Saúde
Gravidez de mulheres com doenças reumáticas requer planejamento
Por: Alice de Souza
Publicado em: 25/09/2019 10:30 | Atualizado em: 25/09/2019 11:07
A gravidez parecia impossível para a dona de casa Donata Fonseca, 27 anos. Diagnosticada com esclerose sistêmica, ela acreditava que a enfermidade crônica rara interferia na fertilidade. A certeza foi abandonada há um ano e quatro meses, quando sem esperar a menstruação atrasou e os exames deram positivo. Na mesma velocidade da alegria, chegaram novas preocupações e dúvidas. A gravidez para uma paciente com doenças reumáticas é sempre um misto de sentimentos. No passado, sequer era recomendada pelos médicos. Com o avanço das tecnologias e tratamentos, a realidade mudou.
As doenças reumáticas, um conjunto de mais de 100 patologias, atingem 12 milhões de brasileiros, segundo dados do Ministério da Saúde. A maioria dos diagnosticados são mulheres em idade fértil. Na artrite reumatoide, uma das patologias reumáticas mais comuns, a prevalência nelas é duas vezes maior do que nos homens, e os sintomas costumam aparecer por volta dos 30 anos. No caso do lúpus eritematoso sistêmico, também mais frequente em mulheres, o despertar do organismo para a doença pode vir ainda antes, por volta dos 20 anos. Há cerca de duas décadas, se uma mulher diagnosticada sinalizasse o interesse pela gestação corria a chance de ouvir um sonoro “não” dos médicos.
Esse cuidado necessário na época acabou contribuindo para a perpetuação de mitos e, na visão do professor de ginecologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Agostinho Machado, levou muitas mulheres a confundirem o “não dever” com o “não poder”. “Não há um efeito direto das doenças na capacidade de fertilidade. Muitas vezes, essas são pacientes jovens, com potencial alto de engravidar”, explica. Na verdade, “existem pouquíssimas contraindicações absolutas para a gravidez. Só em um paciente muito grave, o que é raro”, acrescenta a reumatologista do Hospital das Clínicas da UFPE Aline Ranzolin.
A ausência de informação contribui para um cenário de descuido com os métodos contraceptivos. Cerca de 60% das mulheres com doenças reumáticas que engravidam, de acordo com levantamento recente do ambulatório especializado do HC, não planejam a gravidez. Esse pode ser o segundo maior erro, já que planejamento é palavra de ordem para essas mulheres. “A maioria pode engravidar, desde que isso seja combinado com o médico, no momento certo do tratamento e com o uso das medicações corretas”, ressalta Aline Ranzolin.
A gravidez não planejada na mulher com doença reumática pode ter dois fatores de complicação. O primeiro deles é a doença estar em atividade, o outro é o uso de medicações proibidas para a gestação. O recomendado é que a gravidez aconteça quando a doença está controlada por, pelo menos, seis meses. Assim, riscos como o de abortamento, pré-eclâmpsia, retardo no crescimento intrauterino e prematuridade são reduzidos. O uso de medicamentos inadvertidos também pode trazer complicações ao feto, como a malformação congênita. Há alguns, como o metotrexato, o mais comum para tratamento de artrite reumatoide, que precisam ser interrompidos pelo menos 90 dias antes do início da gestação. Por outro lado, parar de tomar os medicamentos corretos pode exacerbar os sintomas.
“Hoje temos informações suficientes para garantir a segurança durante a gravidez, sabemos quais medicamentos devem ser usado no período todo, os que só podem no começou ou no final da gestação”, lembra Aline Ranzolin. Por isso, o ideal é que a mulher – caso queira engravidar – reforce essa informação junto ao reumatologista. E que os médicos da área, por sua vez, questionem sempre as pacientes sobre esse desejo, para traçar um plano de acompanhamento. Caso a gravidez ocorra de forma não prevista, o recomendado é procurar especialistas.
Ainda diante do susto, no mesmo dia do resultado positivos nos exames de farmácia, Donata entrou em contato com a médica. “Sempre me diziam nas consultas que, se eu fosse engravidar, planejasse com eles, mas eu achava que não era fértil o suficiente. Quando cheguei no ambulatório, cortaram a medicação e encaminharam para o pré-natal”, lembra ela, que há um ano e quatro meses é mãe de Sara Cecília.
