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Aplicação de recursos arrecadados pela CTTU ainda é caixa-preta para população

Publicado em: 23/11/2019 11:25 | Atualizado em: 23/11/2019 11:22

Foto: Arquivo DP Foto.
O número de notificações por estacionamento irregular em Zona Azul aumentou 25% por mês após a implantação do sistema de bilhetagem eletrônica. Com isso, tem subido também o valor arrecadado com esse tipo infração. Em 2018, por exemplo, a arrecadação média mensal por multas em estacionamento irregular em Zona Azul foi de R$ 290 mil, enquanto este ano o valor recolhido para o mesmo tipo de infração tem sido de R$ 300 mil por mês. Os números com a venda de Zona Azul também passam da casa dos milhares. Se em 2018, a arrecadação com a comercialização dos talões foi de R$ 7 milhões, de janeiro a setembro deste ano já soma R$ 4,9 milhões. O problema para o contribuinte é que ele não sabe exatamente onde o dinheiro está sendo aplicado e nem existe no Recife regulamentação que direcione esses recursos para investimentos especifícios em mobilidade. 

A falta de transparência alimenta o discurso da “indústria da multa”. No ano passado, por exemplo, 28% dos cerca de R$ 70 milhões arrecadados pela Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) foram investidos em fiscalização (aumento de câmeras, pardais, policiais), enquanto apenas R$ 238 mil (0,48%) foram aplicados em ações de educação para o trânsito, segundo informações do vereador Jayme Asfora. Se houve aplicabilidade de recursos para projetos significativos de mobilidade, como ampliação da malha cicloviária da cidade e melhoria das calçadas, foram parcos. “Chegamos à conclusão de que a prioridade da gestão é investir em fiscalização para multar sempre mais. E não sou eu quem digo, são os dados. Em 2018, 628 mil multas foram aplicadas. Isso quer dizer que um terço da cidade foi notificada. Eu sei que a multa tem um papel educativo, mas precisamos ir além dessa lógica”, disse Jayme Asfora. 
Foto: Arquivo DP Foto.

Segundo a Resolução nº 638 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), 70% dos recursos recolhidos com multas devem ser investidos na própria gestão do trânsito do município, como fiscalização, engenharia de tráfego e políticas de educação. “Os outros 30% são receitas desvinculadas, que vão para o orçamento geral da cidade sem qualquer garantia de investimento em mobilidade. E é preciso dar transparência a isso, porque o município pode vincular esse orçamento a algum projeto específico. De janeiro a setembro deste ano, a CTTU já arrecadou R$ 78,2 milhões. Para onde vai esse dinheiro? Porque o cidadão não vê melhorias nas ruas e nem no trânsito”, criticou a deputada estadual Priscila Krause. 

Alguns especialistas defendem que a empregabilidade adequada de parte da arrecadação do órgão municipal de trânsito, seja com recursos de multa ou com bilhetagem de Zona Azul, é o investimento na mobilidade ativa. “Seria interessante um projeto de lei que relacionasse o investimento com o local onde o dinheiro foi arrecadado. A Zona Azul do Bairro do Recife, por exemplo, poderia financiar os espaços públicos do próprio bairro. Assim, a gestão conquista o apoio dos frequentadores do Recife Antigo e o motorista fica sem desculpa para reclamar que existe indústria da multa ou indústria de Zona Azul pois ele vê onde e em que o dinheiro está sendo aplicado”, sugere um consultor em mobilidade que preferiu não se identificar. 
Foto: Arquivo DP Foto.

No entanto, a presidente da CTTU, Taciana Ferreira, diz que parte da arrecadação da Zona Azul, somada a receitas oriundas da gestão do transporte municipal como táxis, transporte escolar e complementar, já são utilizadas em prol da mobilidade. “Já usamos recursos da Zona Azul, somados a outras arrecadações, para implantar ciclofaixa, Faixa Azul, paraciclo, sinalizar esses equipamentos e fazer a manutenção. Mas os recursos vindos de multas de estacionamento irregular de Zona Azul são aplicados exclusivamente na gestão do trânsito, conforme regulamentação”, detalha Taciana. Ela acrescenta ainda que parte da arrecadação com bilhetagem é utilizada para arcar com os próprios custos da Zona Azul, como sinalização, pagamento da empresa que presta o serviço e manutenção do sistema.

Para Jayme Asfora, esse investimento ainda é muito pouco e feito de forma que a população não sabe como é aplicado. “Primeiro nós queríamos saber que valor de arrecadação é esse, pois até ano passado esse tipo de informação era uma caixa-preta. Descobrimos, por exemplo, que de 2017 para 2018 a arrecadação dobrou. Nós queremos que a Prefeitura do Recife divulgue, a cada seis meses, um balanço completo dos recursos arrecadados com multas e outras fontes e onde esses valores foram aplicados”, defendeu Asfora. 

Exemplo pode vir de cidade do Nordeste
Foto: Bruna Costa/Esp. DP Foto.

