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Saqueadores invadem prédios em Muribeca

Publicado em: 18/10/2019 06:00 | Atualizado em: 17/10/2019 21:43

Foto: Tarciso Augusto/DP Foto.
Fotos rasgadas pelo vão das escadas. Um disco de John Lennon coberto por vidros quebrados. Cartas e correspondências soltas em meio a poeira e lixo. Canos quebrados jorrando água potável, esquadrias de janelas penduradas. E muita metralha. Esse é o cenário do bloco 35, na quadra 4 do Conjunto Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, depois que alguns prédios vêm sendo sistematicamente invadidos por grupos de saqueadores há duas semanas, mesmo com duas empresas de segurança privada, TKS e Corpvs, atuando no local 24 horas por dia. Praticamente, não resta mais nada, a não ser as paredes em pé. Com esperança de voltar um dia a residir em Muribeca, muitas famílias deixaram seus pertences pessoais, lembranças físicas e benfeitorias nos imóveis, quando foram obrigadas a sair de seus apartamentos através de sentença judicial a partir de 2006. 

E não apenas os apartamentos têm sido alvo dos vândalos. Os comércios que sobrevivem no entorno dos blocos também estão sendo saqueados e destruídos. Muitas famílias que ainda resistiam à ordem de despejo tiveram que deixar seus apartamentos às pressas com medo de sofrer algum tipo de violência física. “Eu deixei meu apartamento em 2011, quando disseram que interditariam meu prédio. Desde então, eu tentei tirar meus pertences que deixei aqui quando tive que me mudar às pressas. Portas, janelas, ventilador de teto, pia de inox, grades, mas os seguranças não deixavam ex-moradores subir nos apartamentos. Até a semana retrasada, tudo estava aqui e hoje não tem mais nada”, denunciou a ex-moradora do Conjunto Muribeca, Sheyla Vilanova, 62 anos. Ela era proprietária do apartamento 205, do bloco 35, quadra 4. 
Foto: Tarciso Augusto/DP Foto.

Vizinhos ao Conjunto Muribeca relatam que não há dia nem hora para os saqueadores aparecerem. Eles chegam em grupos de 50 a 60 pessoas, de madrugada ou à luz do dia, carregando carroças. E depredam tudo o que estiver pela frente. “Só em filme de zumbi eu vi isso. Os prédios sendo triturados por um mutirão de gente, roubando tudo, deixando apenas e literalmente a carcaça dos prédios. Nem o Colégio Ana Farias de Souza escapou à fúria dos saqueadores”, relatou o aposentado José Alves, 67 anos. 

Segundo alguns moradores do bairro de Muribeca, muitas dessas pessoas vêm de comunidades como Coquinho, Jardim São Paulo e Prazeres. “Quem mora no entorno dos prédios, como eu e minha mãe, não consegue dormir com esses saqueadores. Temos medo que invadam nossas casas e nos roubem também. Alguns vizinhos chegaram a negociar com os saqueadores para que eles não roubassem as grades e a fiação da internet de quem ainda vive no terreno do Conjunto Muribeca”, contou a atendente de telemarketing, Emanuelly Elainy, 23 anos. 
Foto: Tarciso Augusto/DP Foto.

Dentro e fora dos blocos, é possível ver o que restou após a ação dos vândalos, com canos da Compesa jorrando água sem parar e muitos vidros quebrados por todo canto. As caixas e os quadros de energia elétrica e os cabos de internet também não ficaram imunes. No apartamento da comerciante Carmen Lúcia, chegaram a tocar fogo no quarto onde ela dormia. Quando a reportagem esteve no local, ainda era grande o cheiro de fumaça e o perigo de faíscas reminiscentes. 

“Quando eu soube que os saqueadores estavam aqui no meu prédio, vim correndo para tentar recuperar alguns pertences. Roupas, objetos, fotografias, documentos, recordações. Pedi para que os saqueadores me respeitassem, mas no desespero chegaram a arrancar a janela da sala comigo dentro. Foi uma sensação horrível”, lamentou Carmen. Ela e seu marido Ozael Lopes também tiveram bancadas e ferramentas de trabalho do seu comércio roubados. 
Foto: Tarciso Augusto/DP Foto.

A jornalista e ex-moradora de Muribeca Luma Araújo, 31 anos, relatou que todos os saques acontecem sob às vistas dos seguranças privados, que deveriam estar salvaguardando o patrimônio. “Eu ligava para a polícia e eles diziam que nada podiam fazer pois a área estava sob a guarda da segurança privada e que era a empresa que tinha que ligar para a Polícia Militar. E quando a gente questionava os seguranças privados, eles eram arredios e agressivos conosco, diziam que a culpa não era deles e que os moradores que tinham permitido os saques”, denunciou. As empresas de segurança privada que atuam salvaguardando o patrimônio do Conjunto Muribeca são contratadas e pagas pela Caixa Econômica Federal. 