As doenças reumáticas, um conjunto de mais de 100 patologias, atingem 12 milhões de brasileiros, segundo dados do Ministério da Saúde. A maioria dos diagnosticados são mulheres em idade fértil. Na artrite reumatoide, uma das patologias reumáticas mais comuns, a prevalência nelas é duas vezes maior do que nos homens, e os sintomas costumam aparecer por volta dos 30 anos. No caso do lúpus eritematoso sistêmico, também mais frequente em mulheres, o despertar do organismo para a doença pode vir ainda antes, por volta dos 20 anos. Há cerca de duas décadas, se uma mulher diagnosticada sinalizasse o interesse pela gestação corria a chance de ouvir um sonoro “não” dos médicos.
Esse cuidado necessário na época acabou contribuindo para a perpetuação de mitos e, na visão do professor de ginecologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Agostinho Machado, levou muitas mulheres a confundirem o “não dever” com o “não poder”. “Não há um efeito direto das doenças na capacidade de fertilidade. Muitas vezes, essas são pacientes jovens, com potencial alto de engravidar”, explica. Na verdade, “existem pouquíssimas contraindicações absolutas para a gravidez. Só em um paciente muito grave, o que é raro”, acrescenta a reumatologista do Hospital das Clínicas da UFPE Aline Ranzolin.
A ausência de informação contribui para um cenário de descuido com os métodos contraceptivos. Cerca de 60% das mulheres com doenças reumáticas que engravidam, de acordo com levantamento recente do ambulatório especializado do HC, não planejam a gravidez. Esse pode ser o segundo maior erro, já que planejamento é palavra de ordem para essas mulheres. “A maioria pode engravidar, desde que isso seja combinado com o médico, no momento certo do tratamento e com o uso das medicações corretas”, ressalta Aline Ranzolin.
A gravidez não planejada na mulher com doença reumática pode ter dois fatores de complicação. O primeiro deles é a doença estar em atividade, o outro é o uso de medicações proibidas para a gestação. O recomendado é que a gravidez aconteça quando a doença está controlada por, pelo menos, seis meses. Assim, riscos como o de abortamento, pré-eclâmpsia, retardo no crescimento intrauterino e prematuridade são reduzidos. O uso de medicamentos inadvertidos também pode trazer complicações ao feto, como a malformação congênita. Há alguns, como o metotrexato, o mais comum para tratamento de artrite reumatoide, que precisam ser interrompidos pelo menos 90 dias antes do início da gestação. Por outro lado, parar de tomar os medicamentos corretos pode exacerbar os sintomas.
“Hoje temos informações suficientes para garantir a segurança durante a gravidez, sabemos quais medicamentos devem ser usado no período todo, os que só podem no começou ou no final da gestação”, lembra Aline Ranzolin. Por isso, o ideal é que a mulher – caso queira engravidar – reforce essa informação junto ao reumatologista. E que os médicos da área, por sua vez, questionem sempre as pacientes sobre esse desejo, para traçar um plano de acompanhamento. Caso a gravidez ocorra de forma não prevista, o recomendado é procurar especialistas.
Ainda diante do susto, no mesmo dia do resultado positivos nos exames de farmácia, Donata entrou em contato com a médica. “Sempre me diziam nas consultas que, se eu fosse engravidar, planejasse com eles, mas eu achava que não era fértil o suficiente. Quando cheguei no ambulatório, cortaram a medicação e encaminharam para o pré-natal”, lembra ela, que há um ano e quatro meses é mãe de Sara Cecília.
Mulheres costumam ter muitas dúvidas quando engravidam
Depois da alegria da notícia da gravidez, as dúvidas começaram a surgir na cabeça de Donata. Se a criança iria nascer com esclerose sistêmica. Se era possível amamentar. Qual seria a via de parto ideal. Como a doença reumática, de forma sistêmica, afetaria o desenvolvimento do feto. Se o medicamento geraria malformação. “Queria saber se a minha filha iria sofrer o tanto que eu sofri”, diz. Os questionamentos dela são comuns aos de outras mulheres. Pacientes com doenças reumáticas, ao ficar grávidas, costumam chegar ao consultório munidas de angústia, medo e incertezas.
Uma das primeiras perguntas que costumam ser feitas nas consultas é se o parto poderá ser normal. “Toda gestação é um momento de medo, mesmo para mulheres sem nenhuma doença. Com a associação de uma enfermidade, os medos são vários. Na primeira consulta é emblemático perguntar do parto. No geral, a doença reumática não determina a via de parto, essa será uma decisão obstétrica e não reumatológica”, explica a enfermeira obstetra do HC Ana Clara Carvalho.
A doença reumatológica é apenas uma história dentro de muitas histórias da vida da paciente, isto é, sozinha ela não determinará o destino da gravidez. “Há outros fatores como os antecedentes pessoais que podem contribuir para a evolução gestacional, como sobrepeso, histórico familiar de problemas gestacionais, gravidez anterior. A gravidez surge e desperta todos esses antecedentes, potencializados pelo problema reumático”, lembra Agostinho Machado. O pré-natal, nesses casos, é um momento de desconstrução. “A via de parto será uma decisão diante do que acontecer no trabalho de parto”, lembra Agostinho.
Donata também tinha essa mesma preocupação, queria a filha de parto normal. Por volta da 27ª semana de gravidez, sentiu dores e enjoos. Ao chegar ao hospital, descobriu a pressão 20 por 12 e foi internada para um parto de emergência. Não tinha nada a ver com a esclerose, mas com intercorrências da gestação. Sara Cecília nasceu com 910 gramas e passou dois meses na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Neste momento, Donata descobriu outra informação: a esclerose não impediria a amamentação. Ela, então, juntou forças.
Disse para a médica permanecer com a medicação para a doença suspensa, pois a filha precisaria de leite materno para sobreviver. “Fiquei morando no hospital, minha filha tomava leite pela sonda. Comecei a tirar seis dias depois do nascimento dela. Amamentei Sara até os sete meses. Foi muito importante para mim, pois fez eu me sentir mais mãe. Eu planejei várias coisas que não aconteceram, como fotos da gestação, parto normal. Então, amamentar me ajudou a me ver como mãe”, diz.
Depois da alegria da notícia da gravidez, as dúvidas começaram a surgir na cabeça de Donata. Se a criança iria nascer com esclerose sistêmica. Se era possível amamentar. Qual seria a via de parto ideal. Como a doença reumática, de forma sistêmica, afetaria o desenvolvimento do feto. Se o medicamento geraria malformação. “Queria saber se a minha filha iria sofrer o tanto que eu sofri”, diz. Os questionamentos dela são comuns aos de outras mulheres. Pacientes com doenças reumáticas, ao ficar grávidas, costumam chegar ao consultório munidas de angústia, medo e incertezas.
Uma das primeiras perguntas que costumam ser feitas nas consultas é se o parto poderá ser normal. “Toda gestação é um momento de medo, mesmo para mulheres sem nenhuma doença. Com a associação de uma enfermidade, os medos são vários. Na primeira consulta é emblemático perguntar do parto. No geral, a doença reumática não determina a via de parto, essa será uma decisão obstétrica e não reumatológica”, explica a enfermeira obstetra do HC Ana Clara Carvalho.
A doença reumatológica é apenas uma história dentro de muitas histórias da vida da paciente, isto é, sozinha ela não determinará o destino da gravidez. “Há outros fatores como os antecedentes pessoais que podem contribuir para a evolução gestacional, como sobrepeso, histórico familiar de problemas gestacionais, gravidez anterior. A gravidez surge e desperta todos esses antecedentes, potencializados pelo problema reumático”, lembra Agostinho Machado. O pré-natal, nesses casos, é um momento de desconstrução. “A via de parto será uma decisão diante do que acontecer no trabalho de parto”, lembra Agostinho.
Donata também tinha essa mesma preocupação, queria a filha de parto normal. Por volta da 27ª semana de gravidez, sentiu dores e enjoos. Ao chegar ao hospital, descobriu a pressão 20 por 12 e foi internada para um parto de emergência. Não tinha nada a ver com a esclerose, mas com intercorrências da gestação. Sara Cecília nasceu com 910 gramas e passou dois meses na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Neste momento, Donata descobriu outra informação: a esclerose não impediria a amamentação. Ela, então, juntou forças.
Disse para a médica permanecer com a medicação para a doença suspensa, pois a filha precisaria de leite materno para sobreviver. “Fiquei morando no hospital, minha filha tomava leite pela sonda. Comecei a tirar seis dias depois do nascimento dela. Amamentei Sara até os sete meses. Foi muito importante para mim, pois fez eu me sentir mais mãe. Eu planejei várias coisas que não aconteceram, como fotos da gestação, parto normal. Então, amamentar me ajudou a me ver como mãe”, diz.
Prevenção da gestação indesejada é necessidade urgente
Diante da falta de informação e dos mitos que circundam a gravidez da paciente reumática, o trabalho de prevenção de gravidez indesejada e de planejamento familiar se torna mais urgente. Um estudo conduzido pelo ambulatório especializado no Hospital das Clínicas da UFPE, apresentado durante o Congresso Brasileiro de Reumatologia deste ano, mostrou que de 49 mulheres atendidas na unidade, 28 não haviam planejado a gravidez. Dessas 35,7% não usavam nenhum método contraceptivo. Outras 35,7% usavam camisinha e 14,2% usavam contracepção hormonal.
O ambulatório funciona desde janeiro de 2018. As doenças mais frequentes entre as grávidas atendidas são lúpus, que acomete 34%, artrite reumatoide, 28%, e espondiloartrite, 6%. A unidade está uniformizando o banco de dados para, a partir de então, gerar os primeiros estudos sobre o perfil da paciente reumatológica grávida do Brasil. As pacientes chegam lá por meio de encaminhamentos dos ambulatórios de doenças reumatológicas do HC. A partir da consulta inicial, caso já estejam grávidas, são encaminhadas para fazer o pré-natal na obstetrícia do hospital e mantêm um acompanhamento com os reumatologistas, uma enfermeira obstetra e ginecologista do ambulatório de reumatologia. No ambulatório geral, a consulta costuma ser a cada quatro meses. No especializado, é mensal.
“Existe uma preocupação que é orientar melhor essas pacientes antes da gravidez. Já percebemos aqui que temos recebido mais mulheres querendo planejar e menos já grávidas”, diz Aline Ranzolin. A professora desempregada Rosângela Holanda, 41 anos, é de Serra Talhada e vem ao Recife para fazer tratamento no ambulatório. Como Donata, ela jamais imaginava ficar grávida. Com diagnóstico de lúpus há 20 anos, ela também tem um diagnóstico de endometriose. “Eu tinha 29 anos quando descobri a endometriose e imaginei que seria impossível engravidar. Abandonei qualquer ideia dessa. Em junho, comecei a sentir algo estranho, fiz um teste de farmácia e fiquei no chão”, lembra.
A primeira dúvida foi se a criança também iria ter a doença. Depois, se poderia amamentar. “Imediatamente liguei para o reumato, para saber o que fazer. Depois de conversar com os médicos, fiquei segura. Claro, ainda tenho medos, pois não sei como será vir para o tratamento e deixar meu bebê no interior. Quando a barriga aumentar, não sei também se irei aguentar a viagem até o Recife. São oito horas. Porém, estou confiante também. É a realização de um sonho”, define.
Diante da falta de informação e dos mitos que circundam a gravidez da paciente reumática, o trabalho de prevenção de gravidez indesejada e de planejamento familiar se torna mais urgente. Um estudo conduzido pelo ambulatório especializado no Hospital das Clínicas da UFPE, apresentado durante o Congresso Brasileiro de Reumatologia deste ano, mostrou que de 49 mulheres atendidas na unidade, 28 não haviam planejado a gravidez. Dessas 35,7% não usavam nenhum método contraceptivo. Outras 35,7% usavam camisinha e 14,2% usavam contracepção hormonal.
O ambulatório funciona desde janeiro de 2018. As doenças mais frequentes entre as grávidas atendidas são lúpus, que acomete 34%, artrite reumatoide, 28%, e espondiloartrite, 6%. A unidade está uniformizando o banco de dados para, a partir de então, gerar os primeiros estudos sobre o perfil da paciente reumatológica grávida do Brasil. As pacientes chegam lá por meio de encaminhamentos dos ambulatórios de doenças reumatológicas do HC. A partir da consulta inicial, caso já estejam grávidas, são encaminhadas para fazer o pré-natal na obstetrícia do hospital e mantêm um acompanhamento com os reumatologistas, uma enfermeira obstetra e ginecologista do ambulatório de reumatologia. No ambulatório geral, a consulta costuma ser a cada quatro meses. No especializado, é mensal.
“Existe uma preocupação que é orientar melhor essas pacientes antes da gravidez. Já percebemos aqui que temos recebido mais mulheres querendo planejar e menos já grávidas”, diz Aline Ranzolin. A professora desempregada Rosângela Holanda, 41 anos, é de Serra Talhada e vem ao Recife para fazer tratamento no ambulatório. Como Donata, ela jamais imaginava ficar grávida. Com diagnóstico de lúpus há 20 anos, ela também tem um diagnóstico de endometriose. “Eu tinha 29 anos quando descobri a endometriose e imaginei que seria impossível engravidar. Abandonei qualquer ideia dessa. Em junho, comecei a sentir algo estranho, fiz um teste de farmácia e fiquei no chão”, lembra.
A primeira dúvida foi se a criança também iria ter a doença. Depois, se poderia amamentar. “Imediatamente liguei para o reumato, para saber o que fazer. Depois de conversar com os médicos, fiquei segura. Claro, ainda tenho medos, pois não sei como será vir para o tratamento e deixar meu bebê no interior. Quando a barriga aumentar, não sei também se irei aguentar a viagem até o Recife. São oito horas. Porém, estou confiante também. É a realização de um sonho”, define.
*A repórter viajou para o Congresso Brasileiro de Reumatologia a convite da Abbvie
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