Direcionar os recursos de uma determinada fonte de arrecadação já é uma solução utilizada em várias cidades do mundo. E nem é preciso ir muito distante para ter exemplos. Em Fortaleza, no Ceará, a Lei nº10.752/2018 regulamentou a destinação de 100% dos recursos provenientes da venda de bilhetagem da Zona Azul da capital cearense para a política cicloviária da cidade. Esse investimento inclui não apenas a ampliação da malha como também das estações compartilhadas onde os patrocinadores não têm interesse em chegar, como nas áreas periféricas da cidade. 

“O que nos motivou a implantar essa lei foi buscar um mecanismo que financiasse a expansão das políticas cicloviárias, minimizando a dependência dos recursos gerais do município e outras fontes. Até o fim do ano teremos 210 estações compartilhadas, quando antes era 80. Serão 130 estações a mais nos bairros de periferia, implantadas com o dinheiro arrecadado com a Zona Azul eletrônica, que nos últimos 18 meses foi de R$ 3,2 milhões”, destacou o secretário executivo de Serviços Públicos da Prefeitura de Fortaleza, Luiz Alberto Saboya. Cada bilhete da Zona Azul custa R$ 2 na capital cearense. 
Foto: Bruna Costa/Esp. DP Foto.

Para potencializar o uso do espaço público pelo automóvel e aumentar a arrecadação para investimento em mobilidade ativa, Fortaleza também ampliou de 2 mil para 6 mil a quantidade de vagas de Zona Azul. “Belo Horizonte (MG) tem 2,7 milhões de habitantes e possui 14 mil vagas de Zona Azul. Nós temos 2,7 milhões de habitantes e temos menos da metade de vagas de estacionamento na rua. Ainda temos muito o que ampliar porque o número de carros tem dobrado. Sou contra criar antagonismo entre carro e outros modais. Essa é uma decisão difícil mas o único caminho”, comparou Saboya. 

Segundo a presidente da CTTU, Taciana Ferreira, este ano foram criadas 640 vagas de Zona Azul no Recife, especialmente na Ilha do Leite, Derby, Boa Viagem e Casa Forte. Mas há outras demandas de locais que precisam de estacionamento pago na rua. Um deles é o entorno do mercado público de Afogados. Atualmente o Recife conta com 4 mil vagas de Zona Azul para uma população de 1,5 milhão. “A Zona Azul eletrônica viabilizou implantar novas vagas de Zona Azul. Toda área com demanda por vagas potencialmente tem característica para se tornar Zona Azul, mas precisamos estudar e avaliar”, disse Taciana. 

Além da Zona Azul, outra fonte de recursos da política cicloviária de Fortaleza são os aplicativos de transporte privado de passageiros, como a Uber. No processo de regulamentação dos apps, ficou definido que 2% do faturamento das empresas seriam repassados à prefeitura para investimento em mobilidade sustentável. “A meta do nosso Plano Diretor Cicloviário (PDC) é de 400 km até 2020. E já estamos com mais de 300 km implantados graças também a essas fontes de recursos”, comemorou Saboya. 

A capital pernambucana conta hoje com 101 km de malha cicloviária, segundo a CTTU. Mas a maior parte está concentrada na área central do Recife, subutilizada para fins de turismo e lazer. De acordo com pedidos de informação da Ameciclo obtidos entre 2014 e 2015, o custo do quilômetro de uma ciclofaixa custou em média R$ 60 mil, já corrigidos pela inflação. Se a arrecadação de R$ 7 milhões com a bilhetagem da Zona Azul no Recife em 2018 tivessem sido direcionados para investimento na malha cicloviária, por exemplo, a cidade poderia ter pelo menos mais 100km de ciclofaixas, melhor distribuídos nas regiões onde há maior necessidade pelo equipamento, incluindo aí as áreas periféricas da cidade. 

Regulamentação

O texto-base do Plano Setorial de Mobilidade Urbana possui diretrizes que propõem potencializar as arrecadações da gestão municipal de trânsito do Recife em investimentos direcionados. Segundo Jayme Asfora, também há o Projeto de Lei 210/2018, que trata do tema. O PL precisa ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Vereadores do Recife. Já o texto-base do Plano Setorial de Mobilidade Urbana está em análise pelo setor jurídico da Prefeitura para então seguir para o legislativo.

Números de arrecadação

Arrecadação por multas de estacionamento irregular em Zona Azul no Recife
2018 - R$ 3,5 milhões
2019 (jan a out) - R$ 3 milhões

Notificações mensais por estacionamento irregular na Zona Azul no Recife
2018 - 4,9 mil / mês
2019 (jan a out) - 6,1 mil / mês

Arrecadação pela venda de Zona Azul (talões ou bilhetagem eletrônica) no Recife
2018 - R$ 7 milhões
2019 (jan a set) - R$ 4,9 milhões

Arrecadação geral da CTTU/Recife
2017 - R$ 36,16 milhões
2018 - R$ 69,7 milhões
2019 (jan a set) - R$ 78,22 milhões

Número de vagas Zona Azul
Total - 4,4 mil
Bairro do Recife - 1480
Preço da Zona Azul - R$ 3

Fontes: CTTU, Priscila Krause, Jayme Asfora. 

Saiba mais

R$ 60 mil é o preço médio de 1 km de ciclofaixa
R$ 7 milhões (valor arrecadado com Zona Azul) poderiam custear por ano uma média de 100 km de ciclovia

Fonte: Ameciclo.
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