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Centro de Formação Paulo Freire enfrenta ordem de despejo em Caruaru

Publicado em: 10/09/2019 09:07 | Atualizado em: 10/09/2019 09:41

A área de 15 hectares, onde o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza atividades de formação e produção. Foto: Reprodução/ Facebook

O Centro de Formação Paulo Freire, localizado no Assentamento Normandia, em Caruaru, está com a existência ameaçada. Uma decisão judicial da 24ª Vara Federal de Caruaru, referente a um processo arquivado há 11 anos, determinou a reintegração de posse da área que o centro ocupa. A medida está pautada em um procedimento administrativo aberto pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), referente a um desentendimento entre os assentados no fim da década de 1990.

A área de 15 hectares, onde o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza atividades de formação e produção, tem até o dia 19 para ser desocupada de forma espontânea. O governo do estado afirma que não pretende colocar forças policiais à disposição do cumprimento da medida.

A decisão final do Tribunal Regional Federal da 5ª Região determinou no dia 21 de agosto o prazo de 30 dias para que seja realizada a desocupação espontânea da área. Em nota, a Justiça Federal (JFPE) afirmou que o início do processo é de 1º de julho de 2008 e limita-se à reintegração, em favor do Incra, da área de 15 hectares do Projeto de Assentamento da Reforma Agrária Normandia, “onde foram construídas diversas benfeitorias, sem autorização da autarquia e contendo inúmeras irregularidades”.

Após o prazo estabelecido, a decisão do juiz federal Tiago Antunes de Aguiar determina a desocupação do imóvel, com a retirada dos bens, de forma compulsória pela polícia, com uso da força policial, arrombamento, se necessário, e condução coercitiva em caso de resistência. Além disso, poderá haver a remoção dos animais para o Curral de Gado do município, com autorização para o abate ou doação dos bichos.

De acordo com o argumento da Advocacia Geral da União (AGU) o MST, sem autorização, utiliza a área comunitária para construir um centro de formação política. O MST afirma que ainda não foi notificado oficialmente da decisão da Justiça.

Representantes do movimento dizem que ficaram sabendo da decisão quando um responsável do Incra chegou ao território, questionando se o grupo já havia sido informado. Para o MST, a reintegração tem motivação política e ideológica. “Quando começamos a organizar o assentamento, em 1999, houve uma pequena divergência. Um grupo, maioria absoluta, de 37 pessoas optou por uma organização coletiva. Outro, de quatro famílias, optou pela individualização. Isso acabou criando um processo administrativo, que ficou tramitando, foi julgado e arquivado em 2008”, explicou o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Jaime Amorim.

O pedido de reintegração de posse, de acordo com Jaime, foi recebido com surpresa pelos assentados. “Não há argumento. É um processo que estava parado e foi resgatado pelo Incra. Essa divergência não existe mais. A direção da associação que representa o assentamento vive em comum acordo. A situação se alterou completamente depois que as áreas coletivas acabaram tendo mais sucesso econômico do que as individuais. As famílias que eram contra hoje estão na produção coletiva”, disse Jaime. Para ele, a decisão tem como foco enfraquecer o movimento e institucionalizar a privatização de lotes coletivos em assentamentos no Brasil.

O assentamento Normandia e o Centro de Formação Paulo Freire são emblemáticos da luta por reforma agrária em Pernambuco. Fruto de uma história de luta que envolveu diversos conflitos e até uma greve de fome de 11 dias, o local foi ocupado em 1993 e assentado em 1997. Das 179 famílias que acamparam atualmente, 41 passaram a viver e produzir no local. São cerca de 700 hectares de terra, das quais 15 hectares são de uma agrovila, 28 hectares para a produção da cooperativa, 105 hectares de reserva ambiental e 14 do centro de formação. Cerca de metade do total de terras é de uso coletivo. O Centro Paulo Freire tem alojamentos para 240 pessoas e auditório para 800 pessoas, além de academia do campo, quadra, creche, refeitório e outras áreas comuns.
 
Acampamento de resistência será montado nesta semana
 
Os representantes do MST afirmaram que não irão desocupar a área de forma espontânea e estão articulando atividades ao longo da semana. “A realidade fática mudou desde 2008. Até agosto deste ano, o Incra não havia tomado mais decisões e mais posições. Iremos trazer o Ministério Público Federal (MPF) e recorrer juridicamente. Iremos questionar como se dará essa reintegração”, explicou o advogado do MST André Barreto. Como parte das ações de resistência, o MST organizará um acampamento no assentamento, que começa no próximo sábado e realizará uma série de atividades culturais até o domingo. Antes disso, realiza na próxima quarta-feira (11) uma reunião com educadores e comunicadores. Na sexta-feira (13), promoverá uma reunião com deputados na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), às 10h30.

O Centro Paulo Freire é referência na formação em agroecologia no estado, com a realização do curso Pé no Chão, e possui parcerias com instituições como as Universidades Federal (UFPE), Federal Rural (UFRPE), de Pernambuco (UPE), Fiocruz, Universidade de Coimbra (Portugal) e Institutos Federais (Ifs). A área incorporada ao pedido de reintegração de posse também abarca três agroindústrias, que produzem pães, tubérculos e mantêm semanalmente cortes e 90 cabeças de caprinos e 16 de bovinos, além de aves. A produção abastece a merenda das escolas municipais de Caruaru, Recife, da gerência de educação do agreste, de Palmares, Floresta, além de outros municípios, como Riacho das Almas e Palmares. Os produtos são a maior base de abastecimento, também, do Armazém do Campo, no Recife.

O governo de Pernambuco já sinalizou que não pretende dispor da polícia local para cumprir a reintegração de posse, segundo o líder na Alepe, o deputado Isaltino Nascimento (PSB). “No Brasil, nos temos instituições coordenadas e articuladas, que construíram um legado. Mas, infelizmente, existem forças políticas indo de encontro ao que é interesse coletivo. Da parte do estado, não haverá nenhuma ação”, disse. 

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