Em nota, a Caixa confirmou que mantém segurança privada no empreendimento e que “a denúncia se trata de fato isolado, devidamente resolvido pela segurança já contratada pelo banco com apoio da Polícia Militar de Pernambuco”. E continuou: “a empresa contratada pela Caixa é responsável pela segurança no Residencial Muribeca e atua em dezenas de unidades móveis e monitora a situação diariamente”. A reportagem questionou sobre o valor gasto com a empresa de segurança patrimonial mas o banco informou que não repassa esse tipo de informação. 

Terreno do Conjunto Muribeca pode virar um parque municipal
Foto: Tarciso Augusto/DP Foto.

A determinação da 5ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco é de que, assim que todo o Conjunto Residencial Muribeca for demolido, junto com os puxadinhos e as invasões, o terreno que hoje é de propriedade da Caixa Econômica Federal passe automaticamente para o município de Jaboatão dos Guararapes. Segundo a decisão da juíza Nilcéa Maggi, na área deve ser erguido algum equipamento público, desde que não seja habitação popular. A justificativa é de que o terreno estaria situado em região alagadiça, o que seria inviável para a construção verticalizada. O município informou que tem interesse na utilização da área, mas que ainda não sabe o que será feito no local do antigo Conjunto Residencial Muribeca. 

“A Prefeitura de Jaboatão vai estudar o que será construído na área. Uma das alternativas é um parque. Como o terreno é muito grande, o prefeito Anderson Ferreira está tentando viabilizar recursos junto ao Governo Federal para a construção do equipamento em parte do terreno”, informou a assessoria de comunicação do município. Neste mês de outubro, Anderson Ferreira esteve com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre para tratar do assunto. 

A decisão de transformar a área em um grande parque divide a opinião dos antigos moradores do Conjunto Muribeca, porque a situação de muitas famílias ainda é indefinida. Enquanto algumas pessoas já foram indenizadas pela Caixa Econômica Federal, outras recebem auxílio-moradia e vivem na esperança da reconstrução de seus imóveis no mesmo local. Ainda há aquelas que estão pagando um apartamento, via Minha Casa Minha Vida, no Residencial Fazenda Suassuna, também localizado no bairro de Muribeca. 

O advogado do Centro Popular de Direitos Humanos, Stélio Cavalcanti, ressalta, contudo, que a área do terreno do residencial é uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis). “Por se tratar de uma Zeis, o direito à moradia deve ser priorizado. Dessa forma, os moradores que assim desejarem podem, ao final das demolições, voltar a morar em suas casas e buscar na justiça regularização da posse da terra. Quando a justiça diz que quer construir um parque na área, ela está violando essa legislação”, disse o advogado. 

Arquitetos e urbanistas da Cooperativa Arquitetura Urbanismo e Sociedade e o geógrafo Diogo Galvão também têm feito demonstrações técnicas para provar que a reconstrução do bairro é possível. Foram realizados estudos topográficos, que apontaram divergências em relação ao argumento utilizado na justiça de que a área do Conjunto Residencial Muribeca é alagadiça e por isso não poderia haver a reconstrução dos prédios. Ainda segundo os cálculos, a área do terreno é mais alta do que a dos arredores e pouco alagáveis, contrariando estudos de macrodrenagem de 2016, que concluía que o terreno não era propício à construção por ser alagadiço. 

No último mês de junho, os prédios voltaram a ser demolidos, após três anos de processo parado, por determinação da juíza da 5ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, Nilcéa Maggi. No lugar das quadras 1 e 2, há apenas um grande vazio e a quadra 3 está em processo de demolição. “Em 2013, a 5ª Vara havia sentenciado a Caixa a reconstruir o Conjunto Muribeca. Dos 69 prédios, apenas nove seriam demolidos. Em 2016, a Justiça Federal mandou a Caixa indenizar os moradores e derrubar todos os prédios”, contou a ex-moradora do Conjunto Muribeca, Carmen Lúcia. A Caixa afirmou que a respeito do processo na Justiça Federal sobre o Conjunto Residencial Muribeca apenas se manifesta nos autos. 

Entorno
Foto: Tarciso Augusto/DP Foto.

Imprecisa também é a situação dos moradores que residem nas casas que ficam no entorno do residencial mas que estão dentro do terreno da Caixa. Numa primeira sentença, ficou definido que todos imóveis (comércios e casas) que estão em um raio de até seis metros de cada bloco deveriam ser demolidos. A população denuncia, contudo, que na semana passada chegou uma notificação judicial para aqueles que residem e/ou têm comércio dentro de um raio de seis a 12 metros. Eles precisam deixar os seus imóveis em até 15 dias. 

“A Justiça alega que a minha casa está dentro do terreno da Caixa. Mas eu dei minha vida por isso, tenho cinco casas e um comércio e agora vou perder tudo? E ainda disseram que eu não tenho direito a auxílio-moradia”, lamentou o aposentado José Alves, 67 anos. A Justiça Federal foi contatada mas não respondeu à reportagem. Já a Secretaria Executiva de Habitação de Jaboatão informou que “não houve qualquer tipo de promessa a esse grupo de moradores. A Secretaria vai avaliar a nova situação e se colocará à disposição para dar o apoio necessário”.

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