uma injeção de açúcar na veia. O que vai diferenciar entre os alimentos é o tempo de absorção da glicose. Um feijão-verde, que também tem fibra, vai virar açúcar, porém o corpo irá absorvê-lo mais lentamente. É diferente de um macarrão. O carboidrato quanto mais complexo, quanto mais rico em fibra, melhor. É importante também ter a consciência de que não existe um diabetes “leve”, como muita gente pensa. O que existe, na verdade, é um diabetes bem controlado.

O Brasil instituiu em outubro a Lei 13.895 (Política Nacional de Prevenção do Diabetes e de Assistência Integral à Pessoa Diabética). O que isso muda do ponto de vista de políticas públicasde atenção à doença no país?
Muda na medida em que o país passará a ter mais medicamentos de última geração e mais assistência do ponto de vista nutricional ao paciente e mais insumos, como a fitinha para medir a glicose e a lanceta para furar o dedo. Além de acesso dos pacientes diabéticos aos serviços de saúde. A questão é colocá-la em prática diante das reduções anunciadas em verbas destinadas ao financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a educação.